Mais um baixar de cortinas, provável que Nicholas dependa dele mais que eu: Steelix inesperadamente caiu. Talvez fosse uma vantagem absurda ser protagonista, ter seis pokemons no lugar de apenas dois nos fazia ganhar não só mais tempo como também variar nas estratégias. Talvez, apenas talvez, tenho reparado brechas nesse evento; começo a cogitar que ele tenha sido um pouco mal feito, como diabos um incentivo cultural pode ser transformado numa competição tão díspar assim? Era óbvio que um ou outro aspecto perderia qualidade mas, no caso em questão, o déficit parecia ser dos dois! Não havia mais significado na peça teatral, assim como não havia mais significado em levar aquelas batalhas a sério, ao menos não naquele palco. Talvez a plateia tenha gostado, talvez só eles estejam gostando... talvez este seja o ápice da mercantilização da arte: uma produção, contratação, competição apenas para entreter. Onde diabos está o significado disso? Fora num simples ato, ou melhor, em dois, que me toquei o quão sem sentido aquelas batalhas se tornaram. Não havia porque derrubar alguém; não havia porque levar o outro a sério. Se eu já não gosto muito de batalhas, quem dirá essas, que expõe o pokemon ao ridículo. Para o outro que perde então: como explicar para todos que um Arcanine perdera para um Honedge de Reflect? Porque diabos Roserade não golpera uma vez sequer com um golpe decente? Que tipo de treinador mantém um suporte que não suporta? É simples: o treinador quer pontuar e não vencer. Ainda que derrotado, o inimigo fizera próximo dos quarenta pontos. Derrotadamente erguido! Se comparado com os míseros 15 pontos do adversário anterior, a partida de TFT fora muito mais disputada.
Passado Mario Kart e TeamFigth Tatics agora vinha o... Dating Simulator? Oh, essa era a parte mais bizarra do esqueleto que me deram; não tínhamos roteiro mas ao menos nos deram um esquema de como, provavelmente, seriam as coisas. Aproveitei as cortinas para respirar, desta vez não encarei Nicholas ou me aproximei como da última, eu sabia que, no próximo ato, estaríamos próximos demais. Queria espaço e, principalmente, ar. Não queria ser vista então aproveitei para sumir por um tempo; fui ao fundo do bastidor e sentei num desses encostos comuns em cenários. Deixei-o que cuidasse de Steelix e, numa confiança esquisita, deixei que ficasse com meus pokemons também. Não sei quem é Nicholas, de onde vinha, para onde iria, mas sabia que ao menos não conseguiria sair correndo com um pokemon meu daquele lugar, não sem colocar seguranças e polícias em questão. Ah, claro, devo admitir: confio nele de graça. Tem vezes que não é preciso dizer de onde tu és para que eu lhe dê um voto de confiança; acho que entre brigas e batalhas entendi que Nicholas não me prejudicaria... ao menos eu acho.
Oh, disse que queria estar sozinha né? Olha eu aqui falhando de novo. Mesmo ao fundo do palco, evitando contato, estava lá, olhando, espiando, encarando o meu parceiro. Que solidão é essa que é protagonizada pelo olhar em outro? Oh deus; ao menos meu tempo aqui estava acabando e eu não teria mais que me justificar para mim mesma. Levantei apressada - como se não houvesse mais o tempo que houvesse - e voltei a posição que deveria estar: ao lado de Skoll, com Loki no colo e percebendo Vili vagando entre os outros. Nicholas? Bem, ele devia estar ao meu lado, de preferência com Steelix na esfera; certamente aquela enorme serpente ao chão deu um bom trabalho para os bastidores da peça: imagina fechar as cortinas e tapar um troço enorme daquele? Pois é, conseguiram. Não sei como, mas conseguiram.
Voltemos à peça que, felizmente, já se encaminhava para o fim. As cortinas se abririam e eu, nervosa, caçaria a mão de Nicholas para apertar. Eu olhava para frente e, numa esperança boba, procurei-o ao meu lado. Não tenho certeza se o achei ou não, só sei que quando as cortinas abriram e o cenário fora revelado pela luz, eu finalmente entendi do que se tratava o jogo em questão.
Era um restaurante, com quatro a cinco mesas, parecia bem frequentado. Forçaram na utilização de Figurantes em todos os jogos mas, neste em específico, o papel deles era essencial. O andar para lá e para cá dava uma realidade na brincadeira e o murmúrio dos atores desenhava a situação. Palco liso, piso marrom de madeira, tapete centralizado, mesa para dois, pessoas ao fundo e um garçom, que vinha em nossa direção e nos levava para a mesa bem... ao... centro. Oh, é mesmo: éramos protagonistas.
Esse era um evento que eu provavelmente ia querer apagar da minha memória momentos depois. Era impossível não lembrar de Matthew ao sentar ali, em frente a Nicholas. Não era um rememorar nostálgico mas era inevitável! Minha única experiência do tipo era com ele e eu teria que encená-la com Nicholas? Isso parecia um tipo de traição e... sinceramente? Não sei à quem. Talvez a mim mesma. Nestas horas eu pararia e pensaria "o que diabos você está fazendo, Winnie?" mas o contexto de um teatro me legitimou para fazer o que eu bem quisesse e como eu bem quisesse, até porque, na pior das hipóteses, eu daria de ombros e usaria o argumento mais tosco e inabalável possível: "era apenas um teatro". Há como questionar a realidade dos seus atos se eles não forem reais? Claro que não. Obrigada Forina, por me permitir passar por isso, transitar por isso e chegar nisso sem muito medo.
