WHIRL ISLANDS DUNGEON #1

Eu não queria que ele entendesse a forma como eu enxergava o mundo. Isso era demais. Mas agora ele nem ao menos caminhava mais ao meu lado. Dei a oportunidade dele "lavar a alma" e preferiu correr dos sentimentos. Me perguntei o quanto já tinha colocado os dele na frente dos meus e não queria me lembrar daquele momento com raiva, muito menos deixar que ele seguisse assim.

Segurei firme no braço dele e não deixei que prosseguisse.

— Não. - disse tirando um pigarro da garganta. - Não vamos perturbar Lugia assim. Eu não quero lembrar desse momento com você chorando ou não confiando em mim quando estivermos lá. Se quiser gritar, dizer coisas horríveis, me bater, faça A-GO-RA! Não quando as nossas vidas e as dos nossos Pokémon estiverem dependendo da nossa união, que você não ta fazendo a mínima questão de manter. Eu sei das merdas que meus 'eu' fizemos. Eu tenho plena consciência de que um dia eu vou pagar muito caro pelas minhas ações, mas to me resolvendo com elas e você sabe de todas as minhas questões. É o único que sabe. Então não faz isso. Não joga essas merdas na minha cara e sai andando. Você, mais do que ninguém, devia entender porque você me fez acreditar que eu podia te contar QUALQUER COISA e isso inclui as merdas que rolam dentro da minha cabeça! - minha voz já tinha subido demais e em algum momento coloquei o dedo na cara dele.

Ta, agora eu acabei explodindo. Ele não reagiu bem quando contei que escondi o Thito e contei o motivo. Me fez prometer que nunca mais mentiria ou esconderia algo assim. Só que depois da morte da mãe dele o que ele esperava que eu fizesse? Fosse insensível e contasse dos meus traumas ao invés de ouvi-lo? Talvez ele devesse saber disso...

— Eu só não te contei antes porque isso... o Matte, aconteceu quando você estava em Cerulean. Como esperava que eu contasse da experiência mais traumática que passei em jornada depois que me contou que tinha perdido sua mãe? Queria que eu te contasse no parque, que estávamos comemorando a porra da sua classificação pro Grand Festival? Ou na frente da minha mãe, com todas as memórias do meu pai que tem naquela casa? - Eu já estava chorando a esse ponto, e era inconsciente. Meus olhos ardiam e minha garganta arranhava. Era difícil demais admitir que eu estava perdido e com medo o tempo todo, mas tentando ser sensato e não ferir ninguém, principalmente ele. - Me desculpe se soube quando encontramos aqueles Rocket. Eu não podia enfrentar eles, mas o Matte sim. Ele já fez isso antes e diferente de mim, não se importa com os outros, como você viu, mas eu juro que fiz o que pude pra ele se importar minimamente de cooperar contigo.

Me afastei um pouco precisando de ar. Tinha que me recuperar. Já tinha chorado demais, mas aquilo era necessário. Não ia deixar que ele entrasse no santuário de Lugia com aquela energia. Nem eu estava mais em um centro de equilíbrio. Precisávamos restaurar aquilo juntos. Nem que significasse batalhar pra chegar num acordo.

— DESCULPA SE EU ACHEI QUE NÃO PRECISASSE SER O SENHOR PERFEITO O TEMPO TODO NA SUA FRENTE!! - me exaltei de verdade.

Ok. Agora sim eu estava todo ranhento e vulnerável, declarando as máscaras que eu tinha que manter por conta da sociedade.

Chi não precisava interferir. Esse processo era necessário! Quem mandou ativarem o Matte?

Tive que segurar na camisa dele com as duas mãos pra não sentir ele indo embora quando eu continuasse a dizer o que precisava...

— É... é muito difícil fingir o tempo todo. Ser líder e fingir que ta tudo sobre controle. Subir no palco e fingir que não tem nenhum problema. Ter cuidado com o que falo com a minha namorada... Tem noção que eu tenho que fingir pra minha própria mãe de que o filho dela não mudou? Eu não sou o mesmo tem MUITO tempo! Daisuke Tachikawa. Eu fiz o que te avisei que iria fazer...

Ele lembrava? Da minha confissão apos contar que era o coordenador mascarado?

— Me infiltrei nos Rocket. O Matte NÃO PODE ser fraco... Eu preciso descobrir o que aconteceu com o meu pai e onde o corpo dele está. - minha respiração estava tão ofegante que não queria nem ouvir a reação dele. - É por isso que ele tava preocupado e sabia o que fazer na outra ilha. Matte não é nada novo. É a parte mais fria e egoísta da minha personalidade. O propósito dele é pensar em mim e me manter seguro, não importando os custos. Sinto muito, mas eu não consigo mais controlar os meus medos, mas o eu te faço uma promessa aqui e agora. Você nunca mais vai precisar lidar com ele, mesmo que se eu paralisar.

Eu falava sério. Matte ouvia isso e não reagia como se dissesse "drama demais, irmão". E ele tinha razão. Talvez fosse demais, mas esse descontrole era consequência de tempo demais aturando as coisas em silêncio tentando ser o líder perfeito, o amigo perfeito, o namorado perfeito, o líder perfeito... o homem perfeito. Estava cansado de ter que performar! Cansado de me forçar. Cansado.

