O homem estava ajoelhado no chão, em frente a uma lapide destruída. As lagrimas escorriam em sua face, os olhos cerrados e as mãos nas laterais da cabeça, fazendo pressão. Não queria ver, não queria ouvir, mas isso era tão difícil...
-Papai, porque está chorando?...
Os orbes castanhos se ergueram relutantes, visualizando a menina. As lagrimas que deslizavam deixavam as coisas um pouco fora do foco, mas ele a reconheceu. Os cabelos castanhos e lisos, os olhos cinzentos iguais aos da mãe. Parecia tão viva... Ela se aproximou e ele a abraçou com força. Não queria perdê-la nunca mais.
-Papai... Ta doendo muito...
O homem estremeceu, apertando-a ainda mais. Desejava que ela nunca mais partisse, mas o corpo da filha foi amolecendo. Os pequenos braços caídos ao lado do corpo, a mancha de sangue surgindo nas costas, sujando o lindo vestido branco, escorrendo entre os dedos do mais velho que entrava em pânico.
-Por favor... Acorda...
Implorava baixo, sussurrando no ouvindo da menina. As lagrimas deslizavam pelas maças do rosto, caindo na face fria do cadáver. Ela se desfazia em sangue na frente do homem, até finalmente sumir. Ele tentava agarrar o pequeno corpo de todas as formas, mas mais uma vez ela escapava dele. Agora ele só podia aguardar a nova lapide e a nova morte de sua filha, vivendo neste ciclo infinito. Não tinha o direito de pedir socorro, de dizer chega, nem mesmo de morrer. Aquilo iria continuar torturando sua alma pela eternidade.
Suspiro pesadamente...
Perdoe-me...
Não quis te forçar a ver teu bem mais precioso partir das piores formas possíveis...
Não posso parar isso...
Ouço-o chorar e implorar por misericórdia, mas não ha nada que eu possa fazer...
A garota corria entre a mata desesperada. Tentou gritar, mas sua voz parecia ter se extinguido completamente. Fugia das trevas que a perseguiam. Estava ofegante, espinhos se enrolando em suas pernas e as mutilando, mas ela continuou correndo.
Seus olhos azuis se focaram na pessoa mais adiante. A mulher mais velha que ela, andando em frente lentamente. Tão perto, mas tão difícil de alcançar...
-Mamãe, me espera!
A garota gritou, correndo na direção da mais velha, a mão esticada em sua direção, mas por mais que tentasse, não conseguia alcançá-la. Estava tão tortuosamente próxima, mas ainda assim, fora de seu alcance. Olhou para trás e seu rosto ficou pálido. Uma onda de almas negras se erguia em sua direção, chamando, sussurrando seu nome. As faces agoniadas, convidando-a a se juntar a eles. Ela gritou por sua mãe novamente, mas foi engolida nesse mar caótico.
Eu não queria ter esta maldição...
Não queria prender todos que encontro nestes sonhos...
Agora eles estão presos...
Em pesadelos...
Um rapaz se via acorrentado ao chão. As correntes pareciam ganhar vida, se enrolando nele, imobilizando e estrangulando. A respiração era difícil o garoto sentia o ferro começando a dilacerar sua carne. As gotas de sangue escorrendo das feridas e deslizando pela pele, sujando as vestes. Embora a dor física, nada superava a cena que se desenrolava a sua frente.
-Não faz isso!
Ele gritou com todas as suas forças, mas o grito que se sucedeu foi mais alto. O berro alto e agudo, enquanto o corpo de uma mulher caia ao chão. A garganta cortada, os olhos perdendo o brilho, fitando-o uma ultima vez. O rapaz tentava alcançá-la a todo custo, mas a cada tentativa, as correntes o seguravam com mais firmeza. Ele sentia alguns ossos trincarem, a carne ferida, mas ainda se debatia.
-Por quê? Por quê?!
Ele gritou, vendo outro corpo caindo bem a sua frente, desta vez de um homem. A mesma ferida fatal da mulher. O desespero dominando o rapaz de apenas doze anos. As lagrimas escorriam por sua face.
-Mãe, pai, por favor, não me deixem...
Ele suplicava para os corpos, cuja vida havia abandonado por completo. O desespero dava lugar à fúria, quando um homem de mascara aparecia. A faca ensanguentada, os olhos mirando o mais novo, sem mostrar alguma emoção. Não parecia triste, arrependido, feliz, orgulhoso. Era vazio...
-Eu vou matar você!
O garoto jurava, sendo cada vez mais esmagado pelas correntes, que pareciam tornar-se mais ásperas, conforme feriam a pele e a carne do menor. O mais velho se aproximou dele, abaixando-se, ficando em uma altura próxima. Removia a mascara, revelando a face idêntica ao do rapaz imobilizado. O choque e o espanto no rosto.
