[GYM BATTLE] VS. SABRINA #02

Foi meio no automático que eu entrei ali. Mãos no rosto, joelho meio bambo, pele pálida e cabelos presos. A calça legging se tornava um belo enxuga-suor, enquanto o croppet apertava minha respiração e me obrigava a manter a postura. Péssimo, péssimo! Os incômodos eram tantos, que era impossível não 'bambear demais'. Eu ainda não era uma Rocket, mas certamente parecia suspeita.

... ao menos eu não me parecia em nada com uma maldita espião. Quem já viu uma espiã de pernas trêmulas, mãos pálidas, mochila enorme e taquicardia? Eu tava mais para uma paciente-com-ataque-de-pânico do que qualquer outra coisa. Felizmente - ou não - a moça da recepção me orientara a entrar no tal ginásio, como se eu fosse uma mera desafiante.

Ao menos uma eu enganei, não é?!

O problema é que quando eu entrei lá, eu já dei de cara com aqueles orbes vermelhos que Sabrina deve chamar de olhos. Eles me fitavam de cima a baixo e a única coisa que eu pude fazer foi congelar. Sério! Eu petrifiquei! Os únicos movimentos do meu corpo eram pura peristalse; o que me fazia sentir náuseas insuportáveis.

Ali, com aqueles orbes sobre mim, eu soube que não podia mentir; porque se eu assim fizesse, não chegaria a lugar algum.
- Eu sou Winnie - Fui sincera, falando devagar. Meu maxilar parecia enferrujado, e a cada movimento que eu fazia com a boca, ele parecia ranger mais - Eu... quer dizer, você tem poderes psíquicos mesmo? - Fiz a pergunta mais idiota possível.

A minha frente, um Espeon. O canídeo me encarava com uma feição tão estúpida quanto podia ter; ou ao menos, eu sentia isso. A sensação que eu tinha era que absolutamente qualquer ser vivo me olharia como estúpida naquele momento, seja ele paranormal ou não. Sendo verdade ou não, eu olhei para aquele canídeo e fui ainda mais sincera do que eu poderia ser; de um jeito extremamente confuso e tudo mais.
- Eu na verdade não vim batalhar, eu queria sua ajuda.

O tom desastroso que aquela conversa tomava só me deixava mais certa de que os Rockets cometeram o maior erro da história da instituição ao decidir por essa missão na minha mão. Era óbvio que não daria certo! Como diabos eu driblaria a MALDITA SABRINA? Eu até havia deixado tudo por conta de Hati mais cedo; se ela estivesse ciente de tudo, seria bem mais fácil. Ainda assim, sua 'ciência' não me garantia nada.

... Como vou garantir que um pokémon Dark não seja de fato afetado por telecinesia ou leitura de pensamentos? Isso não é - em específico - psiquísmo; apesar de parecer ser. E o pior de tudo: se ela não tiver PODERES PSÍQUICOS, sua fama significa algo muito pior... a moça deve ser TÃO ASTUTA que consegue me ler, independente do que eu faça.

Eu tenho certeza que minha curta entrada no mundo do crime acabou antes de começar. Pra piorar, eu não conseguia nem interpretar se Sabrina havia sido irônica ou realmente achou que eu estava falando com o Espeon. Não, não pode ser o segundo; eu devo me retratar, antes que eu pareça maluca demais:
- Ah... desculpa. Ele é bonito - Falei, ainda em um tom tão desastroso quanto poderia parecer - É com você mesmo, eu queria uma... sessão de terapia. Você faz?

O silêncio. Sempre o silêncio. Sabrina sabia usar-lhe em seu benefício; e eu andava contribuindo um bocado para que ele ecoe. Minhas frases eram curtas e bambas; inseguras e perdidas. Eu era a própria menina non-sense de um conto infantil qualquer, que simplesmente surge, lança bravatas, faz algo sem sentido e acorda de um sonho.

E eu estou apenas vivendo enquanto o tempo de acordar não chega.

