| Como todos os sonhadores confundi o desencanto com a verdade |
Nunca se sabe se o nome - enquanto palavra de ordem - precede o ato ou o sucede. Ainda quando acha-se que sabe, não se sabe. Diferente da cultura ocidental, o pequeno distrito - esquecido ao norte de Seafolk - em questão não tinha o costume de atribuir, batizar e nomear a deus um recém-nascido, Kiriku nasceu sem nome prévio, sem ações de graças, sem benção de divindade. Não era uma oferta a nada e nem a ninguém, nem por isso menos especial.
Saíra do colo da mãe sem vocativo, teve seus primeiros passos, formou suas primeiras frases complexas, adotou para si bichos & bestas sem precisar dele. Brincou com crianças mais velhas, frequentou cabanas de semi-conhecidos e articulou suas primeiras redes. Fizera isso tudo sem nome, mas nunca sem povo. Apelidaram-o com o nome de seu legítimo clã: Akin.
Akin de Akin. Akin dos Akins. Assim como qualquer um de lá.
Anyone.Que seja, era Akin.
Apesar de ter se tornado um vocativo, Akin não nascera como um nome. Só fora batizado de fato quando ficou pronto, e justamente por isso emerge Kiriku. O menino que nasceu sabendo! Para quem vê essa história de longe acha que ela que forjou o nome do rapaz, mas é como dizem: quem vê de longe não sabe de nada. Mal sabem o peso que “Kiriku” deixara, stigmatizara e fadara às costas d’ele.
Tente ser uma criança que já nasce pronta.
Talvez por isso crescerá com a pior das pressões & apertos; a de sempre ter de saber. Mas que óbvio! Não daria certo. Não se diz para alguém que ele nasce pronto e esperasse que isso faça algum sentido. Ainda que soe diferente dos outros, Kiriku só soava mesmo. A insustentabilidade do título vinha a tona ora ou outra, mas o ápice fora nos tempos de guerra ao tráfico. Seu pequeno distrito do oriente-sul (ou sudeste se preferir) foi coagido a entrar numa batalha que nunca fora deles.
Não se sentia representado pela instância-de-ordem em questão, ainda assim, a essa altura nosso protagonista já tinha cerca de desesseis anos e fora convocado à militarização, caso contrário, seria um desertor. Era óbvio que ele não questionaria as ordens do chefe de sua tribo, para si ele era a autoridade máxima. Não ligava muito para os devaneios políticos dos megalomaníacos e muito menos respeitava, porém via-se num cheque-mate: se não lhes obedecesse sobraria para seu Ancião. Numa mistura de ódio, submissão e paradoxos se foi, mas foi-se muito, mas muito, desgostoso. Entrou numa espécie de equipe de estranhos, levada para Tohjo e mandaram-o numa expedição fracassada para investigação Rocket e libertação de espécies “alolan borns” em suas posses ilegais.
O grupo era composto apenas de Alolans mas nenhum da sua região; mal sentia falar a mesma língua. Decidiu obedecer calado até ver o cair das instituições. Talvez este fora o primeiro momento de sua vida que seu nome foi esquecido, até porque, o que diabos Kiriku significaria ao meio de vários metropolitanos? Pois se não sabe, lhe digo: nada. Paradoxalmente fora o momento que mais sentia saber de fato: sabia da imbecilidade que era aquela missão, da inutilidade que era aquela cerimônia e, acima de tudo, que estaria marchando para a mais amarga e horrenda memória que poderia ter.
Três palpites e três acertos. Kiriku provava de seu nome amargo e voltava daquela expedição - que durara um ano e meio - ainda jovem, mas também estilhaçado. A marcha em si não foi um problema; nunca encontraram nada demais. Era um pequeno grupo de jovens que fora formado para sondar as fronteiras de Tohjo e estranhas atividades acerca delas, sempre barrados pela burocracia dos líderes locais. Inclusive ali fora o primeiro lugar que teve de fato um contato com os poderio pokémon; os monstrinhos que o cercavam pareciam ter alguma utilidade mas, em seu clã, isso não era exercitado.
