Ato 06 — Flashes.

O solo mudava gradativamente: conforme calcorreavam mais próximo do soído de águas correntes advindos da queda d’água, o chão ficava mais lamacento, quiçá pelas enchentes de tempestades como aquela que vivenciaram outrora, responsável por levar até os mesmos o peixe rubro que agora já estava em seu estágio definitivo. Alguns rastros de comida jaziam esparsos pelo terreno, aumentando aquela expectativa ruim sobre os quitutes que a kalosiana carregara consigo — oh, agora que teria que refazer tudo se quisesse fazer a sua sessão pipoca em Rinshin.

As pegadas pareciam ser familiares, fazendo-os pensar de que seriam monstrinhos que já carregassem; ainda não conseguiam se focar nessa por completo, reduzindo-se apenas a seguir os rastros deixados pelos infratores selvagens.

Chegaram, por fim, até o último local em que aquela trilha os deixara: a própria cachoeira. Ergueram a sobrancelha e franziram o cenho diante do obstáculo natural à sua frente; ou o responsável era um bom escalador e não deixou mais pista alguma acerca de sua localização ou tinha alguma coisa por detrás da queda d’água, como uma caverna, por exemplo. Mas por diabos, as coisas começavam a ficar cada vez mais excêntricas naquele local.

— Olha, se for pra ter que entrar em alguma coisa atrás da cachoeira, eu não vou não. Meu cabelo tá um fiapo, o meu vestido tá todo encharcado, corre o risco de eu ficar gripada e isso cola no meu corpo! Arceus me livre de mais água! — protestou de imediato Emma, cruzando os braços e volvendo um bico não tão grande ao louro. — Começa entrando você lá, aí se conseguir, o Xatu me teleporta pra dentro e de lá a gente vai. Pode ser?

— E por que eu tenho que ir sozinho? Pra todo lugar que eu vou, tô tomando um banho além daquele que eu tomo no banheiro. É muita sacanagem, não? — relutou o kantoniano.

— E você vai me deixar toda desconfortável, Tommy Shelby? Vai, faz essa pro nenémzinho aqui, por favor. Eu juro que te recompenso: te dou o banho que você merece.

Claro que com aquele gracejo acompanhado de um teor mais erótico, a kalosiana sorria com o canto dos lábios para o louro. Não sabendo se era aquilo real ou apenas mais uma enrolação, em que partira do pressuposto que Nicholas era movido aos desejos carnais, o treinador apenas suspirou: e era mais um banho que teria de tomar em suas cruzadas, seja em Kanto, seja em Hoenn. Tornou na direção da queda d’água, desgostoso.

Antes de simplesmente entrar com tudo, os olhos cerúleos, sempre tão tenazes, buscavam minuciosamente qualquer outro lugar que pudesse adentrar, além da cachoeira; e é óbvio que se não houvesse nenhuma pista ou mesmo caverna, passaria por debaixo da queda d’água, rapidamente procurando constatação de que era seguro prosseguir adiante.

Sendo um sucesso, um assobio não tão alto para que Xatu e Emma o seguissem a partir dali.

Um abrigo por detrás de uma cachoeira: um bom covil, mas ao mesmo tempo de difícil acesso, ideal para se fugir de predadores ou algo do tipo. O que é que tinha por ali, afinal?

Ah, graças ao bom Arceus. Imagina se enfiar em uma cachoeira para acessar uma caverna escondida mesmo depois de o mundo cair sobre sua cabeça, deixá-lo como um Growlithe molhado e, para piorar, nem um guarda-chuva te ajudar — a chuva era de vento, logo, não tinha o que fazer. O louro precisou apenas ter um olhar mais minucioso para perceber uma fratura maior onde as rochas se recuavam, mais ao lado da queda d’água, e apenas alguns respingos pendiam das pedras, caindo, leves e suaves no trio.

Adentraram, sem muitas delongas, aquela gruta. A princípio, não havia nada demais na travessia: apenas um caminho fechado com o som das águas correntes do lado externo que, gradativamente, diminuíam o seu volume — afastavam-se da fonte sonora. Apesar da iluminação ser escassa, conseguiam enxergar tanto uns aos outros quanto qualquer obstáculo que aparecesse diante de suas vistas — até então, não haviam visto nenhum.

— Isso me lembra muito quando eu joguei Skyrim e tinha umas cavernas espalhadas pelo mapa que dava pra lootear, enfrentar uns trolls, era muito da hora — sussurrou o kantoniano, comentando acerca de suas aventuras virtuais em um jogo que o autor que vos fala tem um carinho enorme.

— Olha, não entendi metade do que você disse, eu não manjo de quase nada de videogame, mas ok — murmurou então Emma, em meio a risos mansos acerca do comentário feito por Nicholas. — No máximo eu jogava aqueles joguinhos de luta, só que eu não sei o nome. Não era uma viciada igual a você que tem até recorde em fliperama.

— Uma hora que você não estiver fazendo nada, certeza que vai bisbilhotar alguma coisa minha e vai acabar jogando e gostando também. Certeza.

Mesmo com a iluminação escassa, conseguiram distinguir algumas silhuetas não muito depois daquela conversa descontraída justo na entrada; ao total, eram cinco. Como a luz não penetrava naquele âmbito, era difícil dizer se estavam dormindo, observando-os desde que adentraram a gruta. Por via das dúvidas, Nicholas cutucou Xatu, colocando-se à frente das criaturas junto com sua ave psíquica; as mãos no bolso e pálpebras semicerradas indicavam sua austeridade, os orbes anis sempre bailando entre os cinco monstrinhos.

