Não, não é esquema de Pirâmide

A lâmina afiada do machado desceu com força sobre a tora de madeira, partindo-a em dois pedaços quase idênticos. A tarefa se repetia em uma contagem já perdida, um movimento síncrono e de precisão. O homem que empunhava a ferramenta estava com o torso desnudo, suado e com os músculos salientes pelo esforço, qualquer observador afirmaria que Will estava a mais de uma hora, no mínimo, cortando madeira.

Foi entre um corte e outro que ele ouviu o chamado vindo do alto. Parou para entender o que fora aquilo, erguendo a cabeça e procurando no céu de Cianwood com uma mão fazendo sombra nos olhos. A figura de um Dragonite aterrissou bem próximo, deixando todos em alerta até entenderem que a criatura não era uma ameaça, apenas um carteiro. Will aceitou a carta e viu o Dragão partir sem resposta, aquilo o intrigou. Limpou o suor da testa e caminhou para sombra, aproveitando o momento de descanso. Chesnaught e Electivire que estavam auxiliando o amigo a colocar a madeira na posição para o corte e depois empilhando as mesmas em um canto, aproximaram-se curiosos.

- É um desafio para participar de um labirinto com batalhas... – Comentou desinteressado, ultimamente vinha perdendo o gosto por aquilo. Por mais que ainda gostasse de batalhar, seus horizontes se expandiram e compreendeu que um Campeão era feito com muito mais do que Pokémon fortes. – Me parece uma perda de tempo – Voltou a caminhar na direção do machado para cumprir a tarefa que Chuck lhe dera, mas ao perceber a lamentação de seus dois Pokémon parou para ouvi-los. Ainda que não compreendesse suas palavras, entendeu seus desejos – queriam participar. – Muito bem, ai diz que devo responder imediatamente. Então vocês dois terminem de empilhar tudo. Acho que já adiantamos o bastante. Mais tarde Mestre Chuck vai mandar outros discípulos pegarem as madeiras cortadas. – Os dois correram para terminar a parte deles, enquanto Will pegava novamente o convite e o machado fincado na plataforma.

Alguns metros de onde trabalhava estava a cabana que seu mestre o emprestara para que se hospedasse sempre que ficasse na cidade. Na árvore próxima a varanda Shiva meditava em posição de lótus, como sempre, se não estava treinando o corpo, treinava a mente. Ao seu lado estava Hydreigon tirando um cochilo que precisou ser interrompido. – Kron, vá procurar o Drako e o traga de volta. Ele não deve ter deixado a ilha, pelo menos foi o que me disse... Tente não demorar, hoje vamos almoçar cedo. – O Dragão bocejou, mas não reclamou, levitando para longe enquanto farejava o ar. Quanto a Shiva, o jovem não quis incomodá-la, afastando-se para entrar na cabana.

- Muito bonito, em senhorzinho! – Parou ao lado da rede com as mãos na cintura vendo Cinderace jogando Free Fire no seu Rotom Phone. – Eu ali trabalhando e você ai curtindo a vida, só faltou a água de coco. – Seu Pokémon estava viciado em joguinhos de celular, criando um perfil chamado “SpeedRacer” para tudo quanto é jogo que entrava. O Rotom Phone já era mais dele do que do próprio treinador. Will tomou o celular dizendo que precisava dele e entrou no site que estava no convite, confirmando sua participação. Para sua surpresa, viriam busca-lo ali mesmo e o horário já estava definido. – Só mais uma hora, Bolt. Depois coloque o celular pra carregar. Acabamos de arrumar um compromisso.

Eles teriam pouco tempo, mas conseguiriam apertado. Will amolou o machado e o oleou antes de guardá-lo. Depois tomou banho e preparou sua mochila para encarar a Pirâmide. Só então dedicou seu tempo a preparar o almoço, algo rápido, mas nutritivo. Enquanto estava na cozinha, viu Charizard e Hydreigon se reunir com os demais na varando, estavam todos famintos... Após a refeição estariam pronto para partir. – “Vou precisar deixar um bilhete para o Mestre Chuck”

Terminado o almoço, Will tratou de escrever um bilhete rápido para o seu Mestre avisando de sua ausência, enquanto Shiva e Bolt lavavam a louça. O timing foi perfeito, acabaram seus afazeres e sentiram primeiro o tremor, depois o som estranho de algo voando. Todos correram para fora e se surpreenderam com o que viram. Não era só o tamanho, mas a forma da estrutura. Aquilo realmente voava? Se ele não visse, diria que era impossível.

