Ato 07 — Descanso...

— Espionagem, huh? Certo, eu ajudo nesse negócio — desencostou-se da parede, ainda com os braços cruzados, e em passos morosos, iniciava o trajeto para fora do cômodo responsável por armazenar medicamentos e afins. — Quando acabar a última luta, conversaremos de novo. Foi mal, não me arrisco a me meter em coisas sérias sem que tenha algo em jogo.

Uma troca seria justa, huh? O louro não havia colocado as cartas em jogo do porquê toparia fazer aquilo, afinal, Eris ainda era uma estranha ou mesmo uma pessoa aleatória que encontrara em ocasião oportuna; portanto, além do torneio — algo que Nicholas pautava em mérito —, deveria haver algo a mais naquela situação.

A garota de rubras madeixas ainda não deu todos os detalhes do que realmente era aquilo.

O tempo já havendo se esvaído, chegara a hora do derradeiro combate; o louro recolhia seus dois monstrinhos de volta para as esferas bicolores, guardando-as em seu bolso, bem como repousando suas mãos por lá também, calcorreando em morosas passadas até o lado designado.

Do outro lado da arena, a adversária tinha... o molho. Trajando um top branco e uma jaqueta rubra, a garota tirava os headphones, posicionando-os sobre o seu pescoço após balança suavemente a cabeça e as madeixas rosadas; as calças eram folgadas, salientando os traços mais casuais.

Feito os preparativos, a garota, cujo nome é Calliope, lançava uma dupla deveras interessante e à altura de uma final — ainda que fosse de um singelo torneio, onde boa parte dos competidores eram inexperientes. Os adversários eram Zangoose e Clefairy, a última sendo a evolução natural do bebê que nascera outrora; um combate duro, ainda mais a dupla sendo uma combinação ímproba de ser vencida — Nicholas teria que torcer, mesmo que infimamente, para as probabilidades ocorrerem a seu favor.

— Pra você também — respondeu o louro, então materializando a dupla que utilizaria naquele combate: Makuhita e, desta vez, Lycanroc. A canídea e o lutador pousavam sobre o chão já fitando ambos os adversários, sendo um pouco daquele clima de tensão por ser uma final. — Makuhita, mire em Zangoose: Knock-off e Brick Break. Lycanroc, duplo Rock Slide.

— Foi mal, não gosto de distração e nem quero que o outro se distraia também — exprimiu ao ouvir a expressão que já estava calejado de tanto ouvir. Deixou emergir um sorriso confiante no canto dos lábios, já pousando os olhos sobre os quatro combatentes devidamente posicionados na arena.

Os movimentos do louro foram devidamente planejados. Conhecendo bem os seus adversários, tanto o felino quanto a fada, sabia do potencial de cada um e o quanto seria problemático lidar com ambos. No momento em que Zangoose erguera a barreira, o riso presunçoso acentuara-se em seu cenho; ademais de que o orbe violáceo ainda seria ativado, o tipo normal era a principal força ofensiva da dupla. Lycanroc e Makuhita estão longe de ter uma defesa significativa, portanto, poupá-los de algum ataque era fundamental.

Não obstante, o efeito colateral do deslizamento provocado pela canídea rochosa atrapalhava ainda mais os movimentos da fada. Ainda que Nicholas não conseguiu parar a ativação da habilidade do felino, garantiu um único turno sem sofrer danos, dando-lhe ligeira vantagem naquela situação. Clefairy recebia danos em demasia, beirando o nocaute.

As chances de ganhar estavam longe de ser claras, contudo, Nicholas conseguira galgar um bom caminho para consegui-la graças aos movimentos premeditados.

Nos arredores da arena, uma aglomeração surgia enquanto a ruiva buscava verbalizar a troca de ataques, transmitindo aquela energia intrínseca aos treinadores para a plateia. Uma boa parte dos espectadores pareciam torcer para a garota, despertando ínfima curiosidade no kantoniano, deixando os orbes cerúleos bailarem brevemente por entre a multidão, notando até mesmo camisas estampadas com seu rosto entre eles. Aparentemente, Calliope era famosa ou mesmo popular naquelas bandas.

Daria os seus comandos então a garota de rosadas madeixas, não antes comentando o obstáculo com golpes em área e reforçando a situação delicada em que estava. Nicholas semicerrou as pálpebras, recolhendo infimamente o sorriso presunçoso no canto dos lábios, mas ainda mantendo-o.

