Recrutamento de Aprendiz - Tyrant Torres

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A manhã ensolarada em Celadon brindava com maestria a vista do jardim no entorno do Ginásio local. Cada cor e cada sombra compunham uma paisagem encantadora e perfeita, digna de retratos, pinturas e poemas. O próprio Ginásio era uma beleza à parte com seu design único.

Para Tyrant, tudo aquilo poderia ser apreciado num outro momento mais oportuno, e até com bastante frequência se tudo corresse bem como ele desejava. Mas, primeiro, precisava encarar aquele saguão silencioso, bem iluminado e climatizado, que contrastava um pouco com o calor do lado de fora.

Sentada atrás de um balcão, a recepcionista o observou chegar. Trajada num quimono preto com detalhes em branco, os olhos negros e serenos da mulher analisaram o garoto dos pés à cabeça, sem esboçar nenhuma reação. Ainda quieta ela se pôs de pé, revelando uma longa trança que lhe caía sobre a frente do corpo. [imagem ilustrativa]

– Bom dia. Pode me acompanhar? – sem esperar resposta a recepcionista seguiu por um curto corredor que os levaria até o campo de batalhas.

O espaço era nada mais que o centro da grande estufa que era o Ginásio. Apesar das inúmeras placas de vidro que deixavam o sol passar, não fazia calor, muito graças à densa vegetação do ambiente, lembrando a tipagem na qual Erika é mestra. Antes de chegarem ao centro da arena, marcada pelo símbolo oficial da liga, a mulher parou.

– Peço que aguarde. A senhorita Erika não costuma receber homens fora dos limites da arena de combate. Ela logo virá ao seu encontro. – finalizou em seu tom inflexível antes de sumir de vista, por entre as plantas do extremo oposto da área, deixando Tyrant sozinho, entre as flores.

Um riso doce e baixo quebrou o silêncio ao redor do momento que Tyrant vivia com seu Pokémon. Quem sorriu entrou em foco sem se anunciar, caminhando quieta e vagarosamente. Uma moça não muito alta, de cabelos negros curtos, vestindo um elegante quimono amarelo com estampas outonais. [imagem ilustrativa]

– Bom dia, e muito obrigada por aguardar. – a Líder Erika se aproximava pousando o olhar terno em Toko, no colo do treinador – Um crisântemo. É uma bela escolha. – falou com simpatia para o Pokémon – Simboliza amor, devoção e lealdade. – seu sorriso se alargava enquanto desviava o olhar sereno para Tyrant – Você tem um Pokémon fabuloso. – elogiou – Perdoe pelos modos, a essa altura já deve saber quem sou, mas me apresento de igual forma: sou Erika, a líder deste Ginásio. Gostaria de me acompanhar, por favor?

O convite era para que o treinador a acompanhasse numa caminhada pelo jardim dentro da estufa. Erika tinha o passo lento e tranquilo, e seus gestos graciosos vez e outra se voltavam para interagir com as plantas ao redor. Como quando afagou algumas flores na sua altura, ou quando se pôs a observar os detalhes no tronco de uma árvore, como se os tivesse conhecendo pela primeira vez.

– Por favor, gostaria de ouvi-lo. O que lhe traz até este Ginásio, Tyrant? – lançou a questão no ar, ainda que soubesse previamente o propósito principal do rapaz.

Tyrant - Celadon - Manhã quente

Erika olhou de esguelha por cima do ombro aguardando a resposta de Tyrant, que não demorou a entregá-la. O rosto meigo e sempre sorridente da líder deixava difícil perceber de que forma recebia aquela informação.

– Uma resposta clara e objetiva. Obrigada. – logo retomou sua caminhada e o ritual de observação das plantas – E por que quer ser meu aprendiz? Sei um pouco do que dizem de mim, e com alguma razão. Você é corajoso por nutrir esse desejo, então, por favor, não tema pela sua resposta.

Outra coisa complicada de ser traduzida em Erika eram as nuances em seu tom de voz. Sempre tranquila e doce, qualquer ameaça ou alerta poderiam ser facilmente velados. Mas, em todo caso, aquela não era sua real natureza. Longe disso. A líder do ginásio de Celadon era também conhecida por sua personalidade empática e delicada. Assim, ela provavelmente só estava estimulando um pouco de honestidade e reflexão por parte do candidato.

Tyrant - Celadon - Manhã quente

As tensões de Tyrant começavam a se aliviar, permitindo que, entre outras coisas, ele pudesse enfim manifestar seus propósitos reais e sinceros. Naquela resposta o garoto ainda trazia um pouco de sua própria história, além de alguns anseios.

Erika parou logo na primeira frase, inclinando a cabeça levemente para ouvi-lo melhor, ainda que estivesse, de costas, à apenas alguns centímetros na frente do treinador. Enquanto ele concluía sua resposta, a líder curvou-se para frente, coletando entre as flores mais próximas um pequeno buquê de Prímulas róseas, que manteve entre as mãos unidas junto ao corpo, antes de voltar sua caminhada.

