01 - No princípio...

Enquanto ainda começava a batalhar com o que estava na ponta daquela linha, Amanda escutou o conselho de Celestino.

-- Eu sei, tio. Minha irmã e até meus pais me contavam várias histórias sobre pessoas do mal, mas eu não estou sozinha, Abra está comigo o tempo todo para me proteger, né Abra?


Em um instante, a linha começou a ficar mais e mais pesada, insustentável para que Amanda puxasse sozinha. Mas, com a ajuda de Celestino, ela arrastou um carangueijo para fora da água e logo o analisou com sua Pokédex.

-- Krabby! É um Pokémon de água. Abra, atinja-o com Confusão duas vezes! Tente se movimentar para evitar ser atingido, essas garras não parecem ser pouca coisa.

-- Abra!. - numa mistura de choque e desespero, Amanda encarava atônita o Pokémon psíquico no chão, completamente desmaiado. No canto do seu olho, a imagem daquele caranguejo expulsava o seu foco, como se fosse um monstro perigoso demais para ser olhado.

"Wingull... Water Gun...". As palavras de Celestino entravam no seu ouvido abafadas. O seu corpo tremia como se ela estivesse à beira da morte. Para uma criança que viu seu Abra obliterar completamente os últimos dois oponentes que enfrentou, vê-lo caído no chão parecia o ápice da derrota. Para uma criança que viveu enclausurada, sem jamais participar de uma batalha com seus Pokémon, a derrota parecia a morte. Até que ela se lembrou de algo:

Agatha escreveu:

-- Não acredito, mana! Quer dizer então que esse Pokémon conseguiu derrotar a Gardevoir?

-- Derrotar? Ele derrubou a Gardevoir num golpe só. Eu nunca tinha visto ela perder daquele jeito.

-- E aí? Como você escapou dele?  

-- Como assim escapei? Eu continuei lutando.

-- Continuou?  - com os olhos brilhando, Amanda buscava conhecer mais daquela história.

-- Claro! É pra isso que nós temos uma equipe Pokémon, não um Pokémon só, porque trabalhamos como um time. Quando um cai, o outro levanta. Eu coloquei outro Pokémon no lugar dela, e depois outro, e depois outro, até que consegui derrotar aquele bicho e capturar ele.

-- Você capturou ele? Como você pode fazer isso com a Gardevoir? Ele derrotou ela!

-- Claro que eu capturei ele, Amanda. Como eu ia deixar passar um Pokémon que derrotou a Gardevoir em um golpe e quase derrotou meu time inteiro? Eu teria brigado com ele eu mesma se fosse necessário mas não sairia de lá sem ele. Amanda, você tem que entender que esse mundo é dos fortes, e para treinadores Pokémon como eu e como você será um dia, a forma de ficar forte é capturando Pokémons fortes. Ser derrotado não é uma humilhação, faz parte da vida, mas temos que usar as experiências para ficarmos cada vez mais fortes. Ele derrotou a Gardevoir e vários outros Pokémons meus, é verdade, mas agora ele faz parte do meu time, e nós vamos continuar ficando mais fortes juntos.

Com o renovo que essa memória a trouxe, Amanda mudou sua feição para uma mais séria e centrada. Ela fechou um punho com determinação e, processando aquilo que Celestino dissera, o cumpriu.

-- Wingull, faça como o tio Celestino disse. Eu sei que disse que ia te poupar mas você é a nossa única esperança, derrube esse Pokémon para que eu consiga capturá-lo. Vai!

Tendo em mente aquilo que Celestino tinha dito, a vontade de Amanda era de pegar a poção que Agatha tinha deixado com ela e priorizar a cura de Abra, mas ele iria entender. A garota de cabelos grisalhos rapidamente pôs a mão em sua bolsa e pegou uma Pokébola. Independente do que acontecesse - se Wingull conseguisse ou não derrubar o Krabby com seu Water Gun - a garota tentaria capturá-lo quantas vezes fosse necessário (ou possível).