De qualquer forma esta não era a chave da questão: até acharam um ou outro alojamento, sequestraram um ou outro inimigo e, quando o faziam, até se sentiam úteis mas, num balanço geral, em mais de um ano, pouco aconteceu. Tão pouco que os mandaram voltar! O grupo inteiro foi dispensado, até porque, muito dinheiro para pouca ação.
Voltou, mas voltou pra onde? Virara um militar aposentado antes dos vinte; então há de se esperar (ainda) ter casa quando voltar... mas quem nasce pronto já se prepara, porque a vida não funciona assim.
O pequeno vilarejo afastado, sem seus jovens revoltosos, se tornou alvo fácil do empresariado e já não passava de um arado-de-soja. Não tinha mais povo, nem Xeques, muito menos Imã ou seu Aiatolá. Voltou mas não retornou; decidiu vagar. A derrota lhe tornara um ambulante reflexivo que a todo momento remetia ao ódio pelas instituições. Ódio pela cultura de captura, ódio pela ganância dos empresários, ódio pela curiosidade dos políticos, ódio pela morte e ódio pelo próprio patriotismo. Largara mão da civilização e parecia flertar sempre que podia com o caos. Como um ex-militar teve a chance de ser serviente mas não mais se permitia: sabia melhor que ninguém o quão decepcionante as instituições podiam ser.
Vagou, vagou e… chegou? Era entre calçadas & calçadas que pegava o costume dos cidadãos locais. De bar em bar tornou-se uma espécie de beberrão e virou o ápice do clichê pós-exército: o guerrilheiro mau-perdedor. Este era o que mais existia no mundo, até quem ganhava saia com esse modo de vida inusitado, até porque, não há o que se ganhe na guerra... ao menos, não para os soldados.
Fora em um desses bares que decidiu parar. A cidade? Não importa o nome, importa dizer-lhe que era uma metrópole de Johto, povoado por (dã) metropolitanos. Ali absorveu novos hábitos e mais uma vez viveu como se Kiriku não tivesse significado algum. Perdeu suas origens e carregou o nome de sua Tribo como próprio. Bebeu, mas bebeu com força! Brigara por ouro, brigara por outros. Tornava-se mais branco & urbano do que nunca imaginaria ser e, vez ou outra, sentia ódio dos seus próprios traços. Sua cor se tornou um problema, seu dialeto também, seus olhos manchados de melanina... a única coisa que guardava com carinho eram seus costumes, as únicas memórias boas que tinha de um passado nem tão longínquo assim.
Passou a viver pela sombras, ou melhor, com as sombras. Reclamou para si o Keffiyeh comum de seu distrito e começou a esconder seus fenótipo por trás dele e de roupas volumosas. Aos vinte e um anos decidiu viver como um homem qualquer; trabalhar pela cidade e assumir a identidade de Akin Kiriku, um imigrante de Alola. Criou vínculos, passou de indústria em indústria, comércio em comércio até bastar-se e reverter o processo. Já não seria mais demitido em alguns meses e tentaria o próximo emprego; Akin nunca mais voltaria a isso! Fora embora da quitanda em que trabalhava e prometeu a si não voltar nunca mais.
Foi um processo de revolução ver-se como um trabalhador depois de já não saber mais o que se é e, da mesma forma, um processo de involução ocorreu nos anos após, em sua demissão. Não uma involução retrógrada mas o próprio ato de dobrar-se para si e enxergar todas as limitações que se colocava. Lembrou do porque de seu nome completo; do surgimento de Kiriku e do peso que glorificava a cada momento que se apresentava como Akin. Lembrou-se também do menino que sabia que não sabia e, por isso, buscava saber. Rememorou a felicidade de seu povo e entendeu que a humanidade e o trabalho ordenado não era para si: era um Andarilho e, como todo bom nômade, formou-se para ser livre. Trouxe a tona também o respeito por quem é digno e decidiu que este seria seu objetivo: integridade e dignidade dentro do que acredita ser certo.
O problema? Ele já não tinha mais certeza do que era certo ou não.
O menino que nascera pronto hoje tinha consciência de que nada podia saber.