Engoli a seco, balancei a cabeça numa auto-afirmação e segui o garçom. Sentei na mesa de centro e, mais uma vez, a antítese me pegou. Eu preciso fazer isso sendo o centro das atenções? Como se já não fosse difícil o suficiente viver um encontro sem ninguém me olhar... ah é, esqueci de novo, eu era a protagonista. Ajeitei meu vestido, coloquei os braços sobre a mesa, deitei delicadamente minha cabeça sobre um deles, bufei e, com uma das mãos esticadas, procurei as mãos do rapaz: Alice e o Cavaleiro Branco já deviam ser um casal à essa altura do universo de Lewis Carroll, não era para ser algo tão incomum estarem juntos:
- Oh, cansei - Reclamei, tentando ser a Alice reclamona mas, ao mesmo tempo, falando sobre a Winnie cansada - Esse negócio de ficar jogando é mais difícil que parece. Acho que vou pedir um chá... Ei, garçom, me vê um chá de... ah, pode ser de hibisco, aprendi na escola que chá de hibisco é bom para meninas cansadas - Disse, pedindo a primeira coisa que vinha em mente.
Ainda semi-deitada na mesa ergui o queixo e apoiei-o sobre a madeira fria, encarando, de cima para baixo, o rapaz à frente, numa posição bastante desconfortável para meu rosto mas bastante adequada para meu pescoço e ombros cansado. Ficaria assim, falando, com a mandíbula imprensada entre o móvel e o maxilar, ou seja, falando entre dentes:
- Talvez a gente devesse voltar para Wonderland. Lá pelo menos tinha sentido, sabe? - Indaguei, numa reclamação levemente provocativa - E esse simulador aqui... ah, eu realmente estava com saudades dos restaurantes ingleses mas... me acostumei com o chá do chapeleiro e dificilmente eu... - Comecei mas uma música, extremamente alta, me interrompeu.
A música viera com um garçom que, felizmente, viera com um chá. Botei-o sobre a mesa e tão rápido quanto surgiu o ator desapareceu. Mas o que? As pessoas ao fundo também sumiram. A luz se apagara aos poucos e agora já era tarde. O que diabos fora aquilo? Olhei para Nico completamente confusa: aquele desespero era de Winnie e não de Alice. Em segundos todos foram embora, a mesa era preenchida com "fake comida" e em poucos instantes era retirado tudo. O garçom ia e vinha num galopar bizarro e eu? Bem, eu não falava nada. Não sabia o que estava acontecendo; vez ou outra cogitei fingir comer mas desistia rápido da ideia: o buffet parava ali por tão pouco tempo que não daria certo.
A velocidade dos figurantes que ora ou outra passavam pelo palco também me assustava: um prato fora quebrado e em alguns instantes já estava tudo limpo. Discos eram jogados num simbolismo de pratos passados e a cada segundo que eu me mantinha ali as coisas ocorriam mais velozmente. Continuei em silêncio até que, numa explosão pouco interpretativa, gritei:
- O que diabos está acontecendo aqui? - Quando reparei a sobreposição de Winnie vertiginosa no papel, tentei reverter - Oh deus, nem mesmo quando virei Rainha a festa foi tão bizarra.
O erro estava feito e fora respondido com uma voz um tanto quanto gracejada do narrador que, outrora, leu a introdução da peça: "é o modo Skip do aplicativo", respondeu ele, talvez não com essas palavras. Vermelhei na hora e tornei-me a sentar. A essa altura Vili, Skoll e Loki só encaravam tudo ao canto do palco, sem surgir em momento algum mas bastante inseguros quanto a decisão de participar.
A decisão de voltar a sentar fora bastante assertiva na peça porém péssima para mim; quando tornei-me a cadeira, um garçom havia retirado-a sem que eu visse, ao meio de toda aquela velocidade. Acabei por cair no chão. Vermelhei mais que antes mas, como sempre cogitei usar e só agora poderia: era apenas um teatro. Respirei fundo e não me irritei, passei a mão nas costas para aliviar a dor e gritei:
- Mas que mal educados. Nem fechamos a conta ainda - Bravejei - Venha cá, devolva isso, eu quero comer mais.
Começara uma briga no restaurante? Não sei; talvez sim. Se fosse orientada à tal eu continuaria. O problema maior era Loki que numa ansiedade desesperadora já entrou em cena. O ursinho correra até a mim e me ajudou a levantar, feito isso, cruzava os braços irritado, querendo com todas as forças atacar o garçom responsável pelo machucar de sua dona.
Era impossível, completamente inviável, ficar triste com Loki ao meu lado. Sei que logo mais ele evoluirá e se tornará de fato assustador mas, como Teddiursa? O que eu mais queria era colocá-lo no colo e enchê-lo de beijos. Claro que não o faria: eu não poderia desrespeitar a raiva de meu pokemon assim. Além disso, desautorizaria toda a marra e seu desejo por batalhar. Eu também queria acabar isso logo então seria estratégico usá-lo para um terceiro ato:
- Não vão fechar nada antes de eu comer minha sobremesa. Eu e Loki vamos DESTRUIR esse restaurante se vocês não me derem meu pudim - A fala era completamente sem sentido e sem coerência. Nem Winnie, nem Alice, nem o Cavaleiro, nem ninguém a falaria num contexto de Lewis Carrol mas, e dai?
Era incrível como nenhuma das minhas preocupações se concretizou: eu não precisei rememorar encontro algum e muito menos pressionar uma situação desconfortável com Nicholas. O palco se resolveu por si só e eu não tive poder algum no que acabara de acontecer, felizmente. Nem mesmo a atitude de Loki fora calculada por mim! Que seja assim até o final, amém.
OFF: Shiannei.