Uma luz vermelha. Uma promessa não cumprida.
— Filho... Você precisa entender... Ela está em um belo lugar... Mas não aqui... Não mais
Dizia a senhorita de cabelos longos, lisos e negros, com algumas mechas inclusive tampando seus olhos e grande parte do rosto. De sua face semi-oculta, apenas lágrimas caiam, vez ou outra, indo encontrar o assoalho de madeira e desaparecer. Suas mãos de dedos finos e delicados, um deles adornado por uma aliança dourada e lustrosa, seguravam um frágil rosto de criança com a mesma delicadeza que a compunha. Esta pequena alma, por sua vez, possuía os mesmos cabelos da mulher, mas em uma expressão pálida e ímpar. Seus olhos estáticos eram de um belo azul misterioso, opaco e surpreendentemente sem vida, apesar de encantador. A boca infantil estremecia em lábios finos e ressecados, até que palavras eclodiram:
— Ela prometeu. Ela me prometeu, você não entende? A gente ia para Newbark amanhã, mãe! Ela só tá se escondendo, mas eu vou achá-la! — Retrucou firmemente a criança, antes de se desvencilhar das mãos de sua progenitora e sair em disparada pela porta shoji* da residência.
— Thuomas! Volte já aqui! Thuomas!!
As pernas curtas dobravam uma esquina, escorregando na superfície molhada. Em zigue-zague enganavam os arbustos do jardim interno e poucos passos depois já podiam sentir a maciez gélida da neve. Mas não eram só seus pés que perdiam calor. Pouco a pouco todo seu corpo parecia abraçado pelo frio implacável do inverno de Johto. A Floresta Negra de Ecruteak acolhia aquela criança em sua escuridão e deixava os gritos de desespero de uma mãe para trás, cada vez mais sussurrantes e diluídos pelos sons da natureza selvagem.
A caminhada era difícil para o pequeno rapaz, mas sua corrida sem rumo em busca de sentido precisava ser concluída por algum motivo, de alguma forma. Vida e morte eram complexos demais para uma criança desta idade compreender. Contudo, sentimentos não pediam explicação para existir, nem o vazio que o corroía por dentro escolheu idade antes de doer.
Zoom. Junto do início da câimbra, um rastro solitário e indescritível surgiu à sua frente, mas como? Os olhos cegos jamais viram algo parecido. Jamais viram.
Choro. E o choro não era de medo, era de raiva, de impotência, de solidão.
Os pés passavam a obedecer as pernas e fizeram o menino parar. Sentado agora na base de uma árvore velha e deteriorada, desabou. Suas mãos passaram a cobrir os olhos e, aos poucos, se tornou o único som daquele lugar. Uma a uma, as criaturas da noite pararam o que faziam para apreciar.
A luz vívida então voltou, dessa vez sem que o garoto pudesse percebê-la. Em um voo animado, o spot contornava as proximidades do rosto da criança até parar completamente. Ao redor desta, materializou-se em sua verdadeira forma. Ou seria apenas a forma mais apropriada? Ao abrir os olhos cansados e inchados, Thuomas estranhamente podia mais uma vez enxergar a esfera luminosa pintada sobre uma constante escuridão, mas não via a face em forma de caveira dentada, muito menos o manto etéreo de trevas que o acompanhava. Agora lhe fazia sentido, era a lanterna de Lira que veio encontrá-lo.
— Li... ra... Não quero... mais brincar disso... — E com um sorriso em seu inocente rosto, Thuomas tentou esticar os braços para alcançar sua irmã. Porém ela partiu e não mais cumpriria sua promessa de uma nova jornada em família. O garoto então apenas fechou seus olhos e desfaleceu perante as intemperes do inverno.