[Villain] – Lilycove City –

A parte boa de tudo aquilo, se tivessse de assim dizer, era justamente que a escuridão derivada do black out da cidade não só era confortável, mas também era uma parceira praticamente perfeita para o trabalho que tinha de realizar naquela noite já naturalmente mal iluminada. Ora, na falta de um lugar isolado e um disfarce mais apropriado para se trabalhar, o melhor que tinha e podia fazer era se virar como podia com os recursos que detinha em mãos, não é verdade?

Com certa atenção, os orbes acinzentados percorriam as imagens escuras dos veículos que se dirigiam ao armazém num projeto de fila indiana distorcida - apesar de demorar alguns segundos, em pouco tempo se deu conta de que a coloração dos automóveis batia perfeitamente com aquela que agarrava-se ao depósito ou, pelo menos, eram o que as lembranças lhe diziam. A treinadora questionou-se se aquelas seriam cargas da organização criminosa, em plena luz do dia (noite?), com os cidadãos completamente alheios àquilo que se movimentava bem debaixo do seu nariz.

Mas, sim, outro problema - ou não exatamente problema - que a atenção captou se tratou do pequeno grupo que observava o desfile de caminhões, com mochilas tão enormes que apostaria com facilidade que serviriam para algum tipo de acampamento distante no, sei lá, deserto. Os passos frearam por alguns segundos consideráveis, o canto dos lábios se torcendo por detrás da máscara (oh, felizmente poderia explicar seu uso com algum tipo de doença. Não diziam que o Pokevírus estava espreitando por aí?) - talvez, só talvez, poderia estar um pouco... Consciente demais sobre os arredores e aquela rodinha podia significar absolutamente coisa nenhuma, mas...

...E se?

Baixando um pouco a cabeça e mantendo o foco no concreto, optou por seguir seu caminho e atravessar ao lado dos benditos;; Talvez seria a maneira mais discreta de tentar pescar alguma informação sem que precisasse parar e ficar encarando-os pro sabe-se lá quanto tempo, sem nem possuir garantia de que estaria em alguma pista certa. Claro, também não tinha como garantir que eles dariam com a língua nos dentes ao cruzá-los, se planejassem alguma coisa...

Mas talvez aquela fosse sua melhor aposta.

Pois sim: Infeliz ou felizmente, pelo menos ao que podia perceber durante sua breve observação ao grupo que se "acanhava" pelas sombras do caminho traçado pelos caminhões, hah, não seria muito bem sucedida em, como dizer, arrancar informações sem que se demorasse mais do que o necessário por aquele lugar e, sinceramente, quando se deu conta de que o olhar cruzou com o dos outros, apostou qualquer coisa que muito provavelmente ia precisar de uma abordagem um tanto quanto mais direta caso não quisesse simplesmente perder tempo e, particularmente, não tinha certeza se tinha vontade de fazê-lo por uma pista que facilmente poderia ser falsa.

Parecia que era? Talvez não. Mas, hah, o que poderia fazer? Prensar todos no meio da rua, jogar na parede, chamar de lagartixa e arrancar informações que sequer tinha consciência se existiam ou não?
...Cá entre nós, até que era uma ideia tentadora - mas sabe como é, não tinha vontade de tentar fazê-lo tão em público como atualmente o era.

Mesmo quando se viu percebida, naquele momento, não se moveu. Os orbes acinzentados permaneceram observando os meninos, insistentes, como se nada fosse além de uma passante cuja curiosidade despertara ao enxergá-los no meio da rua - sim, afinal, imaginou que simplesmente ir embora instantaneamente traria bem mais suspeitas que simplesmente insistir mesmo ao ser pega no flagra e, por isso, não hesitou ao fazê-lo. Encarou sem pressa, tensão ou curiosidade - claro que ignorou o arrepio inquieto na linha da coluna para tal mas, hah, se já estava na chuva...

...Enfim. Um, dois, três - premiou-se com momentos silenciosos de tranquilidade antes que, enfim, desse as costas e seguisse seu caminho, como se o tédio a houvesse abatido no meio da situação: Claro que não se fosse interrompida ou algo do tipo no meio do caminho mas, julgando que não, então retomaria seu caminho na direção do cais.

Era difícil dizer se seu projeto de tentativa de fazer a sonsa e bancar inocente havia sido muito bem sucedida, principalmente sem olhar para trás e conferir como estavam os rapazes mas, bem, sem nenhuma opção extra ou viável na manga, a moça se limitou à torcer e esperar pelo melhor, uma das mãos se agarrando com discrição à alça da mochila em uma tentativa silenciosa de manter a tranquilidade pela aparência e a outra largada na lateral do corpo, despreocupada, inerte. Tudo que podia esperar era que não tivesse de lidar com nenhum dos três vindo tirar satisfação e atrasando todo o seu planejamento à toa.

Seguiu, então, mais uma vez na direção do Cais que havia visitado mais cedo - agora naturalmente menos movimentado, a respiração ia e vinha com suavidade enquanto os orbes acinzentados varriam o perímetro, analisando a demora de revista nos caminhões e segurança (ou falta de) que ficava ao redor do terreno. Os ponteiros corriam, e assim a ruiva também decidiu fazê-lo, dando uma última olhada nos muros altos antes de se volver na direção do mar e permitir que os passos fizessem deslizar seu caminho descendo até a parte mais baixa da cidade.

