Doe Deer

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Nem tudo na vida eram flores, huh? Pensava eu que, entrando para a Equipe Rocket, eu facilmente descobriria o mundo e ajudaria os justiceiros a lidar com o governo e a polícia corrupta; e principalmente: eu enfrentaria o Maxima e desmantelaria sua operação. Nada disso aconteceu. Se passaram meses desde o acontecimento em Cerulean, do encontro com Darius e da minha entrada na organização, mas eu não havia progredido um passo sequer. Estava completamente no escuro ainda, sem saber o que fazer, sem saber quem confiar, sem saber o que procurar.

Tentei esconder esse sentimento de não-pertencimento por bastante tempo. Ignorei ele por boa parte dos meses, mas a verdade é que estava completamente inviável continuar assim. Dentro de mim ardia um desejo de justiça grande demais, e que não se saciava a muito tempo. "Os fins justificam os meios", era meu dilema sempre. Sempre fui assim, prefiro acreditar que qualquer objetivo meu é nobre o suficiente para entregar alguns sacrifícios, mas até agora eu não tive que fazer nenhum sacrifício. Na verdade, eu não tive que fazer nada. A única missão que fiz para os Rockets foi entregar os Muks de volta ao vulcão de Cinnabar, nada além disso.

Na verdade, eu tinha uma direção: Sabrina. O encontro com a líder foi tão breve quanto a quantia de respostas que ela me deu. "Eu também quero me livrar do Maxima", o que isso significava? Ela estava envolvida com o Darius? Para arrancar qualquer coisa dela eu teria de derrota-la numa batalha de ginásio, mas eu não sabia se estava pronto para isso; ela tinha uma clara vantagem de tipo, e mais ainda, de experiência. Vai saber quanto tempo e quantos desafiantes ela já não enfrentou, mesmo com tão pouca idade. A verdade é que eu estava com medo. Talvez por isso não tomei nenhuma atitude antes, talvez por isso deixei que os sentimentos de impunidade ficassem escondidos por tanto tempo.

Mas não mais. Eu tinha que fazer alguma coisa. Mas o que? Eu não tinha nada além dos meus Pokémon e um desejo tremendo de fazer justiça com as próprias mãos. Essa ânsia me consumia, e cada vez mais sentia que estava desperdiçando meu tempo na Equipe Rocket.

Era um dia nublado quando cheguei em Celadon. Passei na base da ER para reportar a missão dos Muks e depois fiquei hospedado no Centro Pokémon. O dia estava bem feio, mas propenso a introspecção. Já era tarde da noite quando eu resolvi levantar da cama, tomar um banho, me trocar e sair pela noite da cidade. Celadon não era lá tão grande, mas tinha grandes atrações ao público, a principal: seu Cassino. Talvez fosse interessante dar uma passadinha lá, ver se conheço alguém, aposto um pouco, bebo um pouco. Da última vez que fiz isso não terminou tão bem, mas foi a única vez que realmente me senti vivo. Quem sabe o que posso encontrar pela noite?

Coloquei uma roupa bem "eu": uma camisa preta com o símbolo da minha banda favorita, um chocker com grandes spikes, três pulseiras de spike (incluindo o que tinha minha key stone), um cinto com duas carreiras e uma calça também preta. Terminei com uma jaqueta de couro e meu coturno, e saí perdido pela noite. Na verdade, faltava uma coisa: corpse paint. Faziam alguns anos que eu não me vestia como o verdadeiro gótico que era, e aquela parecia ser a oportunidade perfeita para matar a saudade. A essa altura da noite a lua já brilhava forte no céu, cheia e bem amarela, iluminando meu caminho pelas ruelas de Celadon; meu trajeto era relativamente simples até o cassino, mas quem sabe se eu não encontro alguma festa ou outra coisa mais nichada no meio do caminho?

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Celadon definitivamente me oferecia mais opções do que Cerulean. Apesar de apenas uma avenida com grandes comércios, a vida ali parecia mais atraente pra mim do que a pacatez da cidade-sede da Requiem; imagine que eu, um garoto de Castelia, tive que reaprender a viver numa cidade satélite. Foram meses difíceis tentando não enlouquecer por não ter nada pra fazer no cortiço, mas as aventuras pelo continente certamente saciavam o desejo de escape. Mesmo assim, eu aprendi a me reencontrar lá, com o tempo as ruas pouco movimentadas se tornaram casa, e eu definitivamente nunca esperaria que num barzinho qualquer eu viveria um dos momentos mais marcantes da minha vida.

Percebi eu a diferença que tinha entre mim e os outros na rua. Com toda certeza um cara com maquiagem branca na cara, roupas góticas e quase dois metros de altura chamavam muito mais atenção que qualquer normie que transitava por ali. Isso e minha cara de perdido, tentando encontrar o cassino nas placas da cidade. Eu só não imaginava que, o tipo de atenção que eu atrairia, era da laia mais baixa que existia entre os bandidos: batedores de carteira. Sério, era um estilo de vida tão ridículo que eu conseguia ignorar o fato de ser marginalizado e claramente a única opção de muitos jovens em situações precárias. Me irritava saber que alguém precisava roubar para sobreviver, e que ninguém fazia nada sobre isso. E menos ainda: que eu seria alvo disso.