Só que o pior nem é isso. Eu, que deveria estar conduzindo essa dança (que podemos chamar de conversa) pareço ser inexperiente demais para guiar alguém. Sabrina, justamente pela sua experiência e lábia, tomara a condutora por completo, carregando-me para alguns becos sem saídas. Eu não sei confundir, induzir ou negociar; se soubesse, seria política e não treinadora pokémon. Ainda assim, havia algo em mente que... sei lá, poderia me ajudar:
- ... não é esse tipo de terapia - Fui incisiva. Já de início, eu não estava pensando em psicoterapia; então isso não foi difícil de responder - Eu queria uma sessão de hipnose. Hipnoterapia, sabe? Eu queria regredir uma experiência que sempre volta, sabe? Talvez seu Alakazam possa... tentar? Eu pago! - A última frase saíra como uma 'resposta inteligentíssima' que improvisei em cima da hora.

Assim que eu pensei mais um pouco, reparei que ela na verdade deve ter soado como uma ofensa. "Eu pago!"... Winnie, é ÓBVIO que você iria pagar; você realmente cogitou solicitar um serviço sem pagar? Isso é ridículo:
- Er... quer dizer, é óbvio que eu vou pagar, mas eu posso pagar de formas mais úteis... Você gosta de batalhas, né?


Talvez fosse menos estranho se eu tivesse perguntado "você é solteira, né?"...

Desgraça de mulher grossa. A resposta dela me fez até dar um passo para trás; como se eu tivesse tomado uma espécie de soco. Minha única reação foi sussurrar um "ta" meio perdido, que ela (provavelmente) não ouviria. O que eu fiz? Sério, o que eu fiz? Levantei meu rosto e meu olhar foi até o fundo do cenário; passando Sabrina e fitando a parede mórbida e inerte por trás dela.

Difícil pra cacete fazer essa merda de missão. O mais estúpido é que me mandaram fazer da forma mais estúpida possível: desafiando Sabrina para uma batalha. Sério? Não poderiam me mandar vir aqui na calada da noite, contornar o ginásio ou jogar algum tipo de distração-"natural" para a moça? Prendê-la em um engarrafamento? Organizar um sequestro fora do ginásio?

Eu precisava mesmo fazer isso ENQUANTO A DESAFIAVA? Cara a cara? Sem experiência alguma? Isso é estúpido. É óbvio que ela já descobriu, se ela não descobriu tudo, ao menos grande parte.

Mulher estúpida, instituição estúpida, missão estúpida, ginásio estúpido. É tudo estúpido. Eu posso não ter emitido uma palavra sequer, mas se Sabrina de fato consegue ler mentes, ela sem dúvida ouviu meus gritos internos e ofensas deliberadas. Não que eu ligasse muito; a esse ponto, eu já estou certa de que ela me descobriu.

Retomei minha posição original, dei dois passos a frente e quando me ajeitei na posição-de-enfrentamento, Alakazam chegou. O diálogo entre os dois foi no mínimo estranho; para não dizer falso. A moçoila falara algo sobre corpo e Alakazam emitia uma aura um bocado mística. Uma encenação digna de novela mexicana eu diria.

Tinha tanta coisa errada naquela cena, que eu simplesmente não a levei a sério por um segundo sequer. "Isso é uma ameaça? Ou uma peça cômica?" Apesar de soar ignorante e estúpida, a mulher não chegaria a ponto de confessar um assassinado para uma treinadora (relativamente) forte. Ela não pode estar falando sério e, ao mesmo tempo, eu não acredito que ela acredite que isso iria me intimidar.

Sem saber como reagir, não reagi. Aqui eu já sinto que meus atos precisam ser muito bem atuados para fazerem sentido nessa cena, então eu simplesmente não atuei. Não fazia sentido; se os atos dela não são pensados, não seriam os meus que seriam influenciados por isso. Eu só fiquei inerte, olhando a cena, esperando aquela merda acabar para poder falar ALGUMA coisa.

A questão é que aquilo não "acabou". Quando eu achei que tivesse, ouvi um sussurro no pé do ouvido; extremamente parecido com a voz de Sabrina. Num ato reflexo, virei o rosto para ver quem falava. Como esperado, ninguém. A princípio eu tomei um pequeno susto, mas quando "entendi a situação", um sorriso um bocado cínico veio ao meu rosto e eu retornei meu olhar àqueles orbes vermelhos e horríveis:
- Isso é uma ameaça? - Perguntei, num tom um bocado debochado - Eu só queria sua ajuda, vagabunda - Eu juro que o final saiu sem querer, quase como um arroto - Que seja, eu não acho que você me ganhe. Freya, é tua vez.