Óbvio, tinha consciência de que teria de ver se existia algum tipo de vigilância ou algo parecido no meio do trajeto, principalmente que era difícil de acreditar que simplesmente estariam no mar aberto sem quaisquer proteções contra possíveis invasões, mas... Quem sabe? Talvez pudesse esperar pelo melhor uma vez na vida, pra variar!

Havia uma janela, era o que havia percebido em sua corrida/caminhada ao longo do terreno murado, e isso era tudo que precisava - principalmente quando já havia descartado a possibilidade de tentar se esgueirar pelo escuro entre os caminhões, afinal, ousar aquele tipo de "atalho" a deixaria com praticamente nenhum espaço seguro para tentar escapar caso alguma coisa desse errado o que, bem, já não acontecia quando se levasse em consideração a "estrada" que o mar proporcionava para si.

Assim que alcançou a praça arborizada (engraçado, considerando que a maré era sua vizinha), a primeira coisa que fez foi derrapar o mais próximo possível das águas, evitando dar de cara com qualquer criatura má ou bem intencionada que pudesse acabar encontrando pelo caminho. Certificou-se de estar só ao olhar de um lado para o outro, os orbes acinzentados se adaptando gradualmente ao ambiente mal iluminado; Então, quase que imediatamente a ruiva lançou a mochila pra frente do corpo, largando-a no chão e se apressando em tirar as roupas que cobriam a vestimenta de neoprene. Apressada, enfiou-as de qualquer jeito no interior do acessório, puxando um saco impermeável dobrado dali de dentro que serviu para guardar a própria bolsa, afinal, não seria lá muito agradável ensopar todos os seus pertences em uma missão tão singela quanto aquela.

Puxando o capuz da jaqueta por cima dos cabelos e o endireitando, fez questão de se certificar se a máscara de neoprene estava bem fixa ao rosto; Um último suspiro e, então, a ruiva escorregou para as águas, estremecendo quando a umidade afagou-lhe os dedos e envolveu-lhe o corpo em um abraço silencioso, sem indicação alguma se para o bem ou mal. Por fim, retirou sua esfera da bolsa, liberando a serpente aquática companheira por debaixo d'água para evitar o máximo de barulho possível e, logo após, guardou o objeto dentro do saco, colocando suas alças sobre os próprios ombros.

— Shh, Ariel... — Pediu, afagando com delicadeza as escamas azuladas do voador ao que sua massa bestial tomou espaço entre a correnteza. — Preciso de você. E precisamos ir em silêncio. — Disse, em baixo tom, aproximando o rosto da bochecha do animal e aspirando seu odor salitre. — Mas, também temos que ir rápido. — Acrescentou, encarando o caminho que guiava ao interior dos muros que separavam o armazém do exterior. — ...Conto contigo. — Sussurrou, os orbes cinzentos encontrando as íris incisivas e quentes do imponente animal. Uma rajada de ar quente cumprimentou-lhe o rosto, serena, antes que a atenção do monstro marinho se voltasse à frente, os dedos da moça se apoiando com firmeza nas escamas rígidas do carrancudo dragão azulado.

Na falta de um ser superior para atender-lhe as preces, restou-lhe a confiança quase invasiva em seu belíssimo parceiro de mergulho.
E não poderia pedir por nada melhor.

Não era fácil ter de lidar com um projeto de "bomba-relógio" - ora, a partir do momento que tinha um horário específico para estar ali e resolver os problemas passados para si pela Equipe Rocket, digamos que não era muito agradável para si a ideia de ter que tentar se esgueirar em cima da hora, rodeada por sabe-se lá quantas pessoas e com o risco de acabar encarcerada no menor passo em falso que ousasse estender no terreno do cais. Aqui, chega ao ponto de que é válido dizer que sua maior vantagem era a presença de Ariel, que lhe guiava pelas águas em segurança e velocidade (quer dizer, não era novidade para ninguém que não seria capaz de alcançar o lugar à tempo se precisasse fazer todo aquele contorno sem a ajuda de seus pokémons).

E então, a necessidade de uma nova decisão: Ir direto ao ponto e arriscar tudo já feito até ali ou tentar dar a volta para que pudesse se esgueirar com mais tranquilidade. Ora, não era preciso pensar muito para tomar uma decisão, considerando que não existia nada ao redor que pudesse lhe conceder o mínimo de cobertura: Baixo e sem pressa, pediu para que sua serpente seguisse em frente, mais próximo aos containers que ficavam aos arredores daquele galpão. Precisava encontrar um lugar para subir (ou, sinceramente, no pior dos casos, podia simplesmente pedir para que a serpente levantasse a cabeça e lhe desse um "empurrãozinho" no meio de uma ou outra caixa de metal.

A atenção, porém, mantinha-se no movimento de vai e vem dos homens que entravam e saíam daquele lugar - uma gangue não teria tanta gente assim para aquele tipo de operação, então era seguro tentar acreditar que seus "malfeitores" estavam tão atrasados quanto ela própria.

...Né?