Cinderace era o mais empolgado, correndo de um companheiro ao outro com olhos brilhantes, sacudindo a todos como que para despertá-los de seus transes. Então veio o desafio. Ora, o Karateka não pensou duas vezes, correu para dentro, agarrou sua mochila e passou a chave na porta ao sair. Ver a tecnologia empregada naquela Pirâmide o deixou animado, o desafio realmente parecia importante.

Will recolheu sua equipe para as Pokébolas, com exceção do Charizard e Hydreigon, pulando para as costas do último que possuía um voo mais estável. – Vamos subir, pessoal! – Lado a lado os dois Pokémon ganharam altura até se colocarem a 2/3 da altura da “nave”. – Drako, voe para o outro lado da Pirâmide e procure algum portal ou algo parecido com uma entrada. Se achar, lance um Flamethrower para o alto para que possamos ver e ir ao seu encontro. Se acharmos por aqui, Kron fara o mesmo para que você possa nos encontrar. – Charizard se afastou para procurar na face oposta da Pirâmide, enquanto Will e Kron olhavam a face em que estavam de cima a baixo. No caso de não encontrarem nada, iriam para a face ao lado, a terceira.

Eles chamaram o Drako quando Will percebeu que era inútil procurar por uma porta de boas-vindas. Quantas voltas deram na Pirâmide? Três? Até um voo por baixo ele fez quando lembrou do filme Independence Day. Tudo que lhe restou foram aqueles buracos que vira, se quisesse entrar teria que ser ao estilo gatuno.

Decidido recolheu o seu Charizard e voo com Hydreigon até o maior buraco que encontrou, fazendo o Pokémon parar a centímetros da abertura. Ele mediu a largura dos ombros e estudou o interior como podia até tomar a decisão que seria por ali que tentaria entrar. A primeira coisa que fez em seguida foi tirar a jaqueta, para evitar que ela prendesse em algo, e guardá-la na mochila, jogando sua bagagem para dentro do buraco. – Fique o mais estável que conseguir, Kron! – O próximo foi ele, que entrou de cabeça por ali até conseguir passar toda a cintura para a área estável, momento que se espremeu contra a “parede”, ficando de lado para sacar a Ultraball de seu Dragão do bolso e retorná-lo. A partir dai ele se arrastou/engatinhou pela passagem empurrando sempre sua mochila a frente, avançando cada vez mais para o interior. Seria aquilo ali de fato uma “entrada” ou só um engana trouxa? Se ficasse entalado, ferrou. Não só iria passar vergonha como também precisaria de ajuda.

Aquele lugar parecia não ter fim. Faltou bem pouco para ele dar meia volta e partir, mas a verdade é que mesmo que ele quisesse, não conseguiria, já estava perdido ali dentro. Restava continuar. Assim que a iluminação no túnel quase se extinguiu, ele girou sua mochila como pode e retirou sua lanterna, não que ela pudesse iluminar bem o caminho, sua função principal era não o deixar no escuro absoluto – sua mochila atrapalhava a visão a frente, mas de quando em quando ele apertava sua bagagem ao ponto de criar uma fresta para poder iluminar o caminho e ver por onde seguiria. Felizmente não era claustrofóbico, ainda assim sentiu alguns dos efeitos, como a sensação do túnel se fechando ao seu redor, o esforço extra para respirar e a quase certeza de que nunca sairia dali. Como sentiu falta de um Pokémon pequeno para auxiliá-lo, um Cyndaquil seria perfeito.

