Martina Mendoza percorria as ruas de Eterna, a brisa noturna envolvendo-a enquanto seu Chimchar, ágil e inquieto, brincava ao seu lado. A luz dos postes iluminava os paralelepípedos gastos pelo tempo, revelando sorrisos satisfeitos nos rostos dos moradores que passavam por ali. Aos 20 anos, Martina sentia um peso leve nos ombros, fruto do esforço para juntar cada centavo necessário para finalmente conseguir sua própria casa. O sonho agora estava tangível, uma promessa no horizonte que a fazia caminhar com um misto de ansiedade e alegria contida.
O apartamento, modesto e acolhedor, refletia a personalidade da nova inquilina. Móveis fofos, cuidadosamente escolhidos, preenchiam os espaços, conferindo um ar peculiar ao ambiente. A mudança, auxiliada pelos pais que insistiam em retê-la sob suas asas, culminava na primeira noite solitária na morada recém-adquirida. Nas mãos, sacolas plásticas revelavam os ingredientes simples, mas promissores, para uma refeição especial: macarrão, alho, manjericão e uma passata de tomate. Um jantar celebração se desenhava. Entre os itens, um pacote de poképoffins, abrigado em uma lata metálica cor-de-rosa, aguardava para ser presenteado a Vulcan, o Chimchar companheiro.
A menina, rotulada como a filha dos relojeiros locais, carregava consigo a reputação de ser tão volátil quanto um relógio antigo. Temida pelos rapazes e moças da cidade, sua natureza explosiva era um obstáculo ardente erguido contra as constantes ondas de insegurança que a assombravam. Enquanto os outros viam apenas o fogo, ela entendia que aquelas chamas eram a única defesa contra os martelos incessantes de seus próprios pensamentos. Cada tic-tac mental a guiou cuidadosamente por mais de um ano antes de tomar a decisão de mudança, uma escolha que transcendeu o tempo meticulosamente ponderado de seus pais relojoeiros.
O segundo andar do prédio que abrigava a mercearia era o modesto lar que conquistara, cortesia de um acordo camarada com seus patrões, Luther e Kont, um casal peculiar e amigável. No interior, o espaço compacto contava a história de um lar improvisado, onde sonhos maiores flutuavam, mas o amor pelo trabalho ao lado de seus empregadores era uma constante que ela apreciava mais do que admitiria em voz alta.
Ao retornar para casa, Martina deparou-se com uma surpresa inesperada. Kilin, sua melhor amiga, ocupava o espaço, apresentando um bolo confeitado com maestria, ostentando tons brancos e detalhes dourados, e a palavra "Parabéns" escrita com firmeza em glacê. Apesar de fingir indignação pelo intruso em seu apartamento, Martina não conseguia esconder a genuína felicidade. Entre risadas e brincadeiras, prepararam juntas o macarrão que compartilharam, enquanto Vulcan e Torrone, o Turtwig de Kilin, desfrutavam avidamente dos poffins oferecidos.
Por horas, as duas amigas se entregaram a uma conversa animada sobre o futuro, discutindo casamentos imaginários, empregos dos sonhos e as cidades que almejavam conhecer. Curiosamente, embora seus sonhos não parecessem estender-se muito longe geograficamente, as aspirações eram colossais, flutuando entre as palavras trocadas e os risos compartilhados.
"Tchau, amiga!", despediu-se Martina, fechando a porta. O mundo lá fora perdeu sua relevância imediata. Ela seguiu para a cozinha, onde o filtro de barro presente da avó aguardava. Entre goles de água, contemplou a metamorfose do líquido, lembrando-se da avó que, ao saber da mudança, fizera questão de presentear a neta com aquele filtro. Os remédios da beleza, rotina inquestionável, escorregaram pela garganta na esperança secreta de alcançar a pele imaculada das estrelas dos concursos Pokémon, como aquelas que ilustravam capas de revistas. Martina, então, encerrou o ritual noturno e entregou-se ao descanso.
Numa noite peculiar, Martina mergulhou num sonho estranho, onde seu Chimchar já evoluíra para um Infernape, e com movimentos de fogo, devorava seus cabelos. Ao despertar, descobriu que o odor de fumaça que impregnava o ar era alarmantemente real, emergindo do andar inferior, da pequena loja. Ao levantar-se, constatou que Vulcano, seu companheiro, ainda descansava, a chama de sua cauda apagada. Com uma pontada de pânico, percebeu que, durante a noite, o inquieto Pokémon acordara e, possuído pelo desejo por bananas, lançara um ataque noturno à vendinha. O repreendeu, mas Vulcano, confuso e alheio, parecia não entender a dimensão da confusão que causara.
