Próximo a saída norte de Littleroot, em torno de 9h da manha, Lorrigan viu Birch despedir-se e retirar-se de modo a retornar às suas atividades. Ficou observando enquanto este se afastava, os dedos passando entre as mechas lisas de seu cabelo, pensativo. Aquilo realmente o intrigara. Todo aquele diálogo e comportamento do professor com relação a ele foram completamente inesperados. Afinal, apesar de não ser tão conhecido na época e provavelmente estar iniciando as pesquisas em sua área acadêmica escolhida, Birch tem a cidade das pequenas raízes como sua cidade natal e, portanto, obteve conhecimento do incidente da criança amaldiçoada, modo como o caso ficara conhecido na época. E então, ali naquela exata mesma cidade e frente à própria criança amaldiçoada, ele não esboçara reação nenhuma. Nenhum sinal de reconhecimento ou de repúdio, atitude a qual Lorrigan estava habituado a perceber nos olhares das pessoas sobre ele, transparecera perante a breve conversa travada entre os dois. Nada. Ele simplesmente não conseguia entender. Sua aparência mudara tanto no passar desses 11 anos em que estivera fora da cidade morando com a velha Sadie, em Oldale? Porém, mesmo que essa fosse uma das motivações, o seu cabelo, mesmo muitas vezes mais comprido, ainda era impossível de não ser reconhecido. Negro feito piche e serpenteado por mechas púrpuras em toda sua extensão, era a única característica física a qual as pessoas se referiam quando, nas raríssimas vezes em que o faziam, falavam sobre a criança amaldiçoada. Na maior parte do tempo fingiam que ela simplesmente não existia, agiam como se ele fosse uma simples peça do cenário da cidade. Dedicavam-lhe tanta atenção quanto dedicariam a um arbusto ou uma pedra na beira da estrada, quase como se fosse invisível. Por muito tempo Lorrigan sentiu vontade de odiar aquele cabelo, aquele traço maldito qual, sem que o menino fizesse a menor ideia do porquê, o fizera passar por tanta desgraça e sofrimento e o levara a ver seu irmão morrer na sua frente, mergulhado em uma poça do próprio sangue. Sangue esse que ficara gravado na memória do garoto, imantado naquelas gotas espirradas em seu rosto, quando a faca deslizara próxima a seu pescoço momentos antes de, em um último esforço sobre-humano, Kane salvá-lo novamente do assassino. A única coisa que o impedira de odiá-lo foi o fato de aquele cabelo ser a única memória que lhe restava de sua mãe. As lembranças de brincar com aquelas mechas bicoloridas enquanto era amparado no colo e ouvia palavras que aqueciam seu coração ou os tons de preto e púrpura esvoaçando quando ela o deixara aos cuidados de seu irmão e partira apressada, dizendo que um dia voltaria e explicaria tudo.
Aquela série de pensamentos permeados por memórias passaram por sua cabeça em uma rápida sucessão e lhe trouxeram sentimentos distintos de raiva e incompreensão, de modo que essa incongruência nas atitudes de Birch o levaram a julgar a situação erroneamente e a descartar, no momento, a possibilidade de que o professor possuísse alguma informação relevante com relação ao acontecimento de 14 anos atrás. Pensamentos estes interrompidos por um chamado com um tom levemente alterado de Kane, o Gastly que Lorrigan acredita ser a alma de seu irmão que permaneceu a seu lado após sua morte para protegê-lo e acompanha-lo, demonstrando certo descontentamento. Aparentemente, aquela não era a primeira vez que ele interagia com o mancebo naquele momento e era ignorado enquanto o outro estava perdido em pensamentos.
— Perdão Kane, eu me distraí por um momento. Você viu como a reação dele foi estranha? Ele agiu como se fosse a primeira vez que soubesse da minha existência! — O jovem proferiu, em um tom de voz levemente elevado, apontando para a direção que o professor tomara, já que este não estava mais no seu campo de visão, e continuou, em um tom mais moderado — Com a repercussão que houve, me parece impossível que um morador de Littleroot desde aquela época não saiba do incidente. Não sei se fico feliz ou surpreso.
Gastly tornou a observá-lo, agora que estava prestando atenção, com um tom levemente acusador. Haviam combinado de permanecer naquela cidade somente o tempo necessário para obtenção da Pokédex e demais itens e já estavam se estendendo. Desmaterializou-se e materializou-se alguns metros a frente, mais próximo ainda da divisão composta por árvores e fazendas que marcava o fim da pequena cidade e o começo da Rota 101. Vira seu mestre passar por maus tratos suficientes naquele lugar e não tinha desejo de ficar ali mais tempo. Lorrigan entendia seu sentimento e, sinceramente, compartilhava dele. Também não se sentia bem naquele local e não queria ficar mais muito tempo por ali. Pediu um momento a Kane e retirou seu casaco branco e, dobrando-o para que não arrastasse no chão, amarrou-o na cintura. Remangou, em seguida, sua camiseta social preta e deixou a mostra um elástico de cabelo branco preso ao pulso, elástico esse que foi utilizado de modo a prender seu cabelo em um rabo de cavalo onde sobravam duas mechas, de cores distintas, pendentes uma de cada lado do rosto. Iniciou uma corrida leve, afagando a cabeça de Gastly na passada.
— Tudo bem, vamos sair daqui. Também não suporto muito mais este lugar. Bom, com nosso nível atual acredito que não estejamos nem perto de conseguir a sua vingança, ainda mais com este déficit de informação. — Pronunciou, abrindo uma leve distância do pokémon que o observava — Podemos começar melhorando nossa velocidade enquanto não descobrirmos nada novo, provavelmente será um dos nossos pontos mais fortes futuramente. Vamos lá, me acompanha.
E acelerou um pouco mais a velocidade de seus passos ritmados. Porém, foi alcançado facilmente pela criaturinha flutuante que agora seguia ao seu lado enquanto corriam em rumo a Rota 101. Seu rabo de cavalo balançava seguindo o ritmo dos passos. No momento seguinte rompeu a cadência, hesitando um passo, quando Kane desmaterializou-se e apareceu alguns metros a frente, olhando com um ar de leve superioridade para trás ao ver a distância obtida entre Lorrigan e ele.
— Ei, isso é trapaça. Me acompanha de maneira justa, por favor. Senão como você vai poder se gabar da sua vitória? — Disse. E sorriu, ao ver um ar de determinação tomar conta do semblante da criaturinha gasosa.
Enquanto disparavam em uma velocidade moderada em direção a extensão da Rota 101, o mancebo exercia seu velho hábito de, mesmo concentrado na tarefa atual, manter-se observando tudo a que lhe compreendia seu campo de visão. Um hábito que fazia a velha Sadie dizer que ele possuía "Olhos inquietos". Necessitava de quantos detalhes fossem possíveis de modo a saciar sua ansiedade. Lhe parecia que alguma coisa sempre estava prestes a dar errado e, infelizmente, ele gostaria que estivesse errado mais vezes. A Rota 101 fora tranquila na ida, mas o que ela reservaria para o retorno deles?
Spoiler :
Oi pessoa que vai narrar pra mim, bem vinda haha. Eu tentei dar uma base da minha história mais aprofundada nas memórias aqui e começar a treinar aos pouquinhos a minha velocidade e a do Gastly também. Eu não sei muito bem como funciona quanto ao desenvolvimento da história e à quanto o meu background afeta o mundo, então, se tu puder me explicar como tu acha melhor pra gente trabalhar junto, eu ficaria feliz. Abração o/