Passar a puberdade sem meu pai com certeza afetou a forma como me relacionava com o mundo. Tinha perdido uma das melhores pessoas da minha vida de uma forma "misteriosa". Cresci com a ternura de minha mãe, mas sem conseguir me apegar a outras pessoas, porque sentia que em algum momento eles poderiam sumir. Assim como também aconteceu com o Horsea na juventude. Então, quando comecei a ter amizades verdadeiras, tentei sempre ser o melhor amigo possível, guardando muita mágoa e angústia no meu coração, pois mesmo que algumas situações me ferissem, eu não queria dizer que isso afetasse ninguém. E provavelmente ainda tinha muita coisa dentro de mim que poderia se fragmentar com mais traumas.

Nunca pensei, por um segundo se quer, que minha vida não valesse o risco, diferente de Daisuke que desistia fácil da dele como mostrou instantes antes, quase implorando para que Lugia o esmagasse pela arrogância. Mas naquele momento, depois de expor tanta dor e muitos dos meus anseios, eu não quis sentir mais nada. No abraço dele eu só queria desaparecer. Como se fosse mágica, sabe? Mesmo que por alguns minutos, deixar de sentir tanta dor. Tanto medo. tanta mágoa...

Me questionava se tinha sido o melhor abrir o meu coração e me mostrar vulnerável daquela forma naquele contexto. No entanto, Daisuke não me largou enquanto eu não me acalmasse. Ele não me afastou e foi embora ou desistia de mim depois de ver e saber o meu pior. Que Matte não era uma figura fantástica que me possuía. Que aquele turbilhão de emoções eram meus em contra-partes coexistindo num mesmo corpo.

Depois de esfriar meu corpo e secar minhas lágrimas, assenti ouvindo as palavras dele, ainda cabisbaixo e com a cabeça encostada no peito dele. Procurava respirar fundo e encontrar o meu centro. Ter controle sobre minhas emoções e não deixar que o exterior influenciasse internamente, mesmo em situações de perigo extremo.

MATTE
"Não estou de acordo" - ele se manifestava, sabendo das minhas limitações.

"Não tenho escolha. Fiz uma promessa então dessa vez seremos Matsuke, mesmo que isso signifique o pior" - respondi.

Então, com Porygon nos envolvendo em sua camada psicodélica, pulamos no abismo acreditando que seria uma jornada fácil até o final da caverna. Que inocência. Só senti os ventos fortes irrompendo os poderes do Pokémon digital. Em reflexo, só tinha um Pokémon a quem eu confiava plenamente pra me tirar daquela enrascada e ele não tinha um par de asas. Ao invés disso, minhas mãos tocaram a esfera de um crocodilo azulado de espinhos vermelhos com cicatrizes de garras nas costas e uma presa tão monstruosa quanto poderosa! Montava no Feraligatr e me preparava para o impacto que foi quase imediato! Foi o tempo de liberar meu amigão e me agarrar a ele que afundamos nas águas daquele novo lugar.

Minhas forças? Já não existiam mais. Se Fera não tivesse me segurado eu teria sido levado pela correnteza que insistia em nos puxar logo após a queda. Ao emergir, meus olhos cansados miravam mais redemoinhos logo a frente. Em algum lugar ouvia Daisuke gritando meu nome, mas não tinha tempo de responder. Ao invés disso tive de me esforçar para alguma coisa sair de minha garganta e se fazer ouvir para o Aquático que me carregava.

— Controle os redemoinhos com Whirpool por favor - consegui dizer.

Me segurava o mais firme possível, pois sabia que aquilo seria complicado, mas esperava que desta vez ele conseguisse superar o poder da natureza e não me deixar ser levado pelas correntes.

Foi bem ruim sentir o que senti, mas depois de ver como estava Daisuke, não tive nem coragem de fazer drama ou reclamar. Aquele braço realmente daria problema. E falando em problema... uma figura humana (?) surgia. Não sabia se tinha medo ou se estava indiferente, mas como não apresentou ameaça só continuaria de olho.

— Eros, pode me ajudar, por favor?

O pokémon me olhou confuso procurando saber o que eu queria até ouvir os gemidos de dor. Ele então compreendeu que eu precisava da ternura do seu toque. Que manipulasse as sensações de Daisuke pra amenizar todo aquele sofrimento. Quando ele parou de se mexer da maneira que fazia, apertei o nariz dele até que desmaiasse. Pelo menos pra não sentir dor com consciência por uns minutos.

— Ah—hm.. Olá senhor Calgara, sou Matthew, da cidade do Goldenrod, e esse é meu amigo Daisuke. Desculpe ser indelicado, mas o senhor ta vivo? O que aconteceu? O que faz aqui? Aliás, pode me dizer que lugar é esse?

Enquanto esperava ele responder, procurava limpar a área aberto com os equipamentos do kit de primeiros socorros pra retardar a infecção. Continuar ali foi uma péssima ideia. Não estávamos com corpo e espírito para isso. Agora era tarde e já estávamos ali.