April Fools... Ou quase isso.

Lilycove

A gentileza de Lysander foi como um baque para o rapaz, que até mesmo levantou suas sobrancelhas, espantado. Não sei exatamente qual percepção o misterioso ser diante do monotreinador tinha sobre o próprio, mas foi o suficiente para mudar sua expressão, não só facial, como corporal também.

- Impossível não reconhecer o vencedor da Wallace Cup. - comentou; a princípio parecia querer continuar falando sobre como um fanboy, mas acho que percebeu a necessidade de manter sua postura ~misteriosa~ - Também o vi em uma peça de teatro de Forina e... - parecia tentar puxar da memória - Alguns outros contests também. - suspirou, balançando a cabeça como se precisasse lembrar o porquê de estar ali; então, seu semblante mudou, tornando-se sério novamente - Você é a única referência que tenho de um treinador experiente e forte. Digo, de forma que seja acessível. Já vi Steven, Cynthia, todos campeões muito fortes mas certamente jamais conseguiria encontrá-los em um circo no sul de Lilycove. - tirou seus óculos, revelando duas orbes verdes como esmeraldas que fixavam sobre Lysander; agora próximo, sua altura era quase a mesma do rapaz, quiçá dois centímetros mais alto - Acontece que situações desesperadoras pedem medidas desesperadoras. Se não fosse o caso, acho que... - suspirou - Nunca teria coragem de falar com você.

Com isso, o rapaz caminhou em passos lentos até a beira da lona, onde a chuva contínua deixava seus granizos caírem sobre a grama da praça. O barulho que faziam sobre as lixeiras e alguns brinquedos de criança era alto o suficiente para que ninguém escutasse a conversa dos dois, mas just enough para que conversassem e se entendessem bem. Olhando para o lado de fora, o misterioso ser puxou um baseado - que prontamente acendeu.

- Você já ouviu falar sobre o culto do Gilatina? - deu um trago - Há algum tempo metrópoles foram atingidas por robôs vindos de outra dimensão. Há quem diga que é mentira, mas... Eu estava lá. E muitos outros também. - apoiou o ombro na base das arquibancadas e ofereceu o cigarro ao monotreinador - Eles destruíram cidades, mataram dezenas de pessoas em atentados e, seu grande líder, Gilatina, estava por trás de tudo isso. - continuou, soltando a fumaça no ar - Após os acontecimentos, muitos dos religiosos que colocavam toda sua fé sobre Arceus, o Grande Criador, tiveram seus mundos destruídos... Quer dizer, imagina dedicar sua vida a um ser Etéreo tão poderoso mas que nada fez para evitar isso? - deu de ombros - Nunca fui uma pessoa religiosa e isso me deixou inquieto na época. Imagina para quem acreditava veemente nisso. - nesse momento, seu coque se desfez e suas longas madeixas brancas caíram sobre a capa, com altura até o cóccix - Dito isso, acabou que pessoas mais influenciáveis criaram um culto para esse tal Gilatina. Já que ele era mais forte que Deus, por que não cultuá-lo? E aí que começou o problema. - dava mais um trago, voltando seu olhar para Lysander - Realmente criou-se uma seita. Grupos um mais perigosos que o outro, que não aceitavam "blasfêmias" e "heresias" contra o Todo Poderoso Gilatina. - sinalizou as aspas com as mãos; elas escapavam do sobretudo, mostrando uma enorme cicatriz na alva mão esquerda do rapaz - E todos que entravam na mira deles e questionavam ou tentavam fazer pessoas saírem dessa seita simplesmente desapareciam para sempre.

Pela primeira vez o rapaz parava de falar alguns segundos. A princípio mordeu seu lábio inferior, como se quisesse segurar alguma emoção que estava por vir - depois, deu um último trago no baseado e o apagou para guardar.

- Uma delas era a minha irmã. Ela perdeu sua melhor amiga para uma das seitas e, desde então, sempre advogou contra elas. - tornou a olhar para a chuva, fitando o céu dessa vez - Há três semanas ela sumiu. Localizei um edifício que a seita usa aqui em Lilycove, mapeei o que pude à distância, mas não sou um bom treinador ou lutador ou qualquer coisa do tipo. Não tenho os meios de salvá-la. - com os olhos cheios d'água, o rapaz tentava disfarçar a emoção na sua voz - E eu jamais pediria isso a alguém que nada tem a ver com isso, mas... Preciso que me ajude. Por favor.

Lilycove

Mais uma vez a humildade de Lysander acertava o rapaz como um Thunderbolt - não só ele ficou meio balançado e suas alvas bochechas coraram, como as características esmeraldas janelas d'alma brilharam quando o rapaz terminou de falar. O mono treinador não sabe disso, mas certamente existem muitos e muitos fãs seus espalhados por aí, já que suas conquistas sempre eram televisionadas, então, é normal acreditar que seja intocável. Oras... Já viu como é o universo desses contesteiros? É um mais metido que o outro.

