[Villain] – Lilycove City –

Ainda que quisesse, seria incapaz de julgar o temor e nervosismo que provavelmente pulsavam pelas veias da moça sequestrada - ora, tudo bem que não era nenhuma situação drástica que envolvia seres superiores e vida ou morte (tecnicamente) mas, hah, para alguém que supostamente leva uma vida normal, seria difícil julgar a resistência inicial de aproximação levando em consideração as circunstâncias nas quais há pouco estava intrometida.

— ...Relaxa. Mas, se você der com a língua nos dentes, não serei eu quem irá atrás de você, pode ter certeza disso. — Comentou, um dar de ombros singelo - bem, em realidade, não tinha a menor consciência de se ou não pretenderiam procurá-la caso alguma coisa desse errado mas, é, esse era o tipo de situação que precisava deixar a ameaça implícita, ou a coisa poderia acabar mais feia do que o previsto inicialmente. — Só fique quieta e vamos sair daqui o mais rápido possível. — Acrescentou, subindo na mobilete e guiando a moça para que fizesse o mesmo.

Naquele momento, os dedos se retesaram e pressionaram a guia do ciclomotor, a respiração indo e vindo em inquietação quando a voz "desconhecida" novamente vibrou em sua consciência - ponderou ignorá-las mas, julgando suas palavras, optou por manter a guarda erguida e a atenção aos arredores. Claro que até agora havia dado tudo certo, mas a qualquer momento as coisas poderiam desandar e, bem, não queria ser simplesmente pega de surpresa no meio de um projeto de labirinto verdejante, né?

É.

Admitia: Era com certa estranheza que a moça se dava conta da névoa traiçoeira que escorria pelas folhagens do matagal e se apossava não só da estrada de terra batida, como de todo o ambiente que as envolvia. Os dedos se apertavam entre si, discretos, suaves, esmagando a guia da mobilete, os orbes acinzentados passeando de um lado à outro enquanto processava o caminho pelo qual ia - a voz na consciência, porém, alertava-a com certa estranheza sobre a trilha que tomava e, ainda que não tivesse certeza de que não era apenas uma alucinação, a ruiva não deixou em momento algum de considerar tal informação como verdadeira: Afinal, ela própria não era capaz de distinguir nada de esquisito num lugar que só tinha mato e terra e, se uma pequena porcentagem sua, ainda que paranoica, resolvesse que deveria tomar cuidado...

Não seria ela quem iria discutir, sabe?

— ...Mas que... — Veio o murmúrio imediato, alerta, assim que as palavras cantadas ecoaram nas vísceras verdejantes do território afastado. A coluna se esticou um pouco mais, as pupilas rasgando as folhagens como uma serra violenta, os músculos retesando-se diante de tão antiga, tão familiar cantiga. Ainda que não soubesse ao certo dizer o por quê, o tremular pulsou inevitável por seus membros e veias, os ombros encolhendo e o ciclomotor estancando no meio do tempo, a respiração falhando por um breve momento. — ...Fique quieta. — Alertou, olhando de um lado para o outro em busca de seja lá o que se escondia naquela imensidão natural. Sem parar pra pensar duas vezes, a moça retirou uma de suas esferas da mochila, arremessando-a em frente à trilha, observando com certa impaciência a maneira com a qual a ofuscante luz esbranquiçada moldava a imagem de um de seus pokémons.

— Lawrence, — Chamou, encarando seu relaxado Lucario. — ...Onde estão? Encontre. — Pediu. Ora, o animal era o responsável por detectar auras alheias - então, que maneira melhor de fazer alguma coisa além de simplesmente deixar em seus braços? E muito provavelmente seria mais seguro, também, huh?

Óbvio, a surpresa veio num golpe inevitável quando, ao arremessar (ou, ao menos, pensar fazê-lo) seu paciente canídeo tricolor em campo, aquilo que surgiu foi nada mais, nada menos, que o petulante sarcófago que trazia consigo desde a viagem às entranhas de Meteor Falls - e mais além, de certa forma. O cenho se franziu, discreto, o olhar escapando na direção da esfera lançada enquanto ponderava se estava lesada o suficiente para trocar até mesmo a ordem de suas pokéballs; Independente disso, porém, seu plano era simplesmente retornar o fantasma e permitir que sua verdadeira intenção dominasse o campo.

Quer dizer, pelo menos era isso que faria, não fosse a percepção de que a voz de sua "consciência" agora tinha forma, rosto e manobra. E não para menos lhe parecia tão familiar: Ora, aquele maldito timbre vinha justamente do poderosíssimo homem por si derrotado, vilão sanguinário responsável por habitar a máscara e, agora, a tumba possuída que domava-lhe mente e, aparentemente, atitudes, expondo-se sem que a permissão lhe fosse dada e roubando a cena de uma maneira que, não fosse um tanto quanto perturbadora, certamente se imporia como patética.