-- Uffa... - Amanda suspirou ao ver que o combate acabou dando certo - Parabéns, Wingull! Você foi realmente incrível. Não sei o que seria de nós sem você.

Apesar da felicidade, alívio e sorriso no rosto, Amanda já não comemorava com a mesma empolgação, ainda embriagada com a adrenalina de uma forma bem diferente da que havia experimentando instantes antes. Vendo o cuidado de Celestino, ela se aproximou para pegar a fruta e, ponto a cabeça do Abra desmaiado sobre seu colo, alimentou-lhe com a fruta.

-- Abra, você está bem? Me perdoe, foi muito descaso meu deixar você batalhar tantas vezes assim sem descanso. Prometo que isso não vai se repetir.


-- A boa notícia é que nós capturamos o Krabby, o carangueijo que deu aquele golpe em você. Depois vamos poder treinar juntos e usar essa força dele ao nosso favor ao invés de contra nós.


A treinadora e seu Pokémon - e melhor amigo - deram um abraço de alívio de que tudo terminou bem. Para alguém de fora por certo pareceria muito drama, mas o ego dos dois, a confiança deles, tinha sido abalada por aquela situação. Eles saíram de casa com medo do mundo e logo começaram a se sentir mais fortes do que tudo com o desempenho de Abra nos combates. Aquela batalha os colocou de volta em seus lugares e os lembrou do medo que sentiram desde que saíram da segurança de um lar.

-- Almoço? Acho que estamos precisando mesmo, tio. Você pode nos levar lá? Seria ótimo. Só uma coisa, o que é quentinha? ... - os problemas de primeiro mundo de Amanda começavam a aparecer...

Com um olhar de interrogação, a garota tentava imaginar o que seria a tal quentinha. Imaginou um daqueles bolos que vinham em caixas de papel para os cafés da tarde. Pensou também nas vezes em que o almoço chegava com tampas de prata, mas não era muito propício para viagens. Finalmente, em sua rica cabecinha, fixou a imagem de uma mini-cesta de piquenique com mini-lanchinhos dentro. Em breve talvez se decepcionasse um pouco.

Ao ver Cristal, Amanda rapidamente a escaneou com sua Pokédex esperando ver "Cristal" como o nome do Pokémon, mas se impressionou ao ver que se tratava de uma Floatzel.

-- Tio, se o nome da Pokémon é Floatzel, porque você chama ela de Cristal? É como um apelido? - Agatha, assim como Amanda tem feito, costumava chamar os Pokémons pela espécie.

A Pokémon aquática logo começou a puxar o barco até a margem, explicando finalmente para Amanda como eles haviam chegado até ali e como voltariam. No caminho, Amanda guardou seu novo Wingull em sua Pokébola, mas Abra já estava assentado ao seu lado como costumava ficar.

Chegando à praia, a criança continuou seguindo o pescador. Estranhando a caminhada difícil, Amanda lembrava que já tinha visto um dos funcionários de sua casa andar assim, ele tinha um problema em uma das pernas. Foi lindo, aos olhos da pequena treinadora, ver a Floatzel ajudando Celestino a andar. Ela e Abra se entreolharam por um momento com sorrisos no rosto.

-- Não, tio, não tenho a menor ideia de onde ela esteja. E eu sei que o mundo é grande, mas se ela me chamou ela tem um motivo e certamente eu vou encontrá-la em algum momento. O senhor por acaso não viu uma Agatha Michaels andando por essas bandas né?

Surpresa com a própria ingênuidade de não tê-lo feito antes, Amanda começou a refletir que talvez investigar fosse se tornar uma parte de sua busca por Agatha. Ela tinha uma fé de que sua irmã eventualmente fosse só aparecer diante de si, mas alguém poderia, eventualmente, apontá-la na direção correta. Com um pingo de esperança, ela aguardava a resposta de Celestino - vai que, né?