Malfeito feito

Ouvi as últimas respostas um pouco perdida, apesar de me sentir mais segura quando a mão firme de Ayzen pousou no meu ombro, em solidariedade... Ou outra coisa que eu não consegui entender muito bem pelas expressões estranhas. Não soube dizer se ele me repreendia pela reação súbita, tentava me tranquilizar com o riso torto, ou simplesmente se questionava sem entender nada. Eu só reprimi um riso aliviado quando vi seu rosto se alterar de formas estranhas.

Em todo caso, a mulher não acrescentou muito mais. Apenas alguns detalhes que minha mente capturou no automático, já que a parte mais consciente de mim ainda tentava criar um muro entre a razão e a emoção, coisa não muito fácil para mim. No fim, eu só agradeci que Ay nos tirava dali sob o pretexto de conversarmos melhor sobre o caso. Era uma saída bem vinda.

Num canto mais reservado fora daquele lugar eu me encostei na primeira superfície que encontrei, levando as mãos ao rosto enquanto respirava fundo, e depois subindo para a testa, pondo os cabelos para trás. Sei que agora preciso focar em pensar numa solução com o loiro, por isso preciso afastar meus conflitos por um instante. Respira...

– Isso é muito... Doido. – comecei, fitando meus pés sem necessariamente enxergá-los, buscando ideias – Não sei se tô sendo muito emotiva, ou conservadora demais, mas isso não me parece nada certo. A ideia como um todo, digo. Não só a forma como pretendem fazer. – suspirei mais um pouco, abraçando a mim mesma e desviando o olhar para qualquer coisa que se movesse devagar, tipo folhas agitando ao vento – Por um lado, talvez seja meio imprudente falar disso agora com os monges. Pode só intensificar o atrito que os moradores planejam. Por outro, é muita gente pra tentarmos parar de uma vez... Nem estão centralizados! Ao menos se pudéssemos encontrar aquele executivo. Parece ser a cabeça por trás de tudo. – comentei, respondendo-o.

No fundo sentia que talvez nem a própria liderança fosse capaz de frear as coisas; ao contrário, muito possivelmente se ele o tentasse poderia até botar uma terceira faísca nesse incêndio iminente. O que esperar de uma população que foi bombardeada de promessas que depois fossem retiradas?!

– Ou talvez... – passei a língua pelos lábios e mordi o canto de um deles nos milésimos de segundos que levei para formular, em palavras, a ideia súbita que tive – Sem Carnivine, não teriam mais suporte nem credibilidade pra essa loucura, não é? – olhei para Ayzen, intrigada com minha própria ideia, ainda não amadurecida – Tipo, e se nós conseguíssemos o Pokémon antes deles? Podemos até levar à público dizendo que tudo não passou de um mal entendido?... Não, pera. Não acabaria com o problema... – outro suspiro, dessa vez frustrado, na minha montanha russa particular de pensamentos.

Acho que por isso quase sempre fui impulsiva, 8 ou 80. Não me acho muito boa com esse tipo de situação.

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Quando finalmente consegui deixar de me distrair para olhá-lo, vi que Ay se mantinha bem sério durante minha divagação. Era o suficiente para eu saber que ele concordava, mas longe de ser o necessário para eu entender o que viria à seguir: o singelo pedido de um instante antecedeu uma ligação muito curiosa...

"O que?! Capitão? Amado?", meu olhar de estranheza era duplo. Tanto para processar a informação nova e surpreendente, quanto para entender o contexto daquele telefonema. Claro, eu não era uma "expert em Ayzen" para saber bastante dele - exceto fisicamente, talvez. Mas, aquela informação sem dúvida explicava muita coisa! Em todo caso, não me cabe fazer alardes com isso. Se era pra ser um segredo, está bem guardado, assim como outros.

Fico até lisonjeada, me sinto até mais segura e inspirada, já que um pouco dos propósitos de ser Ranger sempre moraram em mim, nascendo aqui mesmo, nessa terra onde cresci... Isso até me lembrou o porquê de eu admirar o trabalho dos monges, no passado. Sua filosofia de harmonia e bem estar entre Pokémon e humanos me cativa até hoje, ainda que as experiências de vida tenham mudado meu foco, enfim.

Ao telefone ficou claro o intuito do loiro, e ele só reforçou isso quando se explicou para mim, depois de desligar o aparelho. Não contive um suspiro que mesclava preocupação e alívio. Ele apontava algo que eu ainda não tinha parado para concluir, mas era muito real. Estávamos mesmo numa situação mais tensa e delicada de que uma simples resolução de conflitos. Aquilo me dava um frio na barriga, trazendo lembranças do meu início de jornada, em que também presenciei crimes, a maioria ainda não solucionados. Coincidência ou não, tenho trabalhado com Rangers neste caso. Enfim, eu era bem mais ingênua e tola naquela época, mas o frio na barriga ainda é o mesmo.