— Não era como se eu não contasse com esses movimentos. Conheço bem esses dois — comentou, olhando de relance para o felino e logo depois para a exausta Clefairy. — Utilizar Makuhita contra Zangoose tinha um porquê: ou ele largaria o toxic orb ou teria de protegê-lo para garantir que ativasse a habilidade. Se protegendo, garantiria que não iria atacar Lycanroc ou Makuhita em um turno, já que eles não são bons defensivamente. Tirando o item dele, seu poder de fogo diminuiria muito — abriu os lábios ligeiramente. — Clefairy é usada para ou chamar os golpes para ela com Follow Me, ou para dificultar o adversário de se mover e, mais importante: para deixar os golpes em área ainda mais fracos. Não é uma má jogada, Calliope, aliás é uma ótima estratégia, mas eu sei como contornar.

Em algumas batalhas vividas por Nicholas, o louro fizera uso desse recurso: saber o que estava fazendo e exprimi-lo. Certos momentos, o adversário acabar por recuar, percebendo que os movimentos do kantoniano eram conscientes; em outros, atiçava-o a refinar as estratégias, configurando outras jogadas e moldando a batalha como um real jogo de xadrez, cujo Nico era um amante.

De certo modo, era um joguete psicológico — recurso que, para alguns, era desonesto. Naquela situação, seu tom de voz era calmo e sisudo, em nenhum momento desfazendo de sua adversária, uma legítima estrategista. Quem sabe até mesmo que quando rasgara os ares com sua grave voz, a plateia não reagisse de algum modo, huh? Não que o louro de fato se importasse; estou apenas considerando as infinitas possibilidades como narrador onisciente.

Volvendo ao combate, Nicholas, enfim, dava os comandos aos seus monstrinhos:

— Lycanroc, avance com Rock Slide duplo; Makuhita, Brick Break duas vezes em Zangoose.

Heh. O soído onomatopaico era liberto no momento em que o louro abria os lábios, com confiança ímpar nos últimos movimentos que fizera, sentindo a já palatável vitória. Ainda que Lycanroc estivesse com ínfima energia, tinha o suficiente para evocar rochas do ar, causando um deslizamento, soterrando não somente o felino berserker, como também toda e qualquer chance de vitória de Calliope.

A cereja do bolo era apenas a organizadora do lado de fora da arena anunciando a vitória do kantoniano e, portanto, declarando-o como vencedor de um pequeno torneio, selecionando transeuntes aleatórios em Rinshin — ademais que os planos de Nicholas sempre é de enfrentar a nata dos treinadores, era algum passo, ainda que pequeno. Cerrou as pálpebras, não delongando para erguer a fronte logo depois, fitando, altaneiro, a dupla escolhida para aquela final.

Tivera de desviar os olhos por um ínfimo segundo; por mais que não estivesse ligando muito para as palavras de Eris, a mesma aproximou-se do ouvido do louro, murmurando para despedir-se da outra finalista enquanto a ruiva cuidava da burocracia de afastar a plateia que se reunira nos arredores.

Agora, enfim, a parte que Nicholas realmente mais esperava; provou-se um combatente ávido, agiu estrategicamente e de certo modo era o melhor perfil para uma investigação. Torno a repetir: longe do treinador estar sendo altruísta com Eris, apenas matutava em informações sobre — quem sabe — rockets ou mesmo algo em troca que, quiçá, a ruiva lhe entregaria após o mesmo realizar aquela tarefa.

Nicholas esperou que a organizadora afastasse de seu lado rumando as pessoas restantes; ora, uma boa parte dos espectadores evaporaram no momento em que a última pedra estatelava sobre o corpo do Zangoose de Calliope. O louro volveu a erguer a fronte, um sorriso surgia no canto dos seus lábios; um emaranhado entre sua confiança intrínseca, jocoso pelo desempenho de sua dupla e buscando passar alguma simpatia — se é que tem.

— É como xadrez: tentar ler os movimentos do outro, e colocar a sua estratégia baseado nesse movimento do adversário. Em batalhas como essa, não consigo não ser perfeccionista — inferiu então ao achegar-se da garota de róseas madeixas, chocando seu punho levemente contra o de Calliope. — Você foi bem, diria até que tá acima da média de muitos treinadores que já vi por aí — Nicholas então dirigiu as mãos para o bolso, suspirando um pouco. Olhou de relance para a sua dupla que se achegava morosamente; a maneira como o lutador auxiliava a canídea nos movimentos era mais uma amostra de como o espírito dos três escolhidos para essa ocasião crescia acentuadamente. O kantoniano aproximou-se de Lycanroc e Makuhita, flexionando os joelhos para se colocar em uma altura próxima dos monstrinhos. — Eu falo com vocês mais tarde, mas já adiantando: mandaram bem, e o Nuzleaf tá nesse bolo também. Podem me acompanhar, depois vou pegar um remédio pra você, Lycanroc.