-Foi você quem os matou. Um dia se tornará neste monstro que tanto odeia...
As palavras do assassino foram um golpe forte para o jovem. Ele gritou desesperado, implorando para alguém ajudá-lo, chamando por seus familiares. O chão embaixo de si parecia se abrir, fazendo-o cair. Os ossos se partindo com o impacto da queda. O jovem estava todo quebrado e mutilado, não podendo fazer nada além de gritar, enquanto seus próprios pais jogavam terra no buraco onde estava, enterrando-o vivo. Culpando-o por suas mortes...
Eu fiz de novo...
Sem querer, condenei mais uma criança...
Porque eu tinha que ter esta habilidade maldita?
Não aguento mais, devo encontrar a única que pode salvá-los...
Vou procurá-la e assim, me redimir com vocês...
Uma criança se encolhia tremula. Os olhos arregalados, mas estava tudo tão escuro, que não conseguia ver nada. Nem suas mãos eram visíveis para seus olhos. Se abraçava, sentindo-se como se nadasse no nada. Tremia de frio. Era assim o mundo onde vivia, negro e frio, mas não vazio.
A pequena tentava ver, sem êxito, a origem dos diversos rosnados que a rodeavam. Sempre presentes, sendo medonhos. Como se as criaturas mais medonhas estivessem bem ao seu lado, provocando, sabendo que a criança não poderia vê-las por mais que tentasse. A jovem apoiou a cabeça nos braços, chorando baixinho. Perdeu a contagem do tempo que estava ali, apenas na companhia das criaturas misteriosas, rezando para que a matassem logo e acabassem com esse vazio. Que o frio e o negro acabassem, mesmo que isso custasse seu ultimo suspiro...
Não me entenda mal, faço isso apenas para me proteger...
Tantas pessoas me interpretam de forma errada e me atacam, não tenho escolha...
Preciso me defender...
Acidentes acontecem, não sou perfeito...
Quando eu estiver passando, por favor, não saia de casa...
Vamos tentar evitar que a lista de pessoas amaldiçoadas por mim, acabe crescendo...
É, não saia de casa, até que eu tenha ido embora, certo?...
A não ser, que deseje ficar preso em seus pesadelos...
Um rapaz estava irritado e angustiado. Sua irmã no hospital, gritando enquanto se encontrava prisioneira de um pesadelo que nunca terminava. Era comum ver as lagrimas escorrem da face dela, cortando o coração do rapaz. Ele perseguia o responsável por aquilo, desejando vingança. Os olhos dele se focaram no corpo negro do Pokémon Escuridão, reconhecendo-o.
O jovem se descontrolava, correndo na direção do lendário com uma pokébola em mãos. Gritava, dizendo que o faria pagar. O causador dos pesadelos não pensou antes de se proteger, vendo o corpo do rapaz cair no chão, preso em um pesadelo. O Pokémon abaixou os ombros, o olhar entristecido.
Porque não ficou dentro de casa?
Porque me perseguem, sabendo que faço isso?
O que posso fazer? Não importa para onde eu vá, parece que alguém está condenado...
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Uma mulher sentava no sofá confortavelmente, suspirando cansada, mas tranquila, enquanto ligava a televisão e assistia as noticias. Olhou para a pequena mesa, onde havia um porta-retratos da família, sorrindo enquanto acariciava delicadamente a imagem da criança de 10 anos, agora treinadora Pokémon, viajando pelo mundo. O coração apertava, andava tendo um pressentimento ruim, sempre que pensava no assunto.
Virou o rosto novamente para a tela, quando ouvia uma mensagem urgente. A repórter tinha um olhar preocupado, observando fixamente a câmera que a filmava.
“Atenção a todos, uma noticia urgente! Já é do conhecimento de alguns, que um Pokémon misterioso tem aparecido pelas rotas e cidades de forma aleatória. Descobrimos que ele está relacionado diretamente com os diversos casos de comas de toda a região. Não tentem atacar ou capturá-lo, é muito arriscado. Indicamos que todos fiquem dentro de suas casas quando houver suspeitas de que ele esteja por perto. Iremos passar as fotos das ultimas vitimas deste Pokémon, aqueles que reconhecerem alguém, por favor, ligue para...”.
A mulher parou de prestar atenção, olhando as fotos com atenção. Suas mãos suavam, seu corpo trêmulo. Rezava para que sua criança não estivesse na lista, mas o pior aconteceu. Seus olhos se arregalaram e o Pokémon negro, culpado pelos pesadelos, só pode ouvir o grito de mais uma mãe desesperada.