001 — Na floresta

Num primeiro momento a cena causou comoção em Charlie que chegou a dar um passo em direção à clareira, mas Ethan estava ali para pensar com um pouco mais de frieza e, assim, elaborar uma estratégia que os prevenisse minimamente.

Funcionou, já que ao rodearem a rocha eles não encontraram nada além de grama recém pisada num único trecho, que poderia pertencer à própria figura chorando ali no meio. Entretanto, gastaram tanto tempo achando formas de andar em círculo discretamente e sem perder o fio da meada - literalmente - que quando chegaram a uma conclusão a pessoa havia parado de chorar. Agora um pouco mais calma, apagava as coisas ao seu redor e as recolhia. Ainda assim, os amigos arriscaram uma aproximação e finalmente foram notados.

– Quem tá aí...? – perguntava com a voz fina e suave carregada de susto.

Pela pessoa não estar mais encolhida os garotos poderiam vê-la com clareza. Tinha o rosto com traços bem finos e delicados, cabelo verde que lhe caía até a cintura, e vestia uma peça única similar à uma túnica branca - visivelmente suja de lama em alguns pontos -, com um cinto de corda dourada na cintura.

Ver um rosto que inspirava ingenuidade e gentileza, junto a um sorriso, fez a figura magra e excêntrica suspirar fundo e relaxar, ficando nitidamente mais tranquila. Entretanto, quando Ethan se mostrou sisudo ela assumiu uma expressão mais desconfiada.

– Uhm... Vocês estavam aí há muito tempo é? – questionava, já que tinha parado de chorar há alguns minutos, enquanto os garotos vasculhavam a mata – Antes fosse um problema com selvagens, mas nem...

Quando reuniu as velas e incensos já apagados, se deslocou de volta pela grama, agora recolhendo com certa pressa os outros acessórios que estavam pelo chão. Colocava tudo numa dobra da própria manga da roupa, que improvisou como uma sacola. Sempre que dava um passo encarava os treinadores nervosamente, principalmente o mais velho que tinha o olhar mais frio e sério.

– Err... Eu vim aqui meditar. – respondeu o questionamento de Ethan depois de ponderar e refletir – Mas alguém achou que seria a melhor oportunidade pra roubar minha bolsa, então não se preocupem eu não tenho nada além de velas... Podem ficar se quiserem e... – pela voz dava para perceber que voltava a ficar emotiva – Desculpa, eu preciso ir atrás de quem fez isso. Meu Pokémon tava naquela bolsa e... Droga! – esbravejou quando, pelo nervosismo, deixou cair de novo alguns dos itens no chão.

As personalidades opostas de Charlie e Ethan causavam naquela pessoa uma reação igualmente dual. Era notável pelo tremor das mãos e as lágrimas que ela estava nervosa e desconfortável, mas ao mesmo tempo lançava olhares quase suplicantes na direção do ruivo, como se estivesse buscando qualquer sinal de empatia e segurança ao qual pudesse se agarrar e, definitivamente, abrir-se e pedir ajuda.

Para a surpresa daquela que chorava, os treinadores demonstraram solidariedade ao seu problema e Charlie inclusive tomou a iniciativa de ajudá-la a juntar os objetos. Ali os jovens usavam de outra forma suas qualidades divergentes, então o ruivo tentava acalmar a vítima, enquanto o mais sério mantinha a frieza para ter mais informações e possivelmente elaborar um plano.

– Eu... Eu sou Ariel. Muito obrigada. – respirou fundo para recuperar a calma e conseguir clarear os pensamentos, pois de outra forma desataria a chorar só pelas palavras de apoio – Ele foi naquela direção... Talvez não esteja muito longe.

Apontava na direção paralela a que os garotos seguiam antes de fazer o desvio, ou seja, indicava o Norte. Tentou arrumar do melhor jeito possível os itens, inclusive colocando alguns por dentro da roupa, de modo que o cinto impedia que caíssem. Depois, caminhou com alguma pressa e tinha o andar esquisito, como se saltitasse...

– Desculpem, se não fosse urgente, eu não estaria atrapalhando vocês... – murmurou timidamente.

Ariel guiou os garotos por dentro da mata com bastante determinação. Parava às vezes e gastava poucos segundos observando a vegetação ao redor. Parecia conhecer muito bem a floresta, ou pelo menos como se orientar dentro dela.

Em certo ponto o trio teve um impasse: o fio que Charlie usava para marcar o caminho estava prestes a terminar, não restando mais que dois metros dele. Naquele mesmo instante e pela atenção redobrada de Ethan, finalmente todos foram capazes de escutar gritos humanos vindo de uma área distante, mais à frente.

– Deve ser ele... - murmurou a de cabelos verdes, como se estivesse se esforçando para enxergar além, através dos grossos troncos, o que era claramente impossível - Deixem isso aí, eu trago vocês de volta pra cá. Ou levo até a Moss Rock, onde nos encontramos. É o mínimo que posso fazer se conseguirem me ajudar.

Tinham uma oferta, mas será que aceitariam? A corda era o principal recurso para que pudessem se guiar. Claro, ainda tinham a bússola com Ethan, e a noção de que a princípio estiveram seguindo para o Norte, apesar do pequeno desvio. Enfim, era algo a se pensar se quisessem continuar na perseguição.

Tirando da manga uma terceira opção, Charlie traçou um plano que faria uso das habilidades de Wurmple para que pudessem seguir independente das promessas da garota. Agora com o laço mais estreito com o treinador a lagartinha atendeu ao pedido e assim eles puderam seguir caminho, deixando para trás a seda do inseto bem atrelada ao fio.

Em instantes enquanto se aproximavam perceberam que os gritos davam lugar a gemidos e um curioso som de várias e sucessivas pancadas. Isto despertou um olhar intrigado por parte de Ariel, pois ela não conhecia ou não associava a nada lógico. Por isso ficou afoita, certamente preocupada com o que pudesse estar acontecendo com seu Pokémon roubado, então saiu caminhando às pressas.

Quando atingiram um ponto ótimo poderiam ver uma cena inusitada. Havia um homem caído no chão e era ele quem gritava e gemia, pois estava sendo atacado por uma horda de pequenos cogumelos esverdeados que se amontoavam dentro de uma rede de caça de fios grossos. Aparentemente tinham sido pegos em algum tipo de armadilha e agora revidavam no agressor, mesmo sem estarem livres de fato. Num canto, atrás de uma árvore um Pokémon baixinho, branco, com uma cabeçorra verde, observava tudo aos risos.

– Ralts! – Ariel não conteve a surpresa e gritou.

A voz da garota foi capaz de congelar toda a cena, porque tanto os Pokémon quanto o humano olhavam apreensivos para o trio que aparecia do nada entre os arbustos. Entretanto, o meliante foi mais ligeiro e aproveitou a distração para tirar os Shroomish de cima e, muito provavelmente, se preparar para fugir ou enfrentar todos...

– É tu sua maluca? Esse teu Ralts maldito... – ameaçou, fuzilando o Pokémon branco com os olhos.