II. Precisamos trabalhar na sua socialização

— Ô, tia! Eu nunca especifiquei de qual espaço elas vieram! — eu disse, numa tentativa fútil de não ser empurrada pra fora do quiosque.

— ... e não inventa de pisar aqui de novo, menina mentirosa! Leva esse lixo daqui! — a senhora jogou a pedrinha colorida bem no meio da minha testa antes de voltar pro estabelecimento.

Ouch. Com todo mundo olhando, tentei reunir o que faltava da minha dignidade, levantei e marchei pra fora dali como se nada tivesse me abalado. Cara... Eu achava que o pessoal de uma cidadezinha tão pacata quanto Ecruteak ia ser fácil de passar a perna tal qual em Fallarbor, só que a vovó do quiosque era esperta; notou logo que, não, aquilo não era um meteorito extremamente raro encontrado nas ruínas antigas de Meteor Falls. Não consegui dar duas mordidas no quitute antes de ser despejada, e agora tinha que seguir a manhã com fome.

Bom, fazer o quê? Vamos seguindo. Eu tinha chegado de viagem no dia anterior depois de um longo trajeto de navio iniciado em Slateport. Era uma manhãzinha tranquila pra dar um rolê: pessoas de idade se cumprimentando, crianças brincando na rua de terra batida... Quer dizer, não era uma mudança gigantesca do cenário urbano que eu tava acostumada, mas havia um ar estrangeiro: só de não ter aquela poeira cósmica contaminando, eu já tava grata.

Enquanto eu caminhava, minha mente tentando localizar algum trouxa disponível pra tentar arrancar uma graninha, lembrei... do outro trouxa. É, eu precisava lidar com aquele cara em algum momento. Pois bem, parei numa sombra de árvore num canto mais recluso daquele quarteirão e tirei a Pokébola do bolso, liberando o Pokémon que havia nele.

— Hã... E aí? Beleza? Bom dia.

Como esperado, a resposta que recebi foi o mesmo olhar impassível de sempre. O Baltoy levitava, imóvel, me encarando.

Indiferente. Inabalável. O semblante da inércia absoluta.

— Ok, uau. Foi uma palestra emocionante. — suspirei, já com dor de cabeça. Mas não tinha o que fazer, certo? Eu o capturei. Ele é o meu primeiro companheiro de viagem. Mesmo que eu tenha me arrependido logo depois, eu precisava arranjar um jeito de tirar proveito disso; como sempre faço. — Talvez eu devesse tentar vender você... Sei lá, você sim tem muito mais em comum com meteoritos do que as pedras falsas que eu crio: ambos dão ótimas decorações de ambiente, tipo um peso de mesa. — ... nenhuma resposta; Baltoy continuou me encarando. Suspirei de novo, entediada. — Beleza, coleguinha, vambora dar um passeio. Anda.

Voltei a caminhar e, pra minha surpresa, o Pokémon realmente me seguiu; flutuando abobalhado ao meu redor, tentando alcançar o passo. Enquanto íamos, fiquei pensando em um nome pra ele. Eu sei que rola esse costume de dar um apelido fofo e carinho, mas não acho que algo assim iria ajudar o caso dele. Eu precisava de algo... intimidador.

— Seguinte, de agora em diante, vou te chamar de Arma Caótica de Detonação Mortal. Tem uma sonoridade maneira, o que tu acha?

Não precisei olhar pra trás pra saber que... é. Nenhuma resposta.

Notas à Narração:

Notas:

Eu cheguei no que parecia ser a praça central de Ecruteak: Centro Pokémon, comércios, lojinhas e um pessoal atarefado indo de um lado pro outro. Mais um ronco do meu estômago foi o suficiente pra me lembrar da prioridade do dia: encher a pança. Mas é óbvio que eu não pretendia gastar meu suado orçamento, né?

