Ato 07 — Descanso...

Sorte é uma habilidade, não é? Ao menos em luta, é sim; pegar o adversário de guarda baixa, conseguir um ataque crítico que salvaria a sua pele pelo restante do combate, findando no nocaute de Grovyle e consumando na vitória de Nicholas. Dos arredores da arena, a voz de Eris retumbava, inferindo que o louro, por vencer, estaria nas semifinais daquele torneio sucinto organizado pela própria no centro pokémon em Rinshin.

De início distraída e logo depois com saudações sucintas, Shauna se despedia, tão breve quanto se apresentara da primeira vez em que se encontraram dos lados opostos da arena.

— Tchau — Nicholas também fora econômico em suas palavras, como de costume. Apenas viu a garota de curtas madeixas retornar os seus pequenos, saindo dos domínios da arena.

Nicholas também não delongou em trazer de volta Nuzleaf e Makuhita de volta para as suas cápsulas, despedindo-se brevemente dos mesmos, já que teria de cuidar de seus ferimentos antes de jogá-los de volta à arena. Eris, outrora espectadora, aproximou-se do kantoniano, convidando-o novamente ao cômodo em que as poções eram armazenadas para uso exclusivo dos lutadores.

Rapidamente materializou novamente o lutador desmaiado e inerte junto do ainda saudável noturno; tomou para si dois frascos do remédio, aplicando sobre os seus corpos, e gradualmente, as feridas cicatrizavam-se e toda a energia que lhes fora esvaída era devolvida por advento dos efeitos medicinais daquele líquido. Makuhita erguia seu pesado corpo aos poucos com a mão na cabeça, tal se sentisse alguma tontura, mas não delongou em recobrar a sua consciência; Nuzleaf, por sua vez, somente bateu sobre o seu peito ao se sentir bem.

Os olhos cerúleos de Nicholas passearam pela figura dos dois, deixando escapar um sucinto sorriso simultâneo a um suspiro. Este, por sua vez, era gratidão ao auxiliá-lo a galgar mais uma fase, ainda que fosse um torneio sem importância; quem sabe algum dia não estariam acompanhando o louro em um desafio muito mais ímprobo, huh?

Tomou as esferas bicolores de Makuhita e Nuzleaf, evocando o brilho enérgico que envolvia seus corpos, esvaindo-se em luz e recolhendo de volta para as cápsulas respectivas. Guardou-as em seu bolso.

Calcorreou lentamente na direção de um canto vago na parede. Recostou as costas então sobre a mesma, cruzando os braços. Os orbes oceânicos fixaram-se sobre os olhos rubros de Eris, como se buscassem romper e penetrar no âmago da ruiva; não intimidadores, entretanto, penetrantes.

— Sobre o que você quer falar comigo? — indagou, direto, e arrumando o corpo sobre a parede mais uma vez.

Um dos primeiros prêmios eram entregues pela garota de rubras madeixas. Dentro de um saquinho, quatro doces estavam inseridos e eram deixados nas mãos do louro; das recompensas do torneio como um todo, eram, quiçá, os primeiros. Guardou-os em um dos bolsos laterais de sua mochila, cuja não tirou de suas costas por um único momento — apesar de o dia estar ensolarado, dentro do edifício, a temperatura era ideal graças ao trabalho ininterrupto dos aparelhos de ar-condicionado instalados por todos os cantos.

Eris estava inquieta. Labiríntica em seu raciocínio, tentava algum meio de introduzir o real problema, entretanto, as inúmeras voltas e explicações sobre o torneio faziam o louro erguer a sobrancelha, esperando a conclusão. Não era como se, realmente, quisesse ajudá-la por altruísmo, contudo, sentiu que deveria fazê-lo assim que a ruiva inferia de que havia alguém desviando moralmente de alguma conduta — qualquer que seja.

Ora, Nicholas ainda tinha aqueles flashes inseridos por Jirachi bem vivos em seu consciente. Não conseguia desprender-se da ideia de que seu amigo de infância agora o caçava, e nem menos acreditava naquilo — ademais que o lendário, muito provavelmente, gozava da onisciência. Ademais, o kantoniano tinha um certo pé atrás com qualquer ocorrência rocket, e não delongaria em intervir caso estivesse ao seu alcance.

