Lá e de volta outra vez

Aquele abraço, mesmo que não retribuído em totalidade, era algo que a garota definitivamente precisava. Claro, ela ficaria melhor se fosse retribuída, mas não era esse o foco. Ela tinha Kiki ali perto, lhe dizendo coisas boas, diferente do que ouviu na noite anterior, aquela noite chuvosa. Era a catarse de tudo que ela sentiu no dia anterior. A garota lentamente se desvencilha do abraço e enxuga as lágrimas. Ela balança a cabeça positivamente, sorrindo. - É, o Gal falou que posso ira pra um lugar melhor agora. Heh, é estranho chamar ele assim agora, hoje cedo acertei um soco nele quando acordei, haha! - ela dava uma risada, meio de vergonha meio de euforia - Ah, falando nisso! - ela da um passinho para trás e estende a mão para Kiki, com um sorriso bem doce e a voz leve - Meu nome é Persefone, mas o Gal me chamou de Persi! Quero quer meus amigos me chamem assim, e… - ela então percebe uma coisa, e fica um pouco corada - Olha, não se preocupa, eu não vou ficar, mas… a gente é amiga? - ela olhava para Kiki, com aquele rosto de criança artiera, um ar da garota safa e astuta surgia, talvez ela estivesse voltando para sua forma inicial, a de garota durona, mas antes… um pedido de amizade formal!  

A garota sorria como uma criança feliz ao receber uma resposta positiva ao seu pedido de amizade. Pense em uma pessoa que teve seu primeiro “sim” para uma relação que não fosse algo forçado ou artificial. Algo escolhido, não imposto. Algo desejado, não empurrado goela abaixo. Ela ri com o comentário da criadora, abrindo um lindo sorriso. - Haha! Pode deixar, na próxima eu escalo o seu poço ou atravesso a sua TV! - e ela fez uma careta mostrando a língua, mostrando mais uma de suas facetas: a fofa.

Ainda era de manhã, quase chegando à tarde. O sol estava quase a pino e o tal Galvanis tinha terminado de fumar o seu cigarro e estava, agora, perto do poço jogando um balde de água fresca sobre o corpo semi desnudo, para refrescar. - Olha, acho que vou gostar dessa vida nova… - Persi olhava para a cena e mordia o lábio inferior, fazendo uma expressão atrevida para Kiki, ambas diante da cena! Enfim, o tempo começou a passar e Kiki tinha suas coisas para fazer, até que Galvanis a chamou, agora com seu uniforme vestido e sem Pokémon à solta. - Bom, chegou a hora. - ele olhava para a criadora com um buraco no peito, como se não quisesse realmente ir embora. Como se tivesse que ir. Ele estende a mão na direção dela e abre um sorriso - Obrigado pela estadia. Se cuida, tá? - obviamente ele queria dizer mais algumas coisas, mas preferiu só fazer a despedida convencional. Sem emoções, sem prolongamentos. Além do mais, a criadora já tinha tido suas doses cavalares de outras dimensões então… chega né? - Melhor irmos para longe, não é bom que você saiba onde e como vamos zarpar. Persi, hora de ir! - ele comenta com Kiki e se afasta, deixando o caminho livre para a despedida das duas.

Persi de aproxima da jovem adulta, com a cabeça abaixada e o rosto entristecido. - É, acho que não vamos ter uma festa do pijama, né? - o comentário era bem humorado, mas tinha o seu peso. Ela estende a mão também, mantendo aquela despedida a mais neutra possível - Não esqueci de mim, tá? - aquele pedido veio novamente com a versão doce de Persí. Porém, enquanto se afastavam pela estrada, ela grita para que o Galvanis esperasse e volta correndo na direção de Kiki. Sem cerimônia alguma, salta na direção dela e a abraça mais uma vez, só que um abraço rápido, já que ela tinha outros planos. E estes planos continham segurar o rosto de Kiki com as mãos e dar um beijo, um selinho, na criadora. - Vê se te preserva tá bom garota? - e com uma piscadela muito da safada, ela volta correndo para junto de Galvanis, indo na direção da estrada.  

Claro que Galvanis aceitaria o abraço! Era algo que ele almejava, mas não sabia se podia pedir. Logo que terminou esse abraços, sua Weavile fazia o mesmo, repetindo o salto no colo da jovem como na noite anterior. É uma gatinha com garras afiadas, mas era uma gatinha, no fim das contas. E o gesto de Persi, bem, não para dizer que foi do nada né? Fazia parte de sua personalidade esses impulsos e decisões até questionáveis, mas pelo visto esta teve uma reação positiva. Dava para dizer que além das lembranças, agora Kik tinha o sabor da garota contigo.

