(010) — hidden springs/call it what you want

Era difícil aceitar toda essa fragilidade que enublava o meu peito. As lágrimas escorrendo, os soluços presos, a restrição das narinas; tudo isso travava uma guerra contra meu próprio orgulho, a honra já tão ferida por mim mesma quanto falhei em tocar corretamente o violino. Sempre me cobrei tanto, ainda mais sendo a única coisa que carrega consigo a memória afetiva da minha família. Como se já não bastasse ter o instrumento original destruído na rota cento e vinte um por Maxima, agora sequer consigo tocar acordes corretamente; aqueles que juntos tocavam músicas que sempre traziam felicidade para minha casa por mais que tivéssemos todos os problemas do mundo em nossas costas. Música sempre foi um escape e, bom, está aí mais um coisa que perdi para o destino.

A pior parte era estar tão vulnerável perto de Daisuke. Não me leve a mal, nosso dia está sendo incrível e não poderia ser melhor, mas só uma única pessoa viu além dessa muralha que criei dentro de mim. Natalie conhece todas minhas nuances, meus temores, meus receios... E acho que jamais conseguirei mensurar o medo que sempre tive de mostrá-los a outra pessoa a não ser ela. Chase não tem mais pra onde correr agora que encontrei-a de novo; mas e Fernandez? Será que me ver como sou de verdade afastará ele de mim? E se a Karinna durona e escrota e briguenta for a que ele goste de verdade?

Não importa, pelo menos não agora.

— ... Huh? — enquanto devaneava nos meus pensamentos, o Ranger parecia ter tido uma ideia, me trazendo para perto dos diversos instrumentos que cuidadosamente estavam posicionados pelo cenário — ... — limpei o rosto, respirando fundo para me recompor e aproveitando para caminhar até meu violino e guardá-lo em segurança mais uma vez — Será que vai dar certo? — retornei, agora segurando a mão de Daisuke — Nossa.

Assim que o ruivo terminava de tocar o último tambor, a melodia repetiu-se no ar, quase como se ressonasse como resposta ao estímulo dos instrumentos. Aquilo parcialmente me encantava, já que a mágica por trás daquilo quiçá jamais fosse revelada; abri um leve sorriso, deitando minha cabeça no ombro de Daisuke. Os olhos, então, perceberam no limítrofe de seus ângulos o brilho na pedra que jazia atrás do suporte de partitura, abrilhantando ao ponto de incomodar meus orbes e me fazer cerrá-los por alguns segundos. Abri-os novamente somente quando o Ranger me perguntou se deveríamos investigar sobre o que se tratava; consenti com a cabeça, mas devo salientar que até mesmo o uso da palavra "tesouro" não conseguiu animar o meu espírito.

— Hm... Tá bom. — ajeitei minha postura, caminhando até a pedra ainda de mãos dadas com Daisuke — Pode pegar primeiro. — comentei ao ver que haviam dois objetos envolvidos no que pareciam dois antigos tecidos desgastados pelo tempo — Vamos ver. — busquei o outro com a mão esquerda, que até doía um pouco, mas nada comparado a dor que aguentei enquanto tocava o violino; vi seu conteúdo, guardando-o na bolsa logo em seguida — Ah, desculpa pela camisa encharcada. Espero que saiba que não costumo chorar, não. — bufei — Foi só a solução que minha cabeça criou para eu não sair quebrando essa tenda todinha. — que mentira, Karinna — Depois te dou uma blusa nova, Simba. Você não vai querer esperar pra lavar depois essa blusa cheia de lágrima e de meleca minha, né? — apontei com o dedo para uma parte da blusa bem próxima da gola; assim que Daisuke abaixou a cabeça, dei um leve tapinha em sua testa — Melhor jogar fora quando sairmos daqui.

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O cuidado que Daisuke tinha trazia consigo um sentimento que, desde Tshilaba, aumentava gradativamente a cada gesto carinhoso que o ruivo tinha comigo. Devo dizer que me repito aqui pela vigésima vez, mas Fernandez mal conhece a Karinna frágil, vulnerável... Que diabos ele pensará quando souber de toda minha história? De tudo que tive que sacrificar, das oferendas ao destino que tive que fazer, mesmo que esses tenham ceifado a vida de terceiros? Fazer parte da maior organização criminosa não era motivo de orgulho algum, mas foram os únicos que me acolheram quando não havia mais ninguém, nem mesmo Natalie. Algum dia confessaria meus crimes, eu sinto. Fosse bêbada, fosse em um episódio mais vulnerável que esse, fosse pela mais pura vontade do meu ser, mas parte de mim teme o que poderia acontecer. Talvez fosse melhor fazer isso agora antes que se tornasse mais sério, mas somente o pensamento de arruinar o que parece o começo de algo perfeito já me deprime.

— Daisuke... — respirei fundo com uma expressão séria no rosto; parte de mim queria desembuchar tudo, mas não conseguia fazer as palavras saírem da minha boca — Nada. Deixa.

Antes que pudesse pensar em tomar coragem, uma leve comoção à direita chamava minha atenção. Fitei Daisuke e logo em seguida Teriyaki e Brave, sinalizando com a cabeça para que fôssemos até lá; quer dizer, eu até poderia verbalizar, mas depois da maioria deles ter fugido quando eu e o ruivo rolamos no chão, talvez fazer muito barulho não fosse lá a melhor estratégia a se seguir. Ainda de mãos dadas, puxei o Ranger naquela direção, esperando para ver o que nos aguardava.

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— Me incomodando? — suspirei, forçando um sorriso logo em seguida — Não, tá tudo bem. Tô só meio abalada pelo que aconteceu agora, sabe? Mas já já passa e volto a te perturbar. — apertei a mão de Daisuke, tornando a deitar a cabeça sobre o seu braço enquanto andávamos — ... Ah, olha ali!

Não demorou muito e a origem de toda aquela leve comoção se revelava, um Honedge e um Fletchling, segundo a Pokédex do Ranger. Aliás, aquele pequenino eu já conhecia, Natalie chocou um quando ainda estávamos na casa do Oliver no Shimmer Desert! Mas diferente da calma e serena passarinha que conheci, esse parecia implicar com o fantasma, que por sua vez pouco se importava.

— Te lembra alguém?— comentei com Daisuke, apontando para o voador — Pequena e aborrecida e implicando com o maior. — dei uma risada, sinalizando com a cabeça para que Teriyaki se posicionasse ao meu lado — Aquilo que ele segura? — respondi a pergunta do Ranger com outra pergunta — Não faço ideia do que seja, mas estranho, né? Será que é mais um dos "tesouros"? — respirei fundo, voltando minha atenção para o psíquico — Mesmo esquema, filho. Só o suficiente para o passarinho desmaiar, tudo bem? — preparei a arma de Pokéball, dessa vez sem fazer uma pose tosca que fosse me derrubar e fazer passar mais vergonha ainda — Use um leve Psychic.

Assim que Sigilyph terminasse de desmaiar o passarinho, atiraria a esfera e aguardaria o resultado para recolhê-la. Faltando somente um monstrinho para aparecer para gente, me pergunto o que a tenda ainda reserva.

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