– Sim, já quase não tenho dúvidas de que o Carnivine seja real. Não estariam tão agarrados nessa ideia se não fosse a melhor "arma" pra conseguirem o que querem. – descruzava os braços para levar uma das mãos ao pescoço, torcendo-o levemente para o lado, aliviando a tensão – Acho que encontrar o Pokémon, no mínimo, nos daria a segurança de saber que não vai cair nas mãos dos caras e que, pelo menos por esse meio, não vão conseguir cumprir o prometido. Talvez até percam alguns apoiadores já que o shiny é uma figura emblemática... E algo me diz que nem todos sabem dos propósitos. Quero dizer, não ficaria surpresa se parte dos manifestantes realmente só tivessem interessados na ideia da raridade do Pokémon e etc. Sem os segundos interesses, as promessas que a mulher falou. – eu seria capaz de roer as unhas, se aquilo me ajudasse a achar uma resposta mais sólida.

– Ainda assim, é como você disse, não vejo outra forma de como ter o Pokémon em mãos nos ajudaria, a não ser tirar ele de circulação ou da possibilidade de ser a última prova pro que querem. Se, por acaso, achássemos e capturássemos, dissimular dizendo que foi uma brincadeira vai ficar ruim pra nossa imagem. Se simplesmente mostrarmos à todos, vai dar credibilidade aos populares, mesmo que o bicho já não seja mais selvagem. E se não mostrarmos a ninguém, pode simplesmente não ter efeito algum nisso tudo... O cara pode simplesmente achar outra desculpa pra insistir no crime. Enfim, seria só tirar ele de circulação e ser um elemento pra barganhar, talvez...

Por "o cara" entenda-se aquele engravatado que falava ao telefone. Eu até fiz um gesto amplo com uma das mãos, em direção à associação, pra tentar representar que era dele de quem eu falava.

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Siiim! Essa arte é maravilhosa! E foi uma coincidência achar ela justo na rota em que a personagem tá exatamente com esse visual :3

Mais prático, Ayzen fazia a função de organizar nossas ideias, listar objetivos mais claros e esboçar um plano para não ficarmos parados ali só divagando. Afinal, algumas horas nos separavam dos planos de atrito que os manifestantes pretendiam criar, e que pelo que ouvimos serviria de pretexto para o engravatado ir atrás do Pokémon misterioso. Precisávamos achá-lo antes.

– Concordo. – confirmei a primeira parte, saindo da minha posição reflexiva para agitar os ombros, começando a me injetar um pouco de adrenalina e atenção, necessárias para agir.

Ay sacava um aparelho curioso, que eu nunca tinha visto, mas até onde meus olhos alcançaram mostrava uma área bastante colorida. Um mapa térmico, é claro; faz todo sentido com o que ele tá dizendo. Uma tecnologia bastante impressionante e útil. Depois, não tive muito como seguir com a curiosidade, porque ele liberava seu adorável Togekiss, que vinha imediatamente me encontrar.

Nosso abraço foi mútuo e reciprocamente carinhoso, sem intenção de largar. Ele é uma fofura. Eu amo! Com o voador ainda no meu colo, como uma grande e alva pelúcia, eu também olhei para a foto que meu companheiro mostrou na tela do terceiro dispositivo, a Pokédex. Até que o shiny é bonitinho! Tem uns tons outonais muito interessantes.

– Perfeito! Falou em exploração no céu, é comigo. – sei lá por quê, me sentia mais animada, o suficiente pra ousar uma piscadinha e um sorriso marotos para o loiro – Começamos de fora pra dentro? – apoiei Togekiss no quadril antes de liberar uma das mãos para ir até a bolsa, encontrar algumas das minhas Pokébolas – Quero dizer, vamos pelas rotas e áreas periféricas, conforme o que você tem de dados? Se não encontrarmos nada voltamos até o Ginásio, onde a mulher disse que o Pokémon aparece com maior frequência na cidade. Na pior das hipóteses, até lá encontraremos o engravatado e, de repente, conseguimos resolver um pouco das outras partes do plano. Ele também tá procurando o bicho, algo me diz que podemos cruzar com ele de novo... – e que bom que Ayzen não sugeria que nos separássemos, porque se esse encontro acontecesse e eu estivesse só... – É só dizer a direção que voo! – sentia meu coração palpitar só com a ideia; obviamente assumindo a parte de vasculhar de cima.

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