- ... - aqui foi a primeira vez que Lestrange viu o rapaz sorrir; um sorriso de agradecimento, mas que brilhava em sua bela feição - Obrigado, Lysander. - esticou a mão para que o monotreinador apertasse - Eu farei melhor... O levarei lá e darei todas as informações. - suspirou - É do outro lado da cidade, então, podemos ir de carro. - buscou a chave em seus sobretudo e sinalizou para que o moreno o acompanhasse - Posso parar brevemente no Centro Pokémon para que se prepare.

Por sorte, o veículo do rapaz era um grande SUV, que cabia Bacchus e Freyr tranquilamente nos bancos de trás. No caminho, o misterioso continuou a falar um pouco sobre os cultos e como são perigosos para toda sociedade, além de, claro, sua relação com sua irmã. A pausa no Centro Pokémon foi rápida para que Lysander ajeitasse seu time e logo seguiram na direção norte da cidade.

Ao se aproximarem de uma região um pouco mais periférica, o rapaz parou seu carro algumas quadras de distância de um prédio visivelmente abandonado. As ruas não estavam vazias, mas pelo o que Lysander reparava, quase nenhuma transeunte seguia na direção do tal edifício - muito provavelmente por não ser permitido.

- O lado de fora é vigiado pelos lunáticos, mas não acho que seja um problema para o seu grandão aqui atrás. - o rapaz dizia; ao olhar para trás, Bacchus estava entretido desenhando figuras no vapor do vidro - Er... Eu acho? - riu - Vamos?

Lilycove

Apesar de toda figura ameaçadora de Pangoro, digamos que o medo que ele colocaria em qualquer um era contrabalanceado pela fofura que emanava de Freyr. O pequeno ainda estava aprendendo todo o processo de ser, de fato, um urso e usar seus punhos e seus ataques corretamente, o que garantia momentos tão engraçadinhos que todos ali presentes guardariam na memória.

Quer dizer, quase todos.

Ao saírem do carro, o misterioso rapaz sinalizou para que caminhassem na direção contrária, talvez buscando uma entrada mais "tranquila" do que simplesmente ir de frente e entrar direto na barriga da besta.

- Tem um terreno baldio aqui. Mais fácil pelos fundos. - foi o que se reservou a dizer, pulando uma cerca com certa dificuldade por conta de sua roupa - Tem um que ronda aqui, lidarei com ele. Vocês passam desapercebidos e a entrada dos fundos está logo ali.

A situação aqui era a seguinte: o terreno, diretamente na parte de trás do edifício que queriam entrar, estava de fato abandonado há tempos. O lugar era insalubre, com gramíneas tão grandes e altas que algumas até mesmo ultrapassavam a altura de Lysander; focos de água parada eram um paraíso para as microbacterias que provavelmente se acumulavam ali e, bom, o caminho era um só: para a frente. O misterioso rapaz correu diretamente para a direita, chutando um barril enferrujado largado ao tempo, o que fez com que chamasse a atenção de quem quer que estivesse ali.

Inclusive, Lysander não havia reparado, mas de fato havia alguém ali. Uma pessoa totalmente vestida de preto e com maquiagens também pesadas, passou quase na frente do monotreinador e seus pequenos, que por sorte foram camuflados pela vegetação. À distância poderiam ver o rapaz atraindo o cultista para longe.

Caminho livre, então, né?

... Não exatamente.

Ao chegarem no final do terreno - que tinha uma parede derrubada para o prédio - foram avistados por dois cultistas, esses que já se preparavam com duas esferas metálicas, uma cada um, para lidar com os invasores. Atrás dos mesmos uma única porta que denunciava a entrada para o edifício abandonado e caindo aos pedaços.

- Já vimos você. Você só sairá daqui morto pelas mãos de Gilatina!

Lilycove

Apesar do rostinho angelical (e lindo!) de Lysander, sua expressão denunciava que não estava para brincadeira, certamente se garantindo contra o que quer que os cultistas tivessem em mãos. Uma situação dessa deixaria qualquer um pouco balançado, certo?

... Mas você já conheceu alguém que sofreu lavagem cerebral?

Os olhos dos cultistas eram vazios, cansados, ao menos pelo que o monotreinador conseguia ver à distância. Suas vestes acusavam o descaso que tinham consigo mesmos, com roupas rasgadas, aspecto de sujos e, bom, um cheiro não muito agradável que Lestrange sentiria dentro de alguns segundos. Aquela ameaça do moreno não significava nada: suas vidas já eram esvaídas daqueles receptáculos, com suas almas já entregues a Gilatina. Isto é, talvez não na forma mais literal da palavra já que Lysander sequer sabia se isso acontecera ou não, mas mentalmente. Aquelas pessoas certamente já haviam desistido de suas famílias, amigos, trabalhos, tudo - eram ninguéns a esse ponto, já que muitas famílias sequer conseguem descobrir onde os "convertidos" por cultos estão.