A rochosa apenas assentia, não antes de emitir um grunhido em júbilo com os elogios de seu mestre; o rechonchudo erguia uma perna, batendo-a contra o chão a seguir, como um legítimo lutador de sumô — Nicholas supôs que Makuhita aceitara bem o que inferira.

Assim que murmurara, retesou a postura. Fitou, enfim, Eris, que chamava ambos para próximos de si — quem sabe era a hora da recompensa, huh?

— Acho que é o nosso prêmio, vamo lá — dirigiu-se à Calliope, passando ao seu lado; austero, as mãos no bolso, seguido por Makuhita e Lycanroc, estes tardando mais em suas passadas.

O ritmo não era de todo frenético, portanto, a vice-campeã conseguiria acompanhá-lo sem problemas. Dirigia-se à Eris.

Agora entendi. Agora saquei. Agora todas as peças se encaixaram. Por, aparentemente, já ser conhecida no ramo, essa era a explicação da frustração de boa parte da plateia assim que o combate se encerrara com a vitória do kantoniano. Frequentar algum torneio — ainda que pequeno —, indo de cidade em cidade para galgar de patamar e quem sabe farmar ainda mais popularidade, huh? Bom, era um plano e tanto.

A parte mais interessante, claro: os prêmios. Levando consigo uma maleta e o lápis preso aos dedos da ruiva, bailando por entre as folhas da caderneta, Eris comentava acerca dos prêmios para os finalistas: pedras evolutivas. Diante do desempenho de Nuzleaf, a anfitriã resolvera recompensá-lo com uma Leaf Stone, artefato este que auxiliaria o noturno a chegar ao seu último estágio. Ademais, mais alguns adicionais interessantes por vencer a final: uma boa quantia em dinheiro e mais um colorful shake — Cleffa provavelmente adoraria, se tratando de seu apetite infindável.

— Me espera só por um minutinho — murmurou Nicholas, no momento em que Eris parecia se dirigir único e apenas à Calliope. Deu meia volta em seu eixo, calcorreou até a sua dupla que não fora retornada para a sua esfera bicolor; ambos arfavam, contudo, já pareciam ter mais energia do que outrora.

Nicholas se agachou, aproximando-se de ambos, que o reverenciavam sucintamente, fitando-o jocosos pelo resultado. O kantoniano arqueou uma esfera bicolor, fitando-a por alguns segundos, volteando a cápsula em sua mão algumas vezes. Por fim, ativou o dispositivo, evocando novamente o brilho enérgico e materializando a pequena fada recém-nascida. Ainda que poucas coisas colocavam realmente um riso jubiloso em sua face, os monstrinhos perceberam alguma ternura naqueles olhos tão frios tal as águas do Ártico. Afagava cada um, e os mesmos pareciam gostar — por pouco tempo, afinal Nico era alguém que demonstrava afeto por seus pokémons de uma maneira... excêntrica de inúmeros treinadores.

— Muito bem, rapaz e garotas, vocês se saíram bem. Eu não chamei o Nuzleaf porque tenho um presentinho pra ele, então melhor deixar pra quando tiver sozinho — inferia. Os monstrinhos se entreolhavam. — Primeiro, é bom se acostumar com a pequenina aqui, vai passar um bom tempo com a gente. E, por fim, parabéns por cada luta. Tô feliz pela evolução de vocês.

Tornava a afagá-los brevemente.

Um dos prêmios entregues por Eris era confiado agora à Cleffa. O louro abria aquela garrafa, deixando próximo às mãozinhas da fada; de uma vez só, a espécie extraterrestre tomava todo o líquido de uma vez só. Por fim, ao acabar com o suquinho colorido, colocava a garrafa de vidro no chão, dando alguns tapas em sua pancinha após longo suspiro satisfeito.

Bom, se Arceus tem os seus escolhidos, talvez o que ocorreria reforçasse um pouco a teoria: se outrora já havia sido presenteado com a evolução da canídea rochosa, e por que não mais duas? O corpo agora de Makuhita e Cleffa iniciavam a cintilar, indicando que o fenômeno chegaria então aos dois.

Inicialmente, o lutador corpulento ganhava ainda mais massa. Suas pernas ficavam maiores em demasia, e em sua cintura, algumas protuberâncias, lembrando muito a tanga de lutadores de sumô — artes marciais essas sempre remetidas à sua espécie. Seu rosto que era rechonchudo parecia afinar um pouco mais, ao contrário de seu torso, braços e mãos: cresciam ainda mais, tornando-o mais robusto. A altura do hoenniano triplicava, e sua metamorfose era completa; Makuhita tornava-se uma Hariyama. Já para a fada, o seu corpinho duplicava suas dimensões, mas ainda continuava com aquela mesma aparência fofa e cara de bolacha intrínseca ao monstrinho. Seus membros aumentavam de modo significativo, e seu topetinho ganhava algumas voltas, além de parecerem maiores também, tal suas orelhas; com aparência de bebê ainda, Cleffa tornava-se Clefairy.