— Certo, quem foi de vocês que pegou a comida? É melhor ir devolvendo logo — exprimiu, o tom sempre calmo, apesar de, vez ou outra, parecer intimidador.

A aproximação não era das mais amigáveis. Entretanto, o kantoniano não via porque estender todo um diálogo para recuperar os quitutes que fora levado por Emma. Por falar nela, também não hesitaria em ajudar caso um embate se desenhasse; depois da apresentação de Nicholas, calcorreou até o seu lado, com seu olhar de juíza se estendendo por aqueles cinco. Mesmo com uns restos de comida esparsos na entrada da gruta, ainda acreditava que poderia recuperar algumas ínfimas bolachinhas que seja.

O que será que viria a seguir, huh?

Era... engraçado. Acredito que não exista uma palavra melhor para definir aquela situação tão díspar, em que o chefe de uma quadrilha responsável por pequenos furtos — especialmente de comida — mandava os demais tomarem a frente de um iminente combate, revelando-se aqueles guaxinins tão corriqueiros aos treinadores, em um total de quatro exemplares. Foi como se toda aquela raiva acumulada outrora pela loura se esvaísse ao ver Makuhita com molho no canto da boca tentando intimidar o psíquico, que não dava a mínima.

— Que coisa mais estranha — Emma ria, sendo necessário suspirar um pouco para não perder a compostura. — Ele lembra muito do Majin Buu, você que é nerd sabe de qual desenho é. Vou te comer, vou te comer — seguia mais algumas gargalhadas depois de repetir a icônica frase do personagem animado, cantarolando-a. Respirou, com a postura, enfim, tesa.

Nem mesmo Nicholas conseguiu se conter depois daquela comparação. Os orbes cerúleos repousaram sobre a figura do lutador hoenniano, deixando os lábios se abrir em um riso um pouco mais contido em relação à kalosiana ao seu lado. Levou a mão destra até a sua testa, jogando para trás a desgrenhada franja para que não gargalhasse desenfreadamente. Suspirou.

— Não precisa ficar bravo, Makuhita. O Buu é um dos personagens mais fortes do desenho, é só que você lembra muito ele — tentou explicar o louro, balançando a cabeça em negativo após recompor-se. — Emma, consegue me dar uma mão? Por mais que eu acho que o Xatu dê conta deles, não é bom a gente perder tanto tempo aqui. Xatu, Psychic no Makuhita em dose dupla. Pode trocar o alvo pra qualquer um dos Zigzagoons caso ele caia antes — ordenou sem cerimônias à ave feérica.

Após assentir, agora com fronte sisuda, a loura materializou sua Jigglypuff para o campo. O balão róseo poderia, enfim, ter algum combate desde os eventos fatídicos próximos à cidade de Littleroot, não muito tempo antes dos dias atuais.

— Jiggly, use dois Disarming Voice!

Makuhita não parecia ter recebido bem a atribuição ao personagem do desenho, ordenando aos guaxinins que seguissem a ofensiva. Mesmo que o louro tentou amenizar a situação — ainda que fosse realidade, ora, o monstrinho róseo e rechonchudo era deveras poderoso —, o lutador deixou as veias saltarem em cólera. E o clima melindroso que já estava desenhado desde outrora, assim que viram os culpados pelo furto, apenas se confirmou.

Depois da primeira troca de golpes, graças a um movimento ímpar que Xatu não pôde levar mais um Zigzagoon. De qualquer modo, o balão e a ave sair-se-iam muito bem, dado o nivelamento claramente acima de Xatu.

De todo o modo, ainda faltava os comandos a seguir dos treinadores para acabar com aquela situação, huh?

— Vamos tentar acabar logo com isso, Xatu. Gostei do Makuhita, acho que vou levar ele comigo — comentou, quiçá até mesmo pensou alto. — Psychic. Escolhe qualquer um deles, e depois em outro.

— Vamos continuar com mais dois Disarming Voice, Jiggly. Tá quase acabando, força, meu amor — pediu a kalosiana, preocupada com a sequências de investidas que seu monstrinho recebera dos adversários.

Conforme Xatu atingia um por um com suas ondas de choques paranormais evocadas com seus poderes telecinéticos, o balão feérico entoava a sua canção que atordoava, mesmo que pouco, aqueles monstrinhos e esvaía suas vitalidades. A luta era garantida pelo nível da ave e pela força de seus ataques, crucial para garantir a vitória mesmo contra um número exacerbado de monstrinhos selvagens — eram bem mais poderosos comparados aos Magikarps que enfrentaram durante a tempestade de outrora.

Os guaxinins restantes estavam prestes a caírem, e não parecia ser necessário mais tanto esforço da dupla de treinadores para derrubá-los enfim, huh? O caminho, pouco a pouco, estava cada vez mais livre para que o kantoniano levasse o lutador comilão consigo, dono de força e ataques ímpares que poderiam ser úteis se bem usados na mão de Nico.

Restaria apenas a ele a adequá-lo às suas estratégias, e isto é, se Makuhita decidisse seguir com ele e aceitar suas ordens, não?

— Escolha um deles e finalize com Psychic — pediu o louro, com poucas palavras, já sentindo a palatável vitória e a possibilidade de levar mais um monstrinho poderoso consigo.

— Mire no outro e use o Round, Jiggly! — era a vez de Emma, sempre mais enérgica, dar os derradeiros comandos à sua fada e torcer para que o combate finalizasse o quanto antes.