Bom, se é algum caminho — mesmo que torpe — para chegar à qualquer pista da organização, Nicholas auxiliaria Eris naquela situação — claro que não de graça, huh?

— Assim que a luta acabar, vou te esperar aqui. Então, me conta tudo o que tá acontecendo — murmurou aqueles ditos à Eris no momento em que a ruiva, com passadas tensas na direção das arenas, cujo ofício da ruiva era supervisioná-las e não deixar o torneio sair dos trilhos.

E, então, estava sozinho na sala.

Nicholas arqueou uma cápsula bicolor de seu corpo, materializando o monstrinho que jazia no interior da mesma; era Rockruff. A canídea recebia o seu mestre com um sorriso no rosto e sucinto latido, empolgada por volver ao mundo exterior, passeando os olhos por todo o redor, presumindo de que lutaria.

— Ok, garota, esses daqui são pra você. Vai te ajudar bastante — disse Nicholas ao monstrinho rochoso, retirando todos os doces de sua embalagem e dando na boca da canídea. Rockruff consumiu os docinhos rapidamente.

Os chocolates tinham algumas propriedades excêntricas; tal se os músculos da canídeo se enrijecessem de maneira mágica assim que os doces eram digeridos. Mais uma obra prima da pesquisa e da tecnologia, não? O louro afagou a cabeça de Rockruff, indicando com a cabeça para fora.

Enquanto Eris não dizia exatamente o que queria, restava a Nicholas apenas aguardar próximo à arena onde lutara outrora. Seu adversário, aparentemente, não delongaria. O louro esqueceu por um curto tempo todos aqueles lapsos mentais em que trabalhara infimamente no momento em que a ruiva dissertava sobre um certo alguém, e se iria combater e levar a sério, não poderia deixar sua mente viajar para terras tão remotas.

Taciturno, recostou-se em um canto de alguma parede próxima, novamente com os braços cruzados. Aguardava o oponente.

O outro semifinalista havia chegado, passando pouco menos de cinco minutos. O louro erguia a fronte, e instantaneamente, os orbes cerúleos fixavam-se na figura daquele que jazia do outro lado da arena.

Era um garoto de madeixas compridas e negras, com um óculos redondo ao melhor estilo nerd que sofre bullying em filmes americanos. Suas roupas eram todas pretas; a camisa estampada pelo logo de uma banda de death metal, a calça era justa ao corpo e, por fim, uma bota. Um estilo alternativo e, uh, excêntrico, se é que posso dizer assim. Não era uma vestimenta muito vista nem mesmo longe de cidades.

Contudo, se o garoto chegou até aqui, algum talento tinha.

Eris mais ao lado da arena tomava a posição para ser a narradora daquele combate eventual. Caracterizando um a um, o louro estreitava as vistas na direção do garoto chamado Nate ao ouvir que o mesmo conseguira chegar longe do torneio com pouco sufoco. Um sorriso com ínfimos traços vis surgiam no canto dos lábios de Nicholas, notando — ademais de ser óbvio — que os níveis galgavam cada vez mais; e quer oportunidade melhor do que essa para que os seus pequenos floresçam e sejam tão poderosos quanto seus “carros chefes”?

Utilizando de seu pokénav, a ruiva então fazia o sorteio, como era comum; Nicholas era designado para fazer os primeiros comandos, compensando a desvantagem de Nate ao arremessar os seus monstrinhos primeiro.

Tal sua aparência e vestimenta denunciava, o treinador não parecia ser alguém de muitas palavras. Assentindo ao pedido de Eris e exprimindo para que o louro não pegasse leve, trouxa para fora os escolhidos: um Charmeleon e um Beedrill. Tingia-se ainda mais um riso no semblante sisudo de Nicholas.

Da primeira vez, nostalgia; a forma do inicial kantoniano resgatava memórias — algumas agradáveis e outras, nem tanto — de quando o seu primeiro jazia naquele estágio, e após árduos treinamentos em uma cruzada tão incerta como seus momentos nas terras tropicais de Hoenn, Balerdroch chegava ao ápice de sua força e evoluíra a Charizard, sendo, quiçá, a principal força de Nicholas. O inseto, no entanto, lembrava de sua infância em sua terra natal, quando Henderson provocara um ninho de Beedrills inconsequentemente com uma pedra, forçando os garotos a jogarem-se no mar de Pallet.