Respirei fundo quando vi de canto de olho um rapaz vindo em minha direção, claramente mal intencionado, mas sem saber com quem tava se metendo. Se tem uma coisa que eu não tinha hoje era paciência, e ele iria aprender isso da pior maneira. Comecei a caminhar na direção dele, cruzando olhares com ele e mantendo contato visual enquanto me aproximava, até esbarrar no ombro dele num encontrão. Derrubei minha carteira no chão, de propósito, e botei as mãos no bolso, como quem procurava por ela, até "encontra-la" caída. - Ei! Presta atenção por onde anda. - Minha intenção era clara: eu esperei alguns segundos para ver se ele abaixaria para pegar meu pertence. No momento que ele fizesse isso, eu meteria uma joelhada com certa força, o suficiente para empurrar ele mas não para quebrar algum osso.

A essa altura eu já estava com minha mão na pokébola de Manigold, preparado para lança-lo caso ele tentasse alguma outra gracinha, ou meu objetivo principal não desse certo. Uma coisa eu garanto: ele não vai sair daqui ileso e muito menos com minha grana. - Escolheu a pessoa errada pra se meter hoje colega.

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Talvez eu tenha colocado um pouco mais de força do que deveria. Ok, talvez eu tenha colocado MUITA força, mesmo que achasse que não. O menino franzino caiu com tudo no chão, e eu logo pude ver o sangue escorrendo do seu nariz e... Sinceramente? Não me arrependia. Ficou bem claro que ele queria me roubar, e eu não ia deixar isso acontecer. Não num dia em que eu estou tão bonito para alguém vir e estragar a noite antes mesmo dela começar. E sendo ainda mais sincero, nem mesmo movi um músculo pra ajudar o rapaz. O problema disso tudo foi que ele começou a chamar a atenção de quem passava.

Em pouco tempo, nós dois estávamos cercados de um bando de curioso, que não tinham nada melhor pra fazer. Comecei a procurar um caminho seguro pra sair dali sem que percebessem; avistei uma rua um pouco menos movimentada, mas eu simplesmente não tinha como chegar lá por entre o povo que estava ali nos cercando. Devo admitir que comecei a entrar em pânico. Minha mente começou a correr de um lado pro outro e a ansiedade começou a tomar conta dos meus atos. E se me levassem pra delegacia? Como eu ia provar que ele estava tentando me roubar? Seria minha palavra contra a dele, e eu tinha um background que os policiais não poderiam descobrir de jeito nenhum. Eu tinha que ter empurrado ele e saído andando, ou então chutado com mais força, ou então...

Fumaça? Uma bomba de fumaça parou em minha frente, rapidamente preenchendo a distância entre mim, as pessoas e o rapaz, garantindo que eu tivesse um tempo para escapar, mas sequer conseguia me mexer; só consegui virar meu rosto, num reflexo rápido o suficiente para tapar a boca com a manga e evitar respirar o ar tóxico. Senti alguém me tocar, e aí meu instinto voltou a tona, e ansiedade passou. A pessoa (ou coisa) me arrastou diretamente para a rua mais isolada que vi antes, dando pouco tempo para que eu fizesse alguma pergunta até estarmos longe da multidão.

- Que porra foi essa? - Não estava entendendo bem o que era aquilo, sinceramente. Parecia mais um Pokémon do que um ser humano, um humanoide de meio metro coberto por um capuz. Certeza que era obra de alguém da Requiem. - Obrigado pela ajuda... Eu acho. - Nessa hora eu tentei não parecer um total ingrato, e dei uma olhada de canto para o lugar de onde viemos. Aparentemente ninguém mais ligava para o que havia acontecido, e aos poucos a plateia ia se dissipando, junto com a fumaça. Ótimo.

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A cena que eu deixava para trás acabara de ficar ainda mais esquisita: nunca vi os Rangers agirem daquela maneira. Era a primeira vez que via eles com tanta agressividade para um caso que sequer haviam investigado ainda. Dei de ombros, seja lá o que causou a mudança de atitude, não era para me preocupar no momento. Segui o caminho adiante, atrás daquela "pessoa", que a cada segundo se afastava de tal silhueta, parecendo cada vez mais não humana; a mão que me guiava certamente não pertencia a alguém normal, mas eu não conseguia identificar o que havia de diferente nele.

Aos poucos a paisagem ia se alterando, o centro da cidade ia desaparecendo e dando espaço para a parte menos rica, e a arquitetura infelizmente ia refletindo isso. Não andamos por muito mais tempo, até darmos de cara com uma porta de metal num beco qualquer; eu não fazia ideia de quem ou o que era aquilo. O guia, eu digo. Não sabia nem mesmo porquê estava me ajudando; era um ajudante de Sabrina? Ele estava, de alguma forma, ligado a Darius ou a ER? Não tinha certeza de nada ainda, e minha única opção era continuar caminhando, para chegar a algum lugar, seja lá onde fosse.

O coiso abriu a porta, e me conduziu pra dentro, garantindo que não estávamos sendo seguidos, e que a porta estivesse bem fechada uma vez que eu atravessasse. Á frente havia uma escadaria, bem vagabunda, e um rockzinho bem gostoso de fundo, que provavelmente vinha da casa no topo do lance de degraus; olhei para cima, vendo e sentindo a chuva finalmente começar a precipitar, sinalizando que eu não tinha realmente outra opção que não fosse entrar ali. Não estragaria minha maquiagem! Comecei a subir os degraus, bem devagar, afinal, eu não era muito leve e a qualidade daquele troço não parecia ser das melhores; o que me surpreendeu, na verdade, foi quando meu guia começou a agir feito um animal de fato.

Um grunhido e diversos saltos, fazendo a escada ranger de uma maneira que me botou ainda mais medo. Levei alguns segundos pra botar a cabeça no lugar, mas logo me livrei do transe e voltei a subir; era um Pokémon? Um lobisomem? Isso ta ficando cada vez mais estranho, mas quando minhas noites eram normais, huh?

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