— ... ... ...Essa voz é sua? — Foi a única coisa que conseguiu dizer, as sobrancelhas erguidas em espanto silencioso. Não estava em surto, porém: Já havia visto, ouvido e sofrido coisas o suficiente para ficar em eterno abismo por conta de umas palavras trocadas com um de seus pokémons - principalmente levando em consideração que tinha acabado de conhecer uma Banette falante-cantora. Pera lá, né? — ...Só pode ser palhaçada. — Murmurou, um riso oco escapando enquanto olhava de um lado para o outro. — Bem, se você souber o que diabos é isso, já está ótimo. Onde eles estão? — Questionou, apertando com discrição os dedos na guia da mobilete.

Delírio esquizofrênico por delírio esquizofrênico...
Nada novo sob o sol, né?

— Talvez eu esteja. Talvez eu esteja louca. Vai saber. — Retrucou, um riso abafado escapando da garganta enquanto balançava a cabeça, rápida, tentando espantar os pensamentos que a corroíam aos poucos. Ora, se não estava sonhando, seria aquela mais uma das tantas experiências amaldiçoadas de realidades paralelas que constantemente acabava em? — Era só o que faltava, justamente quando ia poder relaxar um pouco... — Murmurou, apertando as pálpebras por um instante e respirando profundamente, retirando outra de suas esferas: Não em busca de Lucario dessa vez, oh, não, mas sim de sua dócil Venusaur - afinal, se queria companhia, nada melhor que a espécime que trazia consigo desde o início de toda aquela jornada que, querendo ou não, testemunhara uma parte massiva de todas as situações malditas e sombrias nas quais acabava aprisionada.

— ...Que diabos de lugar é esse? — Perguntou, sem saber ao certo se esperava alguma resposta. Mesmo que sim, por algum acaso a teria de seus pokémons? Não acreditava nessa probabilidade, não tinha fé que em algum momento ela poderia se provar real. A cabeça virou um pouco de lado, em busca da presença da moça que havia sido salva por si há pouco tempo - ela ainda estaria ali, ou teria sido tragada sozinha para aquele projeto de buraco de minhoca? — ...Espero que não seja mais uma das patifarias de Arceus. — Sussurrou ao vento, um encolher discreto de ombros enquanto saltava da mobilete; Por algum motivo, não acreditava mais que precisaria dela, não naquele instante, não naquele lugar.

— ...Mas, por mais estranho que possa parecer, não me parece ser.

Assim que abandonou seu "porto-seguro" e os pés afundaram no macio projeto de lama movediça que agora aparentemente dominava todo o terreno, soube: De alguma maneira, mais uma vez havia atraído uma das tantas dimensões que costumavam cercar e sequestrar-lhe de seu universo comum, distante da teia de realidade que a assegurava estar tudo bem - quer dizer, pelo menos, tão bem quanto era possível no caótico domínio de Arceus. Temor era um sentimento amigo e de casa, que pulsava por seu peito e escorria pela coluna enquanto dedos invisíveis pareciam agarrar-se em cada centímetro de seus membros, aprisionando, puxando, tomando.

"For you, your families will grieve."

— ...Fique próximo, Navi. — Ordenou, ríspida, engolindo em seco ao dar-se conta de que sua única companhia naquele ambiente amaldiçoado seria o bendito sarcófago de sórdidas intenções. Era incapaz, pelo menos momentaneamente, de desvendar a chave que a arrastara até ali, que a forçava a ficar; Bem, sequer tinha como ter certeza de que algum dia a alcançaria, em realidade. — Você vai saber se precisar agir. — Impotência era o sentimento que mais forte se agarrava aos seus músculos, órgãos, veias - arrastada para baixo, centímetro pós centímetro, abandonada à um Limbo solitário, perdida em um matagal verdejante acometido pela névoa.

A respiração, quando o chão já engolia-lhe o maxilar, se prendeu; Os orbes acinzentados passearam pelo firmamento onde há pouco o céu repousava, as pálpebras resignando-se em cerrar antes que o sufocar do terreno a engolisse com violência passiva, os ombros relaxando ao se dar conta de que de nada adiantaria lutar para escapar dali, por algum motivo - ora, havia tentado, afinal. Não se afunda sem que se tente nadar e, principalmente, não se desiste sem que se perceba que é um esforço vão.

Então, entregou-se. Se deixou consumir pela lama, o ferro, o sangue - confiou que, de alguma maneira, aquela seria sua saída mais fácil e, caso não, talvez enfim poderia ter um pouco de tranquilidade para a alma há anos atormentada.

Ah, diga, celeste: Se partisse, teria consigo algum arrependimento? Além dos tantos fantasmas que se acorrentavam em seu corpo, às suas memórias, traria na bagagem de seus anos sórdidos o terror de uma pendência que não só lhe assombrava, mas que também sequer havia tido a oportunidade de enfrentar outra vez?

O ar escapou-lhe dos pulmões quando, em cheio, a consciência sussurrou-lhe um nome familiar, próximo, cuja resposta jamais havia tido a chance de conceder e cuja promessa de união talvez estivesse fadada à ser, mais uma vez, maculada; Questionou-se em silêncio se estaria aprisionada, se ainda seria capaz de escapar das garras férricas da terra amaldiçoada que a envolvia, do destino negro que pairava sobre seu ser e essência.

Se estivesse, restava-lhe...
...

Desculpe, Karinna.
Algumas promessas são, simplesmente, difíceis demais de se manter.