Quando eu joguei Freya em campo, a fantasma sentira uma certa aura irritadiça emanar de mim. Quando viu-se nessa situação, Freya genuinamente sorriu. A fantasma, apesar de quieta, gostava de caos; era essa a exata sensação que sentia. O cenário, o sorriso cínico, o desafio... tudo isso fez Jellicent se sentir em casa como poucas vezes se sentiu desde que foi capturada.
- Para de rir, não tem nada tão engraçado assim - Ordenei, num tom incisivo - Duplo Shadow Ball.

Tinha algo MUITO estranho em Sabrina, e não era só sobre poderes psíquicos. A líder, diferente de todos os outros que batalhei até então, não tinha uma questão ética e moral que a fazia se afastar de mim. Ela simplesmente não ligava de me intimidar, mesmo que a relação líder-e-desafiante fosse - ou deveria ser - algo formal. Em geral, a experiência que se tem é de tutelagem; até mesmo nos mais baixos níveis. Um líder sempre tem algo a se ensinar; mesmo que esse ensinamento venha por meio de sermões (oi norman, tudo bem?).

Quer dizer, era assim que eu pensava até então. Sabrina já não ligava nem um pouco para isso; ela mal me via como uma desafiante e simplesmente usava todos os seus recursos para me impelir. Desde poses e olhares até imagens distorcidas de ideias minhas.

Quer dizer... pera, ideias? A princípio, eu não sabia onde ficava o escritório dela para ter uma ideia tão bem 'delineada' como a imagem me mostra; então como diabos isso pode ser ideia minha? Fechei os olhos e deixei que os pulsos surgissem como figuras, tentando tirar destas imagens a informação mais importante: onde diabos Hati está nessa 'lembrança' que ainda não ocorreu?

Era um corredor? Uma porta? Uma sala? Ela dava para outro lugar? Há algum canto 'semelhante' nesse cenário? E pelo que eu passei? Ao caminhar até o campo, eu vi esse cenário? Estas eram algumas das perguntas que eu me fazia, enquanto o silêncio do ginásio era quebrado pelo Shadow Ball destruidor de Freya, que me obrigava a me atentar ao campo novamente...

... e quando olhei, Freya estava... rindo?

Sim, ela estava rindo, o que me deu nos nervos. Eu realmente queria silêncio e por algum MÍSERO MOTIVO, Freya PELA PRIMEIRA VEZ NA VIDA decidiu reagir a uma batalha de ginásio. SÉRIO ISSO? Você nunca fala nada, nunca reage, nunca age, mas por algum motivo, hoje você decide que vai rir; seja de mim, seja de Sabrina ou seja da situação.

Era como se ela soubesse de algo que eu não sabia, e seus soluços-de-risada me deixavam cada vez mais stressada. Não havia mais espaço para respirar fundo, eu só queria tirá-la dali, mas seria burrice trocá-la para outro pokémon em campo:
- Use Toxic e Hex - Fui curta e grossa. Freya já tinha entendido que eu não estava gostando, mas ela não pareceu ligar.

Dito isso, peguei do meu bolso meu celular. Junto dele, peguei um fone de ouvido e pluguei no maldito aparelho tecnológico; a música que tocou automático foi um terrível folk que eu simplesmente não estava no clima: House of Rising Sun. Desliguei-o o mais rápido possível e clickei numa playlist de qualquer outra coisa mais agitada. Logo em seguida, procurei o aplicativo de denúncias da Polícia Municipal de Saffron e o baixei no celular.

Eu devo admitir, não pesquisei o suficiente Sabrina para me preparar para essa missão, mas havia três coisas que eu sabia bem sobre a garota; seu boato sobre Poderes Psíquicos (confirmado), que ela tomou o título de líder de ginásio do último líder (a força) e que ela não era das figuras mais queridas da capital de Kanto... ao menos não pelos policiais.