– Agradeço a sua honestidade, Tyrant. Nunca é tarde para mudarmos o rumo das coisas, para fazer novas escolhas ou refletir sobre as antigas. Mas, sobretudo, entenda que vencer nem sempre é o caminho que te faz progredir, como uma semente que, caída no outono, precisa de paciência para sobreviver o longo inverno até a primavera seguinte. E que o conhecimento em si também não traz todas as respostas, pois frequentemente precisamos ponderar com empatia, intuição, alma. Quem ensinou a árvore a buscar o Sol e crescer tanto, senão sua própria natureza e instintos? – ela parava debaixo de uma árvore frondosa e florida, admirando a copa com um olhar distante e afetuoso – Contudo, aprecio seu desejo de estar perto de casa. É preciso ter raízes, antes de ser galhos. – retomava seu passo lento depois da contemplação, seguindo a pequena trilha que já não era mais de terra e dava lugar à grama baixa, bem aparada

–  E isso nos leva à minha curiosidade. Por gentileza, me diga, o que você espera conquistar e encontrar aqui se eu por ventura aceitá-lo como meu aprendiz? Não me entenda mal, por favor, mas se é apenas conhecimento sobre gramíneos que procura, é possível que haja uma biblioteca capaz de lhe dar isto com mais agilidade e precisão do que eu. Não?! – Erika provocava, ainda que seu meio sorriso não abandonasse aquele ar gentil e meigo tão natural dela.

Desejava cavar ambições, projeções, planos. Sua tradição de aceitar apenas aprendizes mulheres não seria "rompida" com facilidade.

Tyrant - Celadon - Manhã quente

Mais uma vez, as primeiras palavras da resposta de Tyrant arrancaram uma reação da líder, que agora suspirava de uma forma que sugeria satisfação, antes de sorrir. Ela o ouvia com a mesma atenção que seus olhos cuidadosos buscavam algo em particular naquele mar de flores.

Enquanto o treinador ponderava a outra metade de sua reflexão, Erika avançou por entre alguns arbustos floridos, fora da trilha, até atingir um em particular, cheio de Amores-perfeitos com tons intensos de azul e roxo. Ela colheu alguns destes também e os reuniu com as outras flores do pequeno buquê, que a princípio não parecia conter nenhuma lógica relacionada a harmonia na beleza ou nas cores das flores, ainda que fossem ambas lindas, individualmente.

Ao retornar para a trilha de grama, onde tinha deixado o candidato concluindo sua resposta, Erika trazia consigo também um sorriso gentil e um olhar admirado e contemplativo que se demorou no rosto do treinador. Talvez, finalmente a mulher estivesse demonstrando uma reação à todo aquele diálogo. Assim como o próprio rapaz começava a se sentir mais confortável em se expressar.

– Obrigada pela sinceridade. Você levantou um ponto interessante, que me remete à empatia, a ideia de construir algo através de uma relação particular e única. Como quando semeamos, que precisamos por a mão na terra, sentir e observar tudo pessoalmente. Porque nenhuma planta é igual a outra, mesmo se forem da mesma espécie. O mesmo vale para nós, humanos, e para os Pokémon. Gosto da sua intuição e sensatez. São valores importantes para se cultivar. E sua vontade de conhecer e experimentar são louváveis. Por favor, mantenha-as. – a caminhada lenta e contemplativa retomou, enquanto a líder se preparava para seguir com o diálogo.

Alguns passos adiante e a trilha seguia até uma área recuada, escondida entre alguns arbustos. Ali havia uma esteira de bambu estendida sobre a grama, com algumas almofadas ao redor, e uma bem grande no centro. Mas Erika não seguiu até lá, preferindo se demorar um pouco numa árvore jovem e baixa que crescia ali no meio.

– Sabe, existe uma prática comum na jardinagem, que é a poda. Nós podamos o que, no nosso entendimento, são ramos desnecessários. O fazemos por "ene" motivos, até mesmo por vaidade, às vezes, para que a planta se mantenha na forma desejada. Porém, o propósito mais funcional para uma poda é ajudar a planta a crescer! – com delicadeza, a moça tocava os brotinhos de folhas novas na pequena árvore – Reconheço que seja uma analogia profunda, mas até nós possuímos coisas que gostaríamos de podar. Também por vaidade ou crescimento. Nossos excessos,coisaso que consideremos "defeitos", traumas... – um suspiro marcou uma pausa dramática quando Erika lembrou suas próprias razões – Há algo em si que gostaria de podar? – questionou, tornando a se virar para o treinador, pondo um sorriso no lugar das próprias lembranças – Por favor, não quero ser invasiva. Não precisa me contar nenhum detalhe do que não lhe deixe confortável. – armava-se de simpatia, para deixar o candidato à vontade.

Tyrant - Celadon - Manhã quente