Independente de qual seja o momento, esse emaranhado de memórias, boas ou ruins, não deixariam o consciente de Nicholas tão cedo.

Volveu, então, ao mundo real, já arqueando duas esferas bicolores, pronto para materializá-los na arena.

— Mas é claro — inferia, ainda com aquele sorriso presunçoso adornando o outrora austero semblante. Pressionou o botão ao centro das cápsulas, materializando, dessa vez, os seus escolhidos para aquele combate: Rockruff e Makuhita. — Makuhita, Fake Out em Charmeleon e Rock Slide; Rockruff, duplo Rock Slide — ordenou, sucinto, aguardando os movimentos de Nate para prosseguir no combate.

Um único turno, dois monstrinhos já haviam sido nocauteados com a intensa troca de golpes; o louro não poderia lamentar com a derrota de Rockruff, afinal, com um único golpe o pequeno fora capaz de deixar o inseto à beira do desmaio e o ígneo kantoniano receber danos demasiados. Com uma dose de sorte, um dos efeitos colaterais da mordida elemental do réptil causava queimaduras no corpo do rechonchudo lutador, ativando a sua habilidade especial — aumentando suas capacidades ofensivas.

Assim como a sorte fora a sua aliada naquele começo, poderia voltar contra ele caso um único efeito colateral do Fire Fang fosse ativado: o flinch. Ademais, agora que a habilidade do réptil também fora engatilhada, os golpes do tipo fogo ganhavam um boost imenso, deixando-o à mercê de um golpe crítico também. Por mais que parecesse uma situação propícia a mais uma vitória, inúmeros fatores colocavam Nicholas em uma ocasião mais melindrosa do que aparentava.

Sorte, probabilidade, eram inúmeros os nomes que determinariam a conclusão da semifinal daquele singelo torneio.

Restava a Nicholas fazer os movimentos finais para acabar com a luta e declararem então um vencedor.

— Earthquake — ordenou ao seu lutador rechonchudo, agora maximizado graças à sua habilidade especial.

Não é como se a vitória estivesse garantida, afinal; existindo alguma ínfima chance de revés, esta deve ser considerada. Mas tudo ocorrera bem ao final, com o rechonchudo lutador recebendo o ataque e logo depois devolvendo com força ímpar um tremor na arena, nocauteando o lagarto ígneo. O aviso da ruiva expectadora colocava a cereja no bolo, dando por encerrado a luta.

Nate apenas debandou do seu lado da arena sem dizer nada; não era como se Nicholas se importasse, afinal. Taciturno como sempre, recolheu a canídea inerte e também o exausto lutador — ora, ainda que sucinto, muito de sua energia se esvaíra com o poder ofensivo dos adversários. Guiado por Eris após a mesma repetir o procedimento padrão após cada combate: dirigir-se à sala com infindáveis remédios e aplicá-los nos monstrinhos exauridos.

A ruiva ficava próxima à porta marcando cada um dos remédios em uma caderneta, e a partir dos números colhidos é que se retiraria a conclusão se houve roubo ou não; Nicholas dava de ombros. Tomou apenas duas para si, novamente materializando Rockruff e Makuhita. Borrifava o medicamento nos corpos pequenos dos monstrinhos, e gradualmente o líquido fazia efeito sobre ambos, despertando a canídea de seu desmaio e restaurando o vigor tanto do rechonchudo lutador quanto da rochosa.

Tudo seguia normal, excentricidade alguma ocorria nos arredores; até mesmo Nicholas não parecia alerta, aplicando os remédios nos seus competidores após um breve combate normalmente. Contudo, um fenômeno anormal presenteava o kantoniano.

Sua mochila cintilava incessantemente, remexendo-a também. Sentindo aquela anormalidade, Nicholas rapidamente arqueou a mochila para a frente do seu corpo, abrindo o zíper com tudo, fitando aquela fonte de energia infindável; os orbes cerúleos acostumaram-se com a claridade excessiva, e tomou em suas mãos algo que, a princípio, não pudera identificar, requisitando alguns ínfimos segundos para fazê-lo. Não tardou em segurar aquela incubadora emitindo um calor intrínseco e seguindo a brilhar, e do meio de toda aquela energia, irrompia um monstrinho.