— Ô, todo mundo! Ouçam todos! — anunciei bem alto do meio do centro urbano. Algumas pessoas viraram-se de sobressalto. — Vocês estão prontos pra uma manhã reveladora?! — Arma Caótica flutuava abobalhado próximo de mim; puxei-o para perto, erguendo-o sobre minha cabeça. — Este Baltoy aqui é um Pokémon especial! As habilidades psíquicas dos Baltoy permitem que eles nunca se percam no deserto, porém, as desse aqui tornam ele capaz de prever o futuro! Isso mesmo! Descubra o que lhe espera na vida; sua carreira, sua saúde…— apontei para um idoso que olhava curioso. — … ô, tio, inclusive tô sentindo aqui que é melhor o senhor dar uma olhadinha nessa dor no joelho, hein… Enfim! Quantos filhos você terá, quantas insígnias... Descubra bem aqui! O preço é baratinho, baratinho! Meninos bonitos não pagam mas também não levam! Venham, venham!

Notas:

Na mosca! Era só o primeiro aparecer que o resto ia ser moleza. Mas justo agora eu não podia escorregar na encenação.

— Ora, ora, meu senhor, vejamos... vejamos... — com Arma Caótica sobre minha cabeça, comecei a balançá-lo de um lado pro outro enquanto tentava, disfarçadamente, emular um som psiônico (zóóóiiinnn...). — Ele está me dizendo, hum... Sim, sim, há uma cura... Mas não é o tipo de tratamento que se encontra em qualquer hospital! Hã? O que foi, Baltoy? Ó, não! — exclamei com uma expressão exasperada. — Estou perdendo o sinal! Poxa vida... Talvez, com mais uma quantia em dinheiro, o Baltoy sinta-se motivado a se conectar com as forças psíquicas novamente...

Enquanto isso, dei uma boa olhada em volta; em quantos outros daria pra eu passar a perna naquela manhã?

— Certo, certo... — depois de dar uma boa olhada no valor da nota entregue, balancei Arma Caótica sobre minha cabeça mais algumas vezes. — O segredo pra curar sua dor... É um chá com essência de folha de Oddish, casca de Ledian e saliva de Seviper! Pode tomar; é tiro e queda!

Cara, como era bom expandir os negócios da Tramoias Yolitta Inc. pra outros horizontes. Porém, naquele momento, algo me ocorreu. Talvez eu devesse ser um pouquinho cuidadosa. Será que algum Ranger poderia estar ali na encolha, observando atividades suspeitas? É... Era melhor eu manter certa discrição. Afinal, eu já tinha juntado dinheiro o bastante pra comer o dia inteiro.

— Beleza, galera, essa foi a demonstração de hoje! Se não se incomodam, vou estar caindo fora — fui dando passos para trás enquanto guardava o dinheiro cuidadosamente na mochila. — Dá tchau pra eles, Baltoy! — balancei Arma Caótica mais um pouco. — Isso! Beleza, fui!

E me retirei, antes que sobrasse encrenca pra mim.

Notas:

Oh-oh. Eu não devia ter enrolado tanto por ali, devia ter caído fora antes de tantos curiosos se meterem no meu trampo!

Mas calma, Yolitta, calma. Ok, ok... Eu estava cercada e o tiozinho fardado parecia bem impaciente... Mantenha a calma, soe convincente e despiste esse guarda enxerido! Se eu consegui fazer aqueles idosos acreditarem que o Arma Caótica de Detonação Mortal tinha poderes especiais, eu deveria conseguir enganar qualquer um.

— Opa, seu guarda, tudo bom? Então... — tossi pra limpar a garganta e soltei Arma Caótica, que voltou a flutuar ao meu redor. — Acontece que eu tava aqui, de boa, na tranquilidade, na suavidade, realizando um trabalhinho totalmente legalizado e sem nenhuma falcatrua! Acontece que... — fechei as mãos ao redor da boca, como se contasse um segredo. — ... esse Baltoy aqui, tá vendo? Ele é mágico! Ele vê o futuro! Então, como fui ensinada a sempre ser generosa, eu saio por aí fazendo premonições como a boa samaritana que sou! Claro, por um precinho baratinho, baratinho! Isso não é contra as regras, né? Afinal, quando a esmola é boa, o santo desconfia!

Finalizei meu monólogo com um sorriso de orelha à orelha, tentando disfarçar meu medo de toda aquela farsa ir por água abaixo.