Com o pequeno em seus braços, Martina correu para fora, testemunhando o edifício se consumir em chamas. Lágrimas de desespero escorreram por seu rosto, não só pela perda dos pertences que com tanto esforço adquirira ao longo de meses, mas também pelo iminente colapso de sua vida. Seu Pokémon, inadvertidamente, tornara-se o arauto da destruição, comprometendo não apenas o prédio, mas seu emprego e, possivelmente, seu futuro na liberdade, agora enclausurado pelas consequências de um incêndio desastroso.
Ela usou seu Rotomphone para ligar para seus chefes, que chegaram correndo. Ela confessou tudo, disse que provavelmente foi culpa do Chimchar e pediu para que eles não prestassem queixa contra ela, que de alguma forma ela os pagaria. Ela diz para que ela se acalme, que é preciso que averiguem primeiro o que aconteceu. "Calma, Martina. Vamos ver o que houve antes de tomar qualquer decisão drástica", disseram os chefes, tentando acalmar a tensão do momento.
Martina agarrou seu Rotomphone, os dedos trêmulos enquanto discava para seus chefes. Eles chegaram correndo, rostos sérios confrontando a cena de desastre. Em um ato de desespero, ela confessou tudo, apontando para o Chimchar como possível culpado e suplicou para que não registrassem queixa contra ela, prometendo de alguma forma compensar os danos.
"Martina, acalme-se", disse Luther, tentando tranquilizá-la. "Precisamos primeiro entender o que aconteceu antes de tomarmos qualquer decisão precipitada."
Os chefes, semblantes sérios, conduziram uma análise minuciosa das imagens captadas pelas câmeras de segurança, revelando uma trama inesperada. Os responsáveis pelo caos não eram Vulcano, mas sim ladrões da infame equipe Rocket. Um misto de alívio e raiva tomou conta de Martina, que, por um fugaz instante, sentiu-se libertada da culpa. Contudo, a onda de indignação cresceu ao perceber que seu tão sonhado começo fora brutalmente encerrado pela ação impiedosa dessa equipe criminosa, manchando seu primeiro dia com o amargor da derrota.
Os chefes, Luther e Kont, olharam para Martina com semblantes pesarosos. "Sinto muito, Martina. Isso é terrível", disse Luther, coçando a cabeça. "Podemos devolver o dinheiro do aluguel para ajudar um pouco. Além disso, o prédio está segurado, então você deve conseguir recuperar pelo menos parte do valor dos seus pertences. Mas, você sabe como é, burocracia. Vai levar um tempinho", acrescentou Kont, soltando um suspiro.
Entre soluços, Martina agradeceu aos chefes, sua voz trêmula carregada de emoção. "Obrigada por serem tão bondosos. Vou para a casa dos meus pais agora. Não sei mais o que fazer..." Seus olhos vermelhos refletiam uma mistura de gratidão e resignação diante da inesperada reviravolta em sua vida. Martina percorreu o caminho sombrio com uma mistura de raiva e desespero, soluçando e chorando a cada passo. Vulcano, seu Pokémon, olhava para ela com uma expressão confusa, incapaz de entender completamente a dor que assolava sua treinadora. Caminhava ao lado dela, cabeça baixa e a chama de sua cauda, que costumava dançar com vivacidade, agora bruxuleava fracamente, ecoando a atmosfera da noite.
Os dias seguintes foram envoltos em melancolia. Sem ter muito o que fazer, pois a vendinha permanecia fechada, Martina mergulhou nas páginas de livros, buscando refúgio na narrativa para escapar da realidade sombria que a cercava. Embora passasse tempo com os pais na tentativa de amenizar a dor, a amargura persistia, ancorada em sua alma. Kilin, a amiga fiel, fazia visitas pontuais, oferecendo um consolo efêmero diante da tristeza latente.
Num dia como outro qualquer, seu pai a abordou com uma serenidade que só ele conseguia transmitir e disse: "Filha, a vida é uma jornada cheia de reviravoltas. É como se fôssemos Pokémon, e ficar parado, estagnado, é como estar numa jaula. O verdadeiro poder está em encarar os desafios, em evoluir constantemente. É assim que nos tornamos mais fortes, mais resilientes. Não permita que um contratempo defina seu destino. Lembre-se, até as asas mais poderosas ficam enfraquecidas se não ousamos voar."
Nos primeiros dias, ela descartou as palavras do pai como meras ilusões. Parecia um devaneio otimista. No entanto, as frases dele continuaram a ecoar em sua mente, provocando uma mudança sutil. Martina não ficaria à mercê da companhia de seguro esperando seu dinheiro de volta. Uma nova determinação a envolveu: ela perseguiria aqueles que causaram seu sofrimento. Decidiu-se a se tornar uma treinadora formidável, a desafiá-los e a garantir que pagassem pelo que fizeram. Para ela, Eterna, antes considerada grande, agora parecia uma cidade pequena diante de sua nova perspectiva.