#001

A derrota que a cada momento parecia se tornar mais real para Luke acabava tornando o garoto agressivo até mesmo com o seu Pokémon, assustando o pequeno pássaro, e aparentemente os "fiéis seguidores" do treinador sabiam do que se tratava, já que ficaram calados. Aiko só conseguia assistir a cena, parada diante toda aquela situação. Que Luke era apenas um marmanjo infantil a garota sabia, mas que ele possivelmente castigava o seu Pokémon já seria algo no mínimo preocupante.

Os movimentos da batalha aconteciam cada vez mais rápido; Taillow mesmo com a asa machucada partia para atacar a salamandra da garota, que revidou com um poderoso Scratch; não sem antes ser atingida por um crítico Peck que foi capaz de arremessá-la para longe. Aiko começou a mostrar-se preocupada mais do que nunca, com medo da sua derrota. Foi quando uma pessoa, e aparentemente uma mulher devido a voz, começou a gritar pela rua. A voz ecoava e conforme se aproximava do grupo de pessoas, mais tensos ficavam os seguidores de Luke.

Por fim, ao perceberem que se tratava na verdade da mãe de Luke, avisaram ao garoto que por sua vez, hesitou em ir embora, mas não tardou em retornar o pequeno pássaro para a Pokébola. Proferiu mais uma enxurrada de palavras contra a garota e começou a correr em direção a floresta, mas não sem antes ouvir Aiko falar em alto e bom som.

— Quem diria que o machão foge da mamãe hein, "gatinho"? — Pôs enfase na última palavra, como se estivesse caçoando do garoto. Não sabia se poderia dizer aquilo, mas aparentemente, havia ganho a sua primeira batalha Pokémon; isto é, pelo menos ela sentia que sim. A treinadora mal havia notado a sua Pokémon se recompondo e partindo em direção a uma senhora alta, de cabelos negros e um vestido delicado; a mãe de Luke. Aiko sabia que não ia adiantar chamar a pequena salamandra, então ousou a tentar uma corrida para se aproximar da sua Pokémon, mas aquele momento foi curto; a coxa que outrora havia sido rasgada doía, possivelmente devido ao sangue que esfriava finalmente.

— Put... — Revirou os olhos bufando como se mandasse pelo ar um xingamento como forma de aliviar da dor. — ... merda! — Começou a mancar mais intensamente, até se aproximar da mulher e da pequena Mandy. Conversar era o que menos pretendia, já que o seu foco era pegar a encomenda de Lily, mas sabia que a Charmander não iria facilitar.

— Desculpe pelo incomodo. — Aiko disse friamente, como de praxe. Sentiu-se um pouco tranquila, já que aparentemente a mãe de Luke não mostrava-se tão nariz empinado como ele; pelo menos achava a garota.

A noite caía cada vez mais, com uma belíssima Lua escondida entre as diversas nuvens que preenchiam o céu de Hoenn. Folhas invadiam as vias, todas essas advindas de um forte vento que começava a se mostrar, imponente.

A Pokémon de fogo parecia querer dar um sermão na mulher que gentilmente se agachou, ficando a altura de Mandy, como se estivesse ouvindo a salamandra falar.

A mãe de Luke logo avistou Aiko se aproximando e a recebeu com um sorriso no rosto, levantando-se. A mulher deduzia que aquele todo alvoroço havia sido feito pelo seu filho, mas a treinadora logo tranquilizou a mulher.
— Ah, isso? — A garota apontou para a sua coxa avariada. — Não foi Luke não. Se ele tivesse feito isso comigo eu te garanto que ele estaria pior. — Sorriu, como se estivesse fazendo uma piada - mas não era bem uma piada.

A mulher logo ofereceu um pequeno kit médico para Aiko poder fazer um curativo, e a garota mostrou-se grata. Apertou o spray três vezes em cima do machucado, sentindo um leve ardor, porém não incomodava tanto. Terminava o curativo pondo o band-aid na região machucada. Uma vizinha parecia entrar para dentro de sua casa, deixando escapulir o nome da mulher; Julie. Esta, por sua vez, se desculpava em nome de seu filho.

