WHIRL ISLANDS DUNGEON #1

Me aproximar fez com que eu me expusesse. Não era como se Lugia estivesse dando a mínima importância para nossa existência. Talvez até questionasse a lealdade de nossos amigos que escolhiam batalhar ao nosso lado naquele desafio. Infelizmente para Lugia, lealdade estava a venda na minha equipe principal. Tanto era que, mesmo desacordado, sentia que podia confiar meu corpo e minha alma àqueles três.

Ao abrir os olhos, senti uma dor imensa na altura da testa. Isso me fazia gemer um pouquinho pela dor, somados ao acúmulo de estresse na minha pele. Tentava me situar onde estava e só ouvia explosões de golpes poderosíssimos se chocando e respingando na gente. Dizia isso no plural porque Daisuke me tinha nos braços. Sorri pra ele e toquei em sua face preocupada. Ele ficava muito fofo quando não estava com raiva ou chorando.

— Confia neles... - apontava o indicador pros nossos Pokémon, me sentando, sentindo uma tontura momentânea que fez minha visão escurecer por alguns instantes. - Fera, use Waterfall! Eros, Dazzling Gleam! Hércules... Thunder!

Balbuciei sabendo que eles precisavam de mais comandos para continuar e, segundo Dai, quebrar aquela parede de proteção. Lugia se mostrava extremamente poderoso, mas numa batalha 1x1 nunca que seria justa, tendo em conta os milhares de anos de experiência e poder acumulados. No entando, naquele 6x1 talvez tínhamos chances. Quiçá teríamos mais que a glória da vitória. Quem saber reconhecimento e a amizade do lendário? Aquilo me animava. Era quase como ter 10 outra vez.

Com a ajuda de Daisuke eu procurava ficar de pé e me apoiava nele. Esperava que nossos esforços fizessem com que o Pokémon Alma retornasse ao jogo e nos encarasse como adversários dignos, muito diferentes de Maui, apesar de não tão distantes, afinal, estávamos ali com um princípio além de conhecimento. Tínhamos vindo pela exploração de objetos "perdidos" e acabamos encontrando uma vida que não nos convinha interferir. No pesar dos pesares, consequências graves sempre haveriam de acontecer na saga do herói. Era um fato com que já me familiarizava. O destino tinha sua forma de nos fazer aprender sobre a vida e conceitos outros. Eu aprendia ainda mais sobre amizade e companheirismo. Talvez até um pouco mais sobre mim mesmo...

Agora de pé, minha atenção estava totalmente focada na batalha. Aquela barreira cairia de um jeito ou de outro!

— Eros, Helping Hand no Hércules! Após isso, Hércules, ataque com Thunder Punch! Fera, finalize usando Ice Punch!

Depois de tomar mais ricocheteadas dos golpes emitidos pelo senhor dos oceanos, já imaginava que ele realmente estava tomado pelo rancor. Não podia dizer certamente o quanto, mas depois daqueles turnos deveria ser numa escala colossal. Ele fora traído e usado por quem confiou. Eu sabia como era esse sentimento, mas guardar essa mágoa por milhares de anos não poderia fazer bem ao espírito do Pokémon Alma... Certo? Me questionava se depois que aquilo tivesse fim, se ele ainda assim teria raiva do mundo dos homens pelos mesmos motivos.

Essas inquietações só eram possíveis entre segundos de intervalos entre um golpe e outro. As explosões de energia e movimentos mais poderosos me faziam ter que mudar de postura para me fixar no chão e não sair voando ou afundar nas águas ao redor. Minha respiração ficava dificultada com todo o esforço que reunia após aquele longo dia. Sentia que a qualquer momento poderia desmaiar de exaustão.

— Lugia... por favor, se acalme - Fiz uma prece, pensando que talvez fosse melhor terminar com isso logo, tendo em visto que a barreira erguida vinha abaixo e ele parecia tão cansado quanto eu. - Hércules finalize com Thunder! Fera, use Waterfall! Eros, Moonblast!!

Isso era tudo.

Dai teve que retornar um de seus Pokémon para que não sofresse demais (e perdesse experiência da vitória), o que nos deixava em baixa, mas não acreditava que seria um problema. No entanto, talvez fosse melhor prevenir, caso ele erguesse outra proteção. Então colocava minhas mãos rente a boca e lideraria:

— Caso seja necessário, Eros suporte Hércules com Helping Hand e após isso, Hércules, ataque com Thunder Punch! Fera, finalize usando Ice Punch!

Ansioso, engolia em seco e me agarrava a rocha esperando pelo pior...

Meu coração por um instante parou de bater. Não pelo movimento psíquico que fez com que Matte e Thito se remoessem em agonia. Mas pela derrota do Pokémon Alma.

Momentos antes ele nos mostrava naquele cenário espiritual quase como uma aurora o espectro dos demais líderes da tribo de Maui e Moana, todos entregue à morte de bom grado no santuário do regente da ilha. O senhor dos redemoinhos quase impossíveis de serem controlados mostrava que tinha apreço por alguns humanos seletos... Caso contrário, Calgara e os outros não estariam ao seu lado pela eternidade, o que me fazia questionar se o rancor dele era com a humanidade ou... conosco.

"Que isso Lugia, qual foi, achei que a gente seria BFF!" - Thito queria saber se era isso que eu diria ao ver o Pokémon se reerguer e lançar uma praga sob nós logo antes de fugir mergulhando nas cachoeiras. Não era algo que eu diria... Poderia soar como deboche... Mas realmente me magoou saber que não era digno da atenção dele. E com isso algumas das lágrimas mais sinceras se misturavam com a intensa chuva que jorrava sobre nós.

— Eu ainda não acabei... - Emocionado, retornava Eros e Hércules, colocando o Scuba Gear em velocidade recorde. - AMIGÃO!

Chamei por Fera e saltei em suas costas. Ele já estava querendo descer a cachoeira para fugir quando o impedi.

— Não vamos voltar. Ainda não! Lugia não pode ir embora achando que somos cruéis! Vamos atrás dele!

Fera tinha autoridade para me questionar e assim o fazia, mas isso me tomava um tempo que não tinha. O lendário era incrivelmente rápido e quanto mais ele teimasse, menos chances teríamos de nos redimir...

— Vamos! - gritava com ele.

Matte quis intervir, afirmando que eu não estava em condições de continuar. Por azar dele, tinha feito uma promessa e também não estava afim de ser consciente. Esquecia até mesmo de Daisuke e seu braço. Eu estava... cego?

Fera tinha escolha se não me ouvir?

...

Aparentemente tinha, né? Principalmente depois que uma parede de gelo se levantou diante de nós. Daisuke e Chi tinham feito aquilo para nos impedir de prosseguir.

— PODIA TER ME ACERTADO! - Gritei, olhando para trás, ouvindo ainda a ladainha que eu já sabia, mas que não fazia tanto sentido agora. - Eu não abandonar o lugar e viver com a certeza de que Lugia nos odeia... Vamos Fera!

Eu respondia aquilo incrivelmente magoado. Era óbvio que eu não estava em condições alguma de liderar a continuação daquela expedição. Todos ali sabiam disso. Foi então que senti aquele choque psico me atingir e causar uma lentidão e enrijecimento dos meus músculos contra a minha vontade. Meus olhos, mesmo com um borrão, viam Fera e Dai iniciarem um motim e realizar a tentativa de fuga contra minha vontade. O crocodilo me abraçou como quem carregava uma criança adormecida nos braços e seguia Daisuke em direção à saída...