— Meu Arceus, vocês não cansam de me surpreender não? — não que estivesse indignado, muito pelo contrário; o seu tom era de surpresa, e principalmente pela velocidade com que Cleffa evoluíra. — Eu falo com vocês mais tarde. Descansem um pouco.

Nicholas erguera o tronco, recolhendo seus agora três monstrinhos evoluídos, volvendo para próximo de Eris e Calliope. A segunda já parecia de saída, acenando para o louro e a ruiva, dirigindo-se para fora da arena.

Agora, era a hora de realmente ouvir o que iria fazer após o torneio — e que de fato o interessava em demasia.

A ruiva inferia sobre muitas coisas, e em alguns casos, o louro torcia o nariz pelas declarações. Ora, se a mãe da garota acabava por trabalhar demais e era responsável legal pela casa, custaria à garota auxiliar na criação de sua irmã mais nova? Ora, a mulher era uma cientista e tinha um posicionamento radical quanto ao conhecimento que produzia — era até comum em alguns estudiosos —, entretanto, “isso lá é postura de mãe solteira?”. Já estava se virando sozinha, com duas filhas, e aparentemente criando-as bem.

Nicholas se segurou ao máximo para não chamá-la de “mimada inútil” por dois motivos: estava interessado no que aquilo poderia levá-lo ao seu caminho e nem ao menos sabia — ou fazia questão de saber — dos demais afazeres de Eris.

Camuflou ao máximo o descontentamento com algumas declarações da ruiva.

A única certeza era de que a mesma agia estranhamente e mantinha algum contato secreto, dando alguma razão à declaração da garota. Nicholas apenas balançou a cabeça, entendendo o que a mesma queria dizer.

— Tudo bem, mas o que eu vou ganhar com isso? — cruzava os braços, indagando. — Se é algum tipo de conspiração e envolve um laboratório: ou os conspiracionistas são malucos ou tem muita gente grande por trás disso. Não vou me enfiar nessa história sem uma boa troca. Não entenda mal, o torneio eu venci por mérito, o que vamos fazer agora é outra história — fixava as vistas sobre os orbes rubros da garota. — Depois, preciso dar uma olhada no laboratório. Vai que tem algumas pistas disso. Ou vai ter que me levar à sua casa em um horário que ela não esteja lá.

Mesmo que direto, estava plantando verde para colher maduro; Eris parecia ansiosa com aquela situação, então poderia auxiliar ainda mais naquela... história, até então, mal contada.

Vejamos o que ela diria a seguir.

Nicholas parecia gostar da notícia: seguindo a investigar e auxiliar Eris em — julgava — uma situação mais paranoica. Contudo, poderia estar abalada, seja ela ou sua própria mãe, com a morte do pai em tempos mais remotos, embora desconhecidos. Seu pedido de ajuda soava aos ouvidos do louro como um clamor: quiçá, o medo não era apenas pelo envolvimento com forças cuja a garota não entendia, mas também pela saúde de sua família como um todo.

— Entendi. Tudo bem — assentiu com o pedido da ruiva, mais como uma súplica para investigar tudo o que julgava excêntrico com o comportamento de sua mãe.

Eris tinha em mente ir ao laboratório tal Nicholas para investigar alguma excentricidade no local de trabalho de sua mãe, ou mesmo conseguir algo que os levasse a alguma conclusão. O louro apenas balançou a cabeça afirmativamente, como se assentisse ambos se dirigirem até à universidade de Rinshin.

Deu meia volta, com um singelo gesto com a cabeça, tal se indicasse à garota de rubras madeixas para que deixassem o edifício do centro pokémon, mas não antes de o louro recuperar a canídea rochosa, em estado delicado após um embate ímprobo tal a final com a artista. Sentiu, entretanto, algum sinal em seu bolso: era uma notificação em seu rotom phone. Arqueou o dispositivo, vendo um recado dos correios da cidade; uma encomenda, melhor dizendo.

Ao ler, Nicholas abriu um leve, embora presunçoso sorriso no canto dos lábios. Parecia estar deveras confiante com aquilo que estava reservado para ele.

— Mas antes, vamos dar uma passada nos correios. Tem um negócio lá que vai ajudar e muito — inferia, altaneiro.

O roteiro era deveras simplório: primeiro, recuperar a sua Lycanroc após os eventos das finais e por fim se dirigir ao estabelecimento dos correios na cidade, fazendo alguns trâmites e resolvendo determinadas pendências; ao encerrá-las, estaria livre de fato para resolver aquele... caso.