— Não precisa se desculpar, senhora. A culpa não é sua em nada disso. — Tentou tranquilizar a mulher, enquanto essa dizia que o seu filho havia tido problemas desde que tiveram uma grande perda na família. Aiko sabia o que era aquilo; sabia como era perder alguém importante, mas não entendia como o garoto sentia a necessidade de descontar todo o sentimento em outras pessoas ou em até mesmo nos seus Pokémon.

A mãe de Luke, ao ver a situação em que Mandy se encontrava, deu a garota um frasco medicinal alaranjado para a treinadora, que logo guardou aquele em sua bolsa, retirando um frasco muito parecido, porém roxo. Borrifou pelo corpo da pequena salamandra, focando nas partes em que ela se encontrava mais machucada.
— Eu não vi para onde Luke foi ma... — A treinadora desviou o olhar para observar a sua Pokémon, mas essa já se encontrava um pouco mais a frente, andando em direção a floresta. Dava sinal de que queria que a mulher e a sua treinadora a seguissem floresta adentro.

— Bem, eu tenho um compromisso no Correios, mas... — Franziu a testa, erguendo os ombros. — ... mas pelo visto a minha Pokémon julga te ajudar algo mais importante, né? Ele foi por lá, me acompanhe. — Enfiou as mãos no bolso da calça, seguindo a Pokémon flamejante.

A caminhada até a floresta foi algo "indiferente"; a salamandra continuava a frente, iluminando a frente com a pouca luz que emanava da ponta de seu rabo, enquanto as duas figuras femininas caminhavam lado a lado. Julie parecia se sentir levemente incomodada, andando o caminho todo dentro da mata com os braços cruzados, enquanto a treinadora Pokémon caminhava calmamente com as mãos atarracadas dentro dos bolsos.

Quanto mais adentravam a zona, mais escuro ficava o ambiente, da mesma forma que a temperatura caía. O ambiente típico de um filme de terror parecia assustar um pouco a mãe de Luke; pelo menos aos olhos da garota mais nova, que começava a sentir um leve incomodo diante a situação.

A mulher mais velha cortou o clima frio como se a sua voz fosse uma navalha, interrompendo o tenso silêncio.
— Olá, Julie. Me chamo Aiko. — A garota dizia observando os lados e apertando os olhos para o chão, em busca de qualquer pegada ou algo que pudesse indicar uma referência para onde havia ido os garotos.

Aiko continuou o caminho em silêncio, observando atentamente ao seu redor e dando atenção também para a sua Pokémon. Mandy caminhava como se estivesse conseguindo farejar algo, mas no fundo, a sua treinadora conseguia notar - ou pelo menos suspeitar - que era tudo um fingimento. Não iria perguntar ou parar a salamandra no meio do caminho, já que não havia nem certeza de sua suspeita e principalmente por saber que a Pokémon de fogo ficaria extremamente nervosa, mas poderia ajudá-la de outra forma.

— Julie, você tem algo de Luke que ele tenha usado recentemente? O cheiro pode ajudar a Mandy farejá-lo. — Analisou as feições da mulher, que começava a reclamar sobre o seu filho e por fim, atentou a garota sobre o horário do funcionamento dos Correios; algo que a garota nem havia se preocupado.
— Nem fud... — Levou as mãos a cabeça, ajeitando o cabelo em meio aos pensamentos conturbados da garota. Não queria perder os seus Pk$500, mas principalmente não queria desapontar Lily, uma mulher que fora tão gentil com ela e merecia o mínimo esforço da treinadora.
— Vamos agilizar isso aqui então, Ok? — Tentou dizer de maneira calma, mas sabia que no fundo era possível notar o nervosismo em sua voz.

Alguns minutos se passaram, e a desconfiança de Aiko havia se concretizado em verdade; a sua Pokémon havia perdido os rastros dos garotos, e daquela vez assumia a situação. Aiko sorriu para ela, tentando passar um sinal de tranquilidade. Foi quando um estrondo advindo dos arbustos próximos das três ensurdeceu o ouvido das mulheres; Julie começou a gritar, exclamando para que voltassem enquanto escondia-se entre as árvores. A salamandra grunhia e encarava o nada, e Aiko estava parada naquele meio. O que fazer?
— Mandy! O que é isso? — Exclamou para a sua companheira, esperando que ela mostrasse algo que revelasse o que era. A treinadora logo julgou ser um Pokémon, e por ser uma clareira, começou a planejar certas coisas.

