Quando um não quer, dois não brigam: E acredito que tenha sido exatamente isso que aconteceu quando, apesar das rebatidas e ressalvas tanto da loira, quanto do ruivo, o albino se manteve em silêncio quanto ao circo que havia sido armado naquela oficina. Não por
não querer discutir realmente, mas pelo fato de que fazê-lo ali e agora não levaria a lugar algum.
Acredito que o único detalhe que realmente serviu para amenizar o clima foi quando Maru semi-desceu do teto e, nesse instante de encarada de Rayd, o projeto de elfo simplesmente envesgou os olhos e largou a língua pra fora, fazendo uma careta estranhíssima e recuando o pescoço para que a pele formasse duas papadas. Não vou te dizer que a escorpião ENTENDEU BULHUFAS, porque ela ficou parada ali em uma tela azul discretíssima antes que vagarosamente voltasse à sua posição - e aí, só aí, o albino "voltou ao normal", enquanto seu lindo irmãozinho cheirava um treco que mais parecia uma amoeba meio velha.
— ...Tu tá fudido de quê? — Foi a pergunta que pulou inicialmente, a dualidade da coloração do olhar se voltando na direção do menor. Não adianta sussurrar, não, tá? Já viu o tamanho da orelha desse cara aqui?
— ...digo, além de chave de perna de Barbie. — Debochou, um sorriso sacana brincando nos lábios - uma provocação direta e sem escrúpulos, mas assim... Vocês que deram a informação, né? Ou melhor, meio que Karinna deu de maneira até que indireta, mas considerando os entre-travessão, só posso julgar que o tom deu a entender o suficiente.
...mas era uma maneira de quebrar o gelo, também, de certa forma.
Ele presta atenção até quando não precisa, né? Foda.
Enfim; Além disso, ele se manteve em (relativo) silêncio quando começou a ouvir a pequena odisseia narrada pelo irmãozinho. Meio caras e bocas, meio olhar desviando na direção do menino para se certificar que estava tudo bem, meio interceptando com
"quê?!",
"caralho, manju de boné e bermuda caqui",
"tudo isso por uma bola?" e não vou nem falar sobre a questão das bostas, mas acho que não preciso, né? Sei que cês vão entender.
Sigamos, então para o exterior novamente. Ou melhor, para o corredor. Mais precisa e especificamente, no momento exato em que nossos belíssimos protagonistas (ou uma loira ansiosa) avançaram para empurrar as portas-duplas adornadas pelo arco "entesourado" que, por infortúnio do destino e da companhia, não poderia ser devidamente saqueado.
E a primeira coisa que viram, lindo, enorme e em cores, finalmente apresentando-se visualmente à Daisuke...
Cunha, o que é que você tá fazendo aqui? Você não tá olhando esse parágrafo direto só pra ver o que é que tá rolando, né? Você não tá aqui PEGANDO SPOILER, né? Espero que não. Espero que você esteja aqui por ter lido DESDE O COMEÇO, Cunha. Você sabe que eu vou te sentar a porrada se não for isso que aconteceu, né? Espero que você saiba que eu vou ficar muito triste se estiver pulando toda a minha narração DE NOVO, Cunha. ESPERO QUE VOCÊ ESTEJA CIENTE, CUNHA.
...De qualquer jeito...
Apesar de adorar a ideia de trazer de volta à vida esse belíssimo e gigantesco ser, não foi isso que aconteceu. A imagem do causador de tudo isso estava meramente estampada em uma maravilhosa tapeçaria, com riqueza de detalhes, que se erguia de teto-ao-chão no fim do salão-médio que se revelava atrás do portão. Teto altíssimo, aliás, que somente poderia ser tocado com o auxílio de pokémons voadores - o que não era o caso ou interesse nesse momento, eu imagino.
Longos bancos de madeira se espalhavam pelo ambiente, todos direcionados para o altar cuidadosamente montado alguns degraus acima do chão, o que denunciava que a ideia de "igreja" mencionada por Bley talvez estivesse certa. Coberta por um maravilhoso e macio tecido roxo-escuro, a mesa central carregava dois castiçais triplos, um em cada ponta, um grosso livro (era o que parecia, pelo menos) aberto próximo à uma...
...esfera maciça.
Dois pilares, um em cada canto do cômodo, também se erguiam naquele ambiente, tão altos quanto o próprio salão. Suas extensões eram engravadas por símbolos anômalos, de aspecto antigo, do tipo que se bate o olho e imagina que tenham se originado há séculos atrás. Suas pontas triangulares malmente distanciavam-se do teto, ameaçando acariciar-lhe a qualquer momento e, ao mesmo tempo, eternamente separadas - tal qual amantes incapazes de se tocar.
A parte importante, porém, imagino que sejam as
presenças que ali também estavam. Junto ao altar, primeiramente era um Hypno que se acomodava sentadinho nos degraus que subiam o nível do chão - e o narigudo voltou a atenção para a porta quando apercebeu-se dos convidados, a cabeça pendendo discretamente para o lado e a expressão sonolenta beirando indiferença.
Próximo à esfera, um Mega Alakazam. Este psíquico em específico sequer reconheceu a existência de nossos invasores, o olhar fixo na esfera sobre a mesa. As inúmeras colheres da espécie se apoiavam contra a superfície da orbe maciça, uma aura rósea emanando dos talheres e pulsando com delicadeza sobre o material metálico que, em resposta, interagia com vibrações quase impossíveis de se observar a olho nu.