Aquela etapa complexa da vida de Kiki se encerrava. Os viajantes interdimensões sumiam no horizonte, e a vida da criadora voltava ao normal. Aos seus pés, Oddish e Bellossom se aproximavam, talvez eles já estivessem sentindo falta daquela companhia tão rápida e tão marcante. Enfim, havia trabalho a ser feito e coisas para terminar, ou tá achando que trabalho na fazenda é bagunça? O dia começava a dar sinais de seu fim, pendendo no horizonte na medida que a garota trabalhava. Seus Pokémon estavam lá, com ela, e pelo visto não teriam mais companhias, certo? Bem… talvez. - Salve, salve! Tem alguém em casa? - uma voz familiar chamava da entrada da propriedade. Uma voz jovial masculina, bem descompromissada e despojada. Era Denis, o garoto que levou o Diglett que entrou na propriedade da criadora e começou isso tudo! Bom, ele disse que voltaria, não é?

O garoto, Denis, já estava abaixado para brincar com Oddish, possivelmente a mais sociável das plantinhas por ali! A pequena graminha saltitava na frente dele, toda contente de ver um rosto familiar, ainda mais um que fez um elogio tão bonito quanto da última vez! Porém, a pergunta de Kiki e suas expectativas encontraram um solo, digamos, complexo, na expressão do rapaz. Ele fez uma careta e levantou os olhos lentamente. - Na verdade, não. - ele olhou para o horizonte, ainda com aquela cara, depois retomou - Sabe, Digletts são muito sensíveis ao ambiente, bioindicadores, saca? - ele começava a falar gesticulando com as mãos, meio que tentando buscar palavras com elas - Os Rangers foram lá e pá, mas os bichinhos ainda parecem perturbados, tá ligada? Tentei falar com geral lá no escritório, mas eles nem me deram moral. Dai eu meio que… - a careta torceu ainda mais - vim pedir sua ajuda? - a última parte era um misto de súplica e pedido no melhor estilo "por favorzinho". Ele não deu muitas explicações, só chegou com o BO e jogou na mesa, com cuidado, mas jogou. Agora, o Kiki faria?  

O garoto olhava para baixo, sem jeito. Sabe aquele comportamento de adolescente que sabe que fez coisa errada mas busca argumentos para legitimar o erro? Ou ao menos para diminuir a pena? Era o que ele estava fazendo. As caretas eram uma reação normal ao sentimento de vergonha, onde os músculos da face buscam algum tipo de normalidade, mas não encontram. O corpo todo grita por mentira e dissimulação, com gestos pacificadores, olhar desviante, suor, boca ressecada, denunciada pela constante umidificação dos lábios pela língua. E pelo visto, a fala de Kiki tinha encurralado Denis em um beco sem saída onde ou ele gira nos calcanhares e sai correndo ou conta a história toda e enfrenta as possíveis consequências. Seu amor pelos Pokémon falou mais alto, e então ele bagunçou os cabelos, liberando o estresse.

- Ah, tá legal, tá legal! Eu falo! - ele solta um meio grito, não suportando mais - Eu segui os Rangers por um momento… - ele ja adiantou uma possível reação adversa de Kiki - Eu sei, foi perigoso e arriscado, mas eu tava curioso! - ele abriu as mãos na direção da criadora, fazendo uma expressão assustada - Eles até expulsaram uns caras de preto esquisitos de lá, mas então eles receberam uma chamada esquisita, algo rolando na floresta Veridiana. Algo grande. Eu também achei que tinha resolvido tudo, até que o Diglett voltou todo machucado, e não eram ferimentos de outros Digletts! Ele foi atacado por algo externo à caverna. Eu tentei olhar ontem, mas aqueles caras de preto voltaram! Eu chamei os Rangers, mas eles estão todos atolados, conseguiriam mandar alguém amanhã só! Eu quero fazer algo, proteger eles, mas não consigo sozinho! - pronto, ele estava até leve, com algum suor no rosto ainda e o quase fôlego de tanto falar. Pelo visto a caverna ainda estava insegura, mas Kiki era só uma criadora, já farta de tudo aquilo.