— Vamos lá. Seja o que for, ataque com um ember, mas não mire no arbusto; use-o mirando para o chão a frente. Vamos tentar assustar o que é que estiver aí. — Puxou a barra da camisa para baixo, tentando esvair um pouco do nervosismo de seu corpo. Tentou olhar para onde Julie estava, sem sucesso. Se encontrasse Luke naquele momento, a garota provavelmente iria dar uns bons tabefes nele ali mesmo, na frente de sua mãe.

Após a Pokémon atear fogo como havia sido comandada pela sua treinadora, o arbusto parou de se mexer ao mesmo tempo em que uma voz masculina irradiava daquela mesma direção. Um rapaz balofo saía com as mãos erguidas, exclamando por ajuda. Aiko conseguiu lembrar daquela figura; era um garoto do grupinho de Luke. Os olhares heterocrômicos de Mandy recaíam sobre o rapaz, como se estivesse julgando-o, extremamente desconfiada.

O garoto, ainda alarmado, relatou a situação pela qual havia enfrentado com Luke e os demais; um trio levaram Luke, enquanto os outros haviam conseguido fugir. Aiko instantaneamente olhou para Julie, que corria de trás da árvore visivelmente abalada com a notícia de que seu filho havia sido sequestrado. Aiko apenas conseguia observar toda a situação enquanto Julie demonstrava o seu desespero indagando o garoto. A mente da treinadora parecia entrar em erupção, de tanto que pensava. Porque sequestrariam Luke? Queriam recompensas? Tráfico humano? Seria ela capaz de neutralizar um bando inteiro com apenas um Pokémon de fogo? Sabia que haviam ido pro norte, mas e aí? Depois disso, o que fizeram? Definitivamente não teria chance contra seis Pokémon, mesmo que confiasse em sua pequena companheira.

Não foi nem necessário pensar; assim que foi pedido ajuda de Aiko e Mandy, a treinadora rasgou o vento gélido com algumas palavras.
— Irei te ajudar. Não irá perder o seu filho, pelo menos, hoje não. — Missão suicida? Talvez, mas Aiko não se importava aquela altura com as consequências. Sabia a dor da perda, e Julie também sabia. Aiko não queria ver alguém - mesmo que um "estranho" - passar por aquela situação mais uma vez. — Vamos resgatar o seu filho e ainda vamos voltar a tempo dos Correios. — Projetou um sorriso um tanto quanto falso em seu rosto, tentando passar sinais de coragem. A verdade, é que a garota não acreditava que iriam voltar a tempo de pegar a encomenda de Lily.

Talvez, por conta do desespero, o temperamento de Lily mudou completamente, começando a passar ordens para o gorducho; deveria buscar ajuda pelas ruas, enquanto as duas mulheres seguiam para o norte. Decretou a situação, mostrando a braveza que escondia de baixo daquela feição delicada. Empunhou uma esfera branca, com um detalhe rubro que circulava o meio do dispositivo.

A mãe de Luke amarrou o cabelo, jogando a esfera de maneira magistral para cima e originando um Pokémon diferenciado; parecia uma mistura de um Pokémon aquático com um Pokémon terrestre. A treinadora sacou rapidamente a PokéDex, arquivando as informações daquela espécie.
— Então esse é o Vaporeon... uau. — Observou o comportamento do Pokémon enquanto socializava com Mandy.

— Vamos, Julie. — Preparou-se Aiko, amarrando mais uma vez o cabelo devido algumas mechas que saíam do seu coque. Suspirou, preparando-se para uma missão resgate de alguém que a garota nem conhecia e muito menos se importava com ele, ou se importava? Os pensamentos da garota embaralhavam a sua mente por conta daquele cidadão desgraçado. Quando o visse, provavelmente bateria nele para valer.

Conforme as duas caminhavam pela floresta na companhia de suas duas Pokémon, mais o ambiente escurecia, já que a quantidade de árvores aumentava gradativamente, com poucos pontos - ou quase nenhum - que a luz da Lua transpassava para iluminar o caminho. Literalmente, o único foco de luz era a cauda da salamandra.

O clima frio comprometia qualquer comunicação entre as duas, e Aiko não ousaria quebrar o silêncio entre as duas. Porém, Julie não parecia afim de continuar daquela forma; cortou o silêncio, lamentando-se devido o comportamento do filho.

