Capítulo 9 - Tempestade [Tielo]

Foi com um sorriso banhado em desajeito - e alívio, de certa forma - que o retratista ouviu a resposta do bardo e, felizmente, sua confirmação à respeito do próprio estado. O moreno não se demorou em aproximar da dupla e, roçando os dedos sobre o rosto de Lapras, encostou a testa no focinho do animal antes de agradecê-lo, em baixo tom, e o presenteou com afago gentil antes de recolher a esfera do espécime e retorná-lo, concedendo-lhe mais um momento de descanso após tremendo esforço para não somente auxiliá-lo à chegar ao Pyre, como também pela necessidade de retornar ao mar revolto para encontrar e resgatar o artista da correnteza.

— ...Sinto muito. — Erick fez questão de pedir, logo que a imagem do plesiossauro desapareceu, apertando uma mão na outra, meio sem graça. — Eu não percebi que você estava com problemas lá atrás. — Comentou, com um suspiro inquieto. — Mas, fico feliz que esteja bem. — Disse, o olhar se desviando para as águas agitadas e, enfim, para o céu escuro e trovejante. — Melhor a gente sair de perto da praia. Você acha que ainda vai ficar assim por muito tempo? — Perguntou, com um suspiro inquieto antes de se voltar na direção da ilha e, enfim, olhar ao redor. — ...Pra onde vamos? — Quis saber. Existiam três opções: À frente, se abria uma floresta. Pra esquerda, um morro alto que despencava em pedras afiadas e, na direita, a praia continuava e, mais ao longe, parecia existir a entrada de algo parecido com uma caverna...

Bem, e então?

Se já sem jeito estava, mais ainda ficou diante da bagunça de fios realizada pelo companheiro: E, sem pronunciar mais nenhuma palavra, o rapaz encolheu os ombros e organizou os cabelos, o olhar se desviando por um breve instante antes de se dirigir para a caverna mencionada pelo cigano. Com sutileza, acenou uma concordância com a cabeça, e permitiu que um suspiro escapasse antes de começar a se encaminhar em tal direção.

— Bem, isso é. — Comentou, já tomando seu rumo. Os cabelos já estavam ensopados por conta da viagem pelo mar e, bem, o vento frio que açoitava as partes desnudas de seu corpo não era lá algo muito convidativo para que o moreno permanecesse na praia. — A parte ruim é que não tenho certeza se vou conseguir boas fotos nesse temporal... — Resmungou, balançando a cabeça em negativa e apressando o passo na direção da entrada adiante, esperançoso que pudessem descansar um instante em um lugar seguro.

A caverna, vale dizer, era um lugar escuro - o que seria um problema, a menos que tivessem alguma coisa para iluminar o caminho. Os raios distantes vez ou outra eram responsáveis por fazê-lo, emitindo um clarão no interior do lugar e revelando algumas formas, predominantemente rochosas. Se prestassem atenção, porém, parecia que um dos moldes sombrios se movimentava, ao fundo e entre umas cinco pedras circulares... Ou será que seria mera impressão causada por perspectiva?

Oh, bem.

Assim que adentraram na caverna, o cigano se deu ao luxo de não só retirar Larvesta de sua pokéball, como também de despir a si próprio em busca de espremer as vestimentas e, com sorte, conquistar um pouco de calor graças ao seu pokémon: Atitude não muito inteligente, talvez - uma brisa forte e gélida escoava para dentro da passagem, e afetava a temperatura até mesmo de seus ossos, num frio infernal que parecia longe de desaparecer. Não só isso! Além de tudo, o pequeno inseto parecia estressado com o ambiente, principalmente levando em consideração as inúmeras goteiras e umidade no teto e nas paredes das rochas, e não se demorou em emburrar, irritadíssimo e sem vontade alguma de ficar do lado de fora, fato compreensível se parasse para pensar que já estavam praticamente no olho da tormenta; Seria inteligente impor tais condições nos ombros do recém-nascido?