Era rosa, com o corpo pequeno e delicado; a princípio, o recém-nascido estava arisco ao fitar o sisudo semblante daquele que agora segurava-o nos braços; deixou tudo aquilo para trás, grunhindo alegremente e saltando contra o rosto de Nicholas. Diferente de Pichu, Cleffa parecia um pouco mais alegre que o elétrico — ora, não chorar assim que nascera era um milagre por si só.

Aquilo tinha um motivo, afinal: sentindo um cheiro agradável vindo de onde jazia antes de nascer, a fada rósea mergulhava na mochila do louro em ímpeto, mergulhando entre inúmeros itens que Nicholas trazia consigo: seja alguma roupa, poções e por entre outras coisas.

— Ei, o que é que você tá mexendo aí? — indagava o louro, tentando tirar a alienígena de dentro de sua bolsa o mais rápido possível.

Mas, ah, Cleffa mostrava-se ou inteligente o suficiente ou então que tinha um faro para guloseimas bom, pois assim que o louro conseguira erguer seu pequeno corpo para fora, a fada tinha comido todos os sete pirulitos que o louro tinha consigo, além de colocar o sino com propriedades excêntricas em seu pescoço. Nicholas erguia a sobrancelha, incrédulo em como aquele filhote tinha um estômago daquele tamanho e tinha a ousadia de fazer aquilo — ou inconsequência graças à pouca idade.

Antes que o louro pudesse ficar indignado, a fada recém-nascida cerrava as pálpebras e caía em sono profundo, forçando Nicholas a recolhê-la após um suspiro digerindo — ainda que com gosto amargo — que os doces que dividiria entre todos os seus monstrinhos esgotaram-se em uma única bocada de Cleffa.

Com Makuhita e Rockruff recuperados, o louro se dirigia a um canto vago na parede. Recostou-se sobre a mesma, cruzando os braços e dirigindo os olhos oceânicos e austeros na direção da ruiva, aproveitando que Eris ainda jazia naquela sala.

— Fala logo de uma vez sobre o que você queria falar comigo. Talvez eu tenha me interessado nesse assunto — fora direto ao ponto, soprando as palavras calmamente, ainda que não fazia digressões ou mesmo inventava malabarismos para arrancar a informação de Eris.

Parecia até mesmo combinado aqueles eventos; se a ruiva procurava por alguém forte o suficiente para auxiliá-la na cruzada em busca de um certo alguém suspeito, outro fenômeno evolutivo agraciava Nicholas, aumentando a narrativa de que, mesmo que o louro trouxe consigo seus menores, ainda assim eram fortes.

O corpo de Rockruff começou brilhar como um farol em uma tempestade. Ganhava massa, ainda que não fosse assim tão significativo a priori; suas pernas alongavam-se e ganhavam músculos, salientando sua velocidade ainda mais. O focinho aumentava também, tal o tamanho de suas presas, aguçando seu faro e mesmo o poder de suas mordidas. Os pelos alvos em volta de seu pescoço pareciam formar até mesmo uma juba — ainda que não seja de fato uma —, sendo agraciado por algumas protuberâncias ou apenas algumas mechas negras em volta. As orelhas, outrora caídas, eriçavam-se, mostrando uma criatura mais tenaz e poderosa comparado ao que era.

Agora uma Lycanroc, a canídea rochosa irrompia do casulo enérgico com um uivo, deixando o lutador hoenniano surpreso com o acontecimento — parecia não ter visto muitos desses fenômenos antes de ser anexado ao time do louro.

Um nascimento seguido de duas evoluções; ademais, desempenho impecáveis do trio escolhido por Nicholas nos combates, salientando a narrativa de que estava preparado para combater o que fosse. O kantoniano estava de fato interessado na história de Eris, mas não por altruísmo, e sim por crer que aquilo, quiçá, levá-lo-ia a mais pistas da organização cuja gostaria de combater com as próprias mãos.

Deixando um riso surgir no canto dos lábios, presunçoso, fitou Eris.