- O Nosso Senhor irá ensiná-lo o que é respeito! - dizia o primeiro, com uma voz masculina um pouco fina - Quando você ouvir A Palavra se juntará a nós, nem que seja à força! - o segundo já possuía uma voz um pouco mais grave; graças as maquiagens e as roupas, Lysander não conseguia exatamente identificar suas feições - Vamos!

Uma do que parecia ser a primeira de grandes surpresas da noite acontecia agora: assim que lançaram suas esferas metálicas para o alto, o raio translúcido branco parecia transformar-se em meio ao ar, revelando após um leve delay duas figuras bem conhecidas por Lysander, Bacchus e Freyr. A diferença aqui eram suas expressões nada amigáveis - indo totalmente o contrário do que seus ursinhos eram. Se o rapaz não fosse um treinador experiente, certamente ficaria confuso com o que acontecia, mas é provável que já sabia do que se tratava.

Lilycove

Na mosca, como já esperado pelo rapaz: com tanta experiência em batalhas e contests e outras coisas mais, era fácil para identificar seus adversários. Lysander não conhecia, mas o próprio Gilatina tinha um rosto meio... Esquisito. Se é posso dizer isso ou os cultistas irão me pegar também.

... O que importa é que pelo menos os cultistas se mantinham em um tema, né?

Estética é tudo, até para quem teve lavagem cerebral e abandonou suas famílias.

Brincadeiras à parte, a situação era um pouco complicada. Veja bem, lutar contra um clone seu é no mínimo esquisito para quem nunca passou por isso, como o caso de Freyr, mas as circunstâncias também não eram das melhores. A chuva incomodava, o ambiente insalubre também, além dos barulhos que o monotreinador ouvia no terreno baldio, muito provavelmente provenientes de um embate entre seu colega misterioso e um dos cultistas. Do lado de cá, os malfeitores usavam dois dispositivos: o primeiro para saberem os golpes que seus Pokémon tinham e o segundo era uma espécie de transmissor bem grande. Caso Lysander decidisse olhar sua mochila ou onde quer que suas outras Pokébolas ficam, veria que estavam bloqueadas por raios de energia púrpuros.

Bacchus e Freyr eram tudo que o rapaz tinha para segurar sua barra.

- Duplo Brick Break no Pangoro! Gunk Shot e Thunder Punch no Teddiursa!

Sua batalha, no entanto, começava com força total: Bacchus era o mais rápido e lançava-se contra sua cópia com tanta pressão que arremessou o impostor contra a porta que, bom, era o objetivo de seu treinador alcançar. Devido o impacto, ela amassava e abria - tudo friamente calculado ou uma coincidência do destino?

No entanto, o atingido ao invés de revidar o ataque no fiel escudeiro de Lestrange, decidiu avançar sobre o pequeno Freyr com um Gunk Shot. Por sorte, o pequeno conseguia desviar escorregando em uma poça d'água... Não era a forma mais elegante de escapar de um ataque, mas parece ter o salvado por enquanto, mesmo que tenha o sujado todo de lama. O ursinho revidava com um Fire Punch desajeitado, enquanto sua cópia atingia Bacchus pelas costas com um Brick Break.

- Renda-se e venha ouvir a palavra! Seja salvo antes que seja tarde demais!

Você já viu uma briga de ursos? Pois é. A batalha era dura de se ver, digna de algum filme Oscar bait dirigido por um diretor prestigiado. Os quatro ursos, impostores ou não, estavam com seu corpo completamente coberto pela lama - seus grunhidos e rosnados ecoavam pelo aberto local, tudo enquanto a chuva tornava o local ainda mais mórbido. Agora, a cópia foi a primeira a atacar, acertando o pequeno Freyr com um Thunder Punch que o desacordou de imediato. Bacchus até tentou impedir, porém quando chegou seu pequeno ursinho já tinha sido atingido - revidou com outro Drain Punch bem colocado, que derrubou seu impostor. Por fim, o Teddiursa falso acertou-o com um Brick Break, outra vez em suas costas.

Agora sim, meus amigos, vinha aquela cena que passa em todas as premiações e rende bons prêmios para os atores, sabe? Bacchus bufou e olhou de relance para trás, irritado. Um trovão iluminou os céus e com um rugido tão alto quanto o próprio fenômeno da natureza, o urso mostrou os dentes e pegou o pequeno impostor com ambas as mãos.

O que ele faria agora?

... Dependeria de Lysander.

- Duplo Brick Break novamente!