— Você acha que é bom deixar um desses do lado de fora? — Questionou o rapaz, observando sem jeito a larva trêmula, que tentava em vão formular e soprar pequenos Embers - infelizmente, o movimento já era fraco, o pokémon não era treinado e o clima parecia torná-lo praticamente inútil, como se todos os problemas que tinham já não fossem suficientes. De qualquer jeito, o fotógrafo não achou que deveria se intrometer demais nas decisões do albino, então se limitou a organizar as próprias coisas: E isso até reparar no distanciamento do outro, em direção ao fundo da caverna. — O que foi? Algum problema? — Perguntou, aumentando um pouco mais o tom de voz.

Mas, não foi só ele quem reparou a movimentação da dupla, apesar de difícil dizer se pelo barulho ou simplesmente por aproximação. Detrás das rochas, o tal vulto resolveu dar as caras, ainda que em meio à escuridão maculada apenas por raios distantes: Um pato molhado, segurando um alho-poró e... Bem, não parecia nada feliz com visitas: Com um guincho irritado, apontou o vegetal na direção do cigano e, considerando as informações de que os animais da ilha estavam com uma tendência violenta...

O que ele faria?

Se por um lado o aparente selvagem não parecia lá muito amigável em relação ao cigano, bem, este último com certeza estava mais que animado com o mero vislumbre dos contornos e trejeitos do curioso espécime exótico: Tanto que foi com um brilho nos olhos que seu pensamento criou asas e rodopiou ao redor da ideia de poder desfilar com o alado pelas bordas e rotas do continente, os ombros unidos tal qual um cavaleiro e seu fiel escudeiro - digo, quer dizer, região errada, espera lá. Enfim, independente disso, o fato era que o interesse do treinador pelo pokémon era mais que visível mas, bem, o contrário não parecia muito verídico: E, diante da ousadia do albino em tentar manter contato e presença por ali, a ave respondeu com outro guincho irritado, batendo as asas e os pés no chão, um após o outro.

Neste ponto, se torna difícil saber se por desagrado com a atitude do animal ou por receio de um avanço inesperado mas, de qualquer jeito, é importante dizer que Larvesta tomou as dianteiras e agiu... Ou, bem, algo próximo disso. O pequeno inseto balançou-se de um lado para o outro e, acumulando fôlego, "cuspiu" uma labareda fraquíssima na direção do voador - e, como é de se imaginar, não foi com bons olhos que Farfetch'd observou aquela tentativa de ofensiva e, com isso, saltou para frente e apontou o bastão na direção da dupla: Querendo ou não, o bardo precisaria tomar iniciativa em um combate antes que o próprio selvagem o fizesse.

Aliás, também é válido ressaltar...
Será que seria impressão, ou tinha alguma coisa branca entre as rochas de onde o pato havia saído?

Apesar de todas as complicações e claro desagrado de Farfetch'd com a mera presença da dupla (trio) naquela área, o cigano parecia extremamente inclinado à ignorar tal situação e simplesmente bater mais e mais na mesma tecla - o que, óbvio, não demorou lá tanto tempo para dar errado, por assim dizer. É justíssimo que um treinador queira passar por obstáculos sem a necessidade de conflito, entretanto, também é preciso saber quando não se pode evitá-los, se realmente desejar atravessar: E, entre o temporal, a agressividade da própria ilha e diante do alado acinzentado, válido dizer que aquele era exatamente um desses tais momentos.

Larvesta, porém, nada mais podia fazer além de obedecer as ordens do arlequim - ou, pelo menos, naquele momento acreditava nisso - e, de um jeito meio sem jeito, se aproximou mais da ave arisca, gesticulando e tentando se fazer entender; O pato, por outro lado, não pareceu ter vontade alguma de oferecer, independente de quão mínima fosse, atenção ao inseto: Agressivo, recuou dois passos e chutou um monte de lama gelada bem no meio do rosto do espécime já capturado, fazendo-o recuar num barulho assustado e irritado ao mesmo tempo.

Nem todo cão que ladra deixa de morder, huh?