Por fim, existia também
alguém. Próximo ao segundo pokémon, a mão espalmada sobre uma das páginas do livro e um delicado robe cinza-escuro de detalhes pretos, linhas e losangos que se espalhavam no tecido em um padrão agradável aos olhos. Longos cabelos negros deslizavam em uma trança bem feita, amarrada na ponta por um tímido laço lilás.
— ...hm? — O olhar subiu, tão escuro quanto as próprias madeixas.
— ...Oh. — A mulher, então, sorriu. Um sorriso suave, relaxado - tão jovial quanto ela própria o era.
— ...Então são vocês os visitantes que ouvi falar? — ...visitantes. Dito de forma tão displicente, como se fosse ignorante de toda a situação na qual o casal havia sido recebido - e, considerando as circunstâncias, tenho lá minhas dúvidas de que realmente o era.
...O que me fez ter certeza, porém, foi a reação de Elfman.
— ... ... ...FILHA DA PUTA! — Ele finalmente avivou-se, o corpo agindo com a velocidade e o vigor que não tinha tido até então. Com uma descarga de adrenalina, largou-se do corpo de Fernandez, as pernas se movendo com brutalidade quando disparou pelo tapete estendido na direção do altar. Era até um pouco assustador se for levar em conta que o rapaz malmente era capaz de se manter de pé até então - entretanto, não pôde gozar da liberdade por muito tempo. Relaxado e quietinho, um mover de pulso do pokémon amarelado (que, até então, era um simples
poodle ao pé da madame) fez com que o pêndulo entre seus dedos brincasse em um vai-e-vem lateral; Um pulso psíquico voou pelo ar, chocando-se contra o albino e imediatamente paralisando-o no lugar, como uma estátua seguindo obedientemente as regras da brincadeira da Xuxa.
Os músculos agitados relaxaram, os braços caindo em um movimento vagaroso, sonolento. A revolta dissipou-se de maneira quase cômica e o corpo girou para o lado, os passos caminhando pacientemente para um dos bancos próximos e, então, Rayd se sentou, bonitinho, apoiando as duas mãos sobre as coxas - o olhar distante, de quem não está ali. E talvez realmente não estivesse, ainda que não exatamente em questões
físicas, digamos assim.
— ...e vejo que foram metendo o bedelho onde não deviam, também. — Os ombros caíram, o sorriso desaparecendo do rosto para uma expressão um pouco mais rígida de seriedade.
— ...Ninguém ensinou pra vocês que não deveriam se intrometer no que não entendem? — Um suspiro cansado, a mão se afastando pacientemente do livro. Alakazam não pareceu se abalar - ou distrair - com aquela situação, então era algo a se... preocupar?
— Agora vou ter que pedir pra arrumarem ele de novo no lugar... — Um balanço negativo de cabeça, um riso curto e sem muito humor escapando da garganta.
— Pra que é que vocês foram se meter com ele, hein? Devem ter tido sorte que não estão mortos, à essa altura. — ...espera, calma aí, quê?
... ...que papo é esse, hein?
Não sei. Não tenho como saber, também, considerando que não tenho ninguém pra bater papo aqui, sozinha, e não tenho como saber que resposta recebi. Posso descobrir depois, ainda que existe alguma coisa no meio do caminho. Esta coisa no meio do caminho, na verdade, se tratou de um pulso vibrante e colorido, azul-profundo e rosado, que escapou da esfera em ondas que arrastavam uma distorção anômala de realidade. O fato chamou a atenção da moça, que volveu o olhar em sua direção e, então, abriu um sorriso outra vez - ainda que recuasse uns dois passos no processo, é verdade.
— ...não que vocês mereçam, mas... — Os cantinhos dos olhos se repuxaram em alegria relaxada.
— ...acho que chegaram em uma ótima hora. — E, considerando de
quem essa informação estava vindo, acredito que não fosse exatamente algo que nenhum dos dois gostaria de ouvir. Ou de presenciar. Ou de qualquer coisa.
Não que eles tivessem escolha.
Foi nesse momento que a maciça esfera, que parecia ter lá seu peso significativo, subiu vagarosamente ao ar como se tivesse a mesma massa de uma peninha delicada; uma aura ao seu redor que, como já mencionado, parecia ser capaz de distorcer o próprio espaço-tempo. Até então adormecidos, os pilares nos cantos do salão ganharam vida, um raio púrpura partindo de cada um para atingir o orbe flutuante - dois amplificadores que, naquele momento, foram responsáveis por aumentar o campo que envolvia o estranho objeto. Aos poucos, uma redoma azulada era formada em torno do artefato - e, ali dentro,
algo pareceu se formar. O projeto de barreira começou a se encher, como se repentinamente invadido por um líquido viscoso, uma fúria que o sacudia como se fosse uma correnteza que acabava de estourar uma barragem sequer visível a olho nu.
A redoma cresceu.
Cresceu, cresceu e cresceu. Distorceu-se, moldou-se em uma forma sem forma, movimentou-se em retorcidas violentas que, de algum jeito, pareciam indicar
vida. ...Mas, que vida?
Gilatina?Era difícil dizer. Não tinha como saber, em realidade - podiam tentar impedir, eu acho. Ou aquele poder assombroso que trazia pressão aos ombros por simplesmente existir seria, naquele momento, inalcançável, imparável?
— ...Finalmente. — Sussurrou, um brilho no olhar quando a vibração do poder do ambiente fez tremer o piso sob seus pés.
Seja lá o que fosse, tenho o pressentimento de que não seria algo
bom.
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O amanhã é efeito de seus atos. Se você se arrepender de tudo que fez hoje, como viverá o amanhã?