— Eu também perdi a minha mãe... mas isso faz um tempo, sabe? Ainda era criança. — Aiko conseguia manter-se firme, enquanto continuava se guiando pela chama de Mandy. — Mas eu sei como é isso. Eu já namorei uma... — Pigarreou, controlando as suas palavras. — ... uma pessoa que se perdeu também. Não é querendo pagar de "adulta", mas talvez eu não tive maturidade para reagir aquilo e então... — Suspirou, lembrando-se daquela época; foram breves 3 meses, mas para uma garota de 14 anos que pelo menos achava estar se descobrindo, foram muito importantes.

Aiko não havia uma sexualidade totalmente definida; já havia se relacionado com garotos e garotas, mas a primeira e única vez que foi "fundo" em um relacionamento, acabou sendo com uma garota de Kalos, onde passou um semestre devido uma turnê de seu pai. Karen era o nome da garota. Em uma semana se conheceram, e na seguinte já estavam juntas; um relacionamento precoce, irresponsável. Aiko era 2 anos mais nova do que a sua companheira e consequentemente acabou se envolvendo com pessoas mais velhas, o ciclo de amizade de Karen. O problema disso tudo, era que muitos usavam drogas e outros cometiam até mesmo pequenos delitos. Foram 3 meses de brigas e mais brigas, até que houve o estopim. Aiko não suportava mais aquela situação ainda mais quando pensava em seu pai. Existia todo um cuidado para que a intimidade e identidade de sua filha não fosse foco de holofotes e uma hora ou outra a menina sabia que aquilo acabaria na primeira página de jornais. No fim, acabou tomando a decisão de que terminar seria a melhor situação; a última notícia que recebera sobre Karen era que havia sido apreendida por tráfico. Aquilo consumiu Aiko durante os outros 3 meses que residiu em Kalos. Acreditava que se tivesse feito algo, poderia ter mudado a situação.

— Enfim, deu ruim. — Completou, esboçando um sorriso tristonho para a mulher. — Mas diferente dessa pessoa, Luke vai se dar bem. Ele tem uma mãe excelente que é você. — Preferiu não contar para a mulher sobre a relação homoafetivo, já que não sabia os seus costumes. Talvez, fosse uma pessoa conservadora, e a última coisa que a treinadora queria era mais um problema para ela.

A caminhada fora interrompida pelo Pokémon aquático, agitando-se levemente, como se fosse um cão ouvindo algo. Vaporeon caminhou lentamente, como se estivesse prestes a atacar a sua presa, e assim as outras três mulheres o fizeram. Aiko afundou as unhas na carne de sua mão devido o nervosismo. Caminhava com um dispositivo que a menina logo reconheceu ser um PokéNav, aparentemente conversando com alguém. A sua frente, um longo campo de plantação se projetava na visão das quatro figuras femininas, com um estábulo fechando o ambiente ao fundo. Era claro o estado de fúria do homem, e ficou mais claro ainda saber que se tratava de Luke o tal garoto.

Tudo aconteceu muito rápido; em um segundo, Julie apertava o braço de Aiko, já no outro, a mulher pulava por cima dos arbustos, surpreendendo o malfeitor. O PokéNav, outrora na mão do homem, agora estava nos pés da treinadora, incrédula. Julie arranhava o rosto do homem incessantemente, dando tempo apenas de Aiko pegar o PokéNav e enfiá-lo no bolso da calça. Antes mesmo que pudesse correr para socorrer a mãe de Luke, parecia que o bandido estava se recompondo, sendo capaz de desferir um soco em Julie; Aiko prendeu a respiração ao ver a mulher cair de joelhos. Não sabia o que fazer, mas uma dose de adrenalina parecia tomar conta de todo o seu corpo, e o cérebro começou a trabalhar incessantemente.

— MANDY! USE UM EMBER NA DIREÇÃO DA PERNA DELE AGORA! — O Pokémon aquático já estava a frente, tentando salvar a sua dona. Aquela altura, o grito de Aiko já podia ter sido percebido pelo bandido e ela esperava que aquilo realmente chamasse a sua atenção. Tratou de correr na direção dos dois, pulando também o arbusto enquanto cerrava os punhos. Esperava chegar a tempo para desferir um chute direto em sua genitália, sabendo que aquilo doeria, e não seria pouco.