Quanto tempo ele passou ali dentro? Não fazia ideia, mas pareceu horas até a sua mochila cair pela saída. Ele não teve cerimonias em jogá-la para fora, agoniado, queria sair o mais rápido possível da passagem apertada. Mas eis outro problema, estava a 2 metros do chão e virado de cabeça, se simplesmente se deixasse cair poderia ter uma lesão craniana. Precisava se virar para pular ou fazer o que fez. Parou com a cabeça fora do túnel e respirou, acalmando a mente e descansando para se recuperar do esforço. Depois voltou a se contorcer até achar a Pokébola do seu Chesnaught, liberando-o lá embaixo e pedindo-o para que o ajudasse a descer. Thorin esticou os braços e o puxou, descendo-o como um médico a puxar um bebe durante o parto. – Valeu, parceiro! – Disse arfando, procurando uma toalha na mochila para secar o suor do corpo. – Mas que porra de desafio sem noção, mal tinha espaço lá dentro – Ok, a empolgação se fora, já estava odiando aquele lugar imaginando o que de pior ainda estava por vir. – Maldita hora que fui ouvir vocês. – Chesnaught juntou as mãos e se desculpou, mas não perdeu tempo em incentivar o Karateka a continuar. – Sim, sim... Agora que estamos aqui, vamos até o final.

Terminada a pequena pausa para descansar e beber água, eles prosseguiram pelo único caminho que tinham, por um lugar nada convidativo – “Será que todo mundo está entrando na Pirâmide desse jeito?” – Will resmungou mais um pouco até encontrarem o próximo desafio que dessa vez não envolvia esforço físico, apenas intelectual.

“É um jogo de lógica com tentativa e erro” – Pensou após ouvir a explicação do Rotom Drone. Ao olhar para o seu Chesnaught ao seu lado, viu o quanto ele estava desesperado com as mãos na cabeça. – Relaxa, garoto. Não tem relógio, podemos levar o tempo que precisar.

A charada de fato facilitou tudo, um réptil de Hoenn que escala paredes? Sua mente pensou logo no Treecko ou no Grovyle. Não conhecia tanto dos hábitos dos Pokémon, principalmente dos de Hoenn, mas o inicial Grass da região era um caso particular. Se hoje não tivesse um Chesnaught, provavelmente buscaria um Sceptile como representante da tipagem no seu time, sempre gostara desse Pokémon.

- Vamos trabalhar com um Treecko em mente. Se não conseguirmos nada, passamos para um Grovyle... – Agora vinha a parte cabulosa, sem um referencial, precisaria estimar um início e ir trabalhando as combinações até as peças não se encaixarem, o que o faria voltar a outro ponto de confluência para pegar outro caminho, tentativa e erro, sempre tentando ver a figura de um Treecko. Escolheu a linha 3 como partida, pois só aceitava duas soluções, a partir dai, foi encaixando as peças.

- Acho que é isso. Parece a carinha de um Treecko, não é? – Perguntou ao seu Chesnaught que virava a cabeça tentando entender a figura. – Se você se afastar, vai conseguir ver melhor. - Só após Thorin entender o que via é que Will confirmou a primeira tentativa.

- Bom! – Thorin respirou aliviado, ainda tenso com a resposta. Mas Will sabia que a figura correspondia a lógica numérica por trás, havia revisado pelo menos duas vezes antes de confirmar a resposta. A face do Treecko era a dúvida, no entanto, não conseguia ver outra figura possível.

Ele não hesitou um segundo sequer quando lhe foi dada as opções de pelúcia, como não tinha nenhuma específica em mente, escolheu a coringa, a pelúcia do Kirby – com aquela, teria duas.

- Vamos andando Thorin, me parece que estamos só no começo ainda... – Will recolheu a sua nova pelúcia e tomou a liderança enquanto andava pelo corredor. Assim que encontrou a segunda parede bloqueando o seu caminho, percebeu que estava em um novo labirinto. Entretanto, dessa vez, não precisava se preocupar em ficar entalado, o que era um alívio. Mantendo a calma e poupando energia, a dupla se moveu pelos corredores fazendo o melhor para não voltar ao mesmo ponto de partida. Andar por entre aquelas paredes iguais era uma tremenda confusão, mas com persistência, os dois finalmente encontraram algo novo, um salão com um campo de batalha Pokémon.

- Já estava achando que eles deveriam trocar o nome para Pirâmide dos enigmas – Brincou, vendo que o seu gramíneo lutador concordava. – Será que vamos enfrentar alguém agora? – Isso o fez lembrar que esquecera de organizar os itens de seus Pokémon. – Oiiiii, tem alguém aí? – Gritou ao pisar na quadra, girando sobre os calcanhares tentando encontrar alguém ou alguma passagem para poder continuar.