Diante de um grande estabelecimento, de aspecto abandonado e mal cuidado, estava Lysander. O rapaz examinava o letreiro, já bem apagado, que outrora deveria ter sido pintado de vermelho, que contrastava perfeitamente com a parede, que devia ser alva, mas que agora tinha um aspecto amarelado, como se tivessem se esquecido daquele lugar, junto às janelas embaçadas, como se a muito não vissem uma esponja, ou um pano sequer. No entanto, havia algumas janelas bem cuidadas, onde cortinas, mais brancas que a parede do prédio, esvoaçavam-se ao vento, como se de alguma forma almejassem a liberdade, mas continuavam presas àquele lugar.
Casa de repouso. Era o que estava escrito sobre a porta principal do prédio, logo acima de uma porta principal, à qual tinha pendurado uma guirlanda muito colorida. Lys continuou a examinar o letreiro mesmo já tendo decifrado a escrita. – Casa de Repouso... – Repetiu o rapaz para si, seu tom de voz baixo, seguido por um suspiro. – Apenas um nome bonito... Não sei... Talvez chamar de casa de Repouso alivie a consciência dos que aqui depositam seus... Hum... Velhos. Ridículo... Principalmente nesta época... No natal. – Sua face virou-se, e encarou a expressão ligeiramente confusa de um pequeno ursinho, Pancham, que estava pendurado em seu ombro. – Mas é claro... Você não sabe pra que existe esse lugar. – O pequenino, emitiu um sorriso, afinal, realmente não sabia do que se tratava, mas se aquele lugar era tão importante para valer o tempo que o rapaz estava gastando em ler o letreiro, estava disposto a conhecer o estabelecimento.
O ursinho saltou do ombro de seu mestre, direto ao chão cinzento e rústico e sem demoras começou a correr na direção da porta, deixando para trás o gramado bem cuidado do lugar, onde inclusive um senhor de chapéu de palha cuidava das flores de um canteiro à direita. Lys, com uma expressão de cansaço logo correu atrás de seu Pokémon, que já havia conseguido se esgueirar brecha da porta enquanto um homem de aspecto severo a atravessara. – Perdão. – Emitiu Lys, ao quase esbarrar no homem, e logo seguir rumo ao saguão, sem mais desculpas ou olhares para o homem, que deduziu se tratar de mais um executivo abandonando sua família. Lysander só alcançou o ursinho quando este já estava em frente ao balcão da recepcionista, seus bracinhos se esticando para que alcançasse o topo da bancada.
- Pois não? – Perguntou a voz atrás do balcão, decorado com ramos de azevinho, e onde estava depositada uma caneca fumegante de Eggnog, que só notara a presença do rapaz quando este se ergueu diante do balcão, com Pancham já em seus braços. Era notável, tanto no tom de voz quanto em sua expressão o descontentamento da mulher, que parecia mais interessada na tela de seu computador. Talvez, em sua juventude, a mulher um dia já fora muito bonita, mas hoje tinha um aspecto cansado, apesar de suas vestes parecerem coloridas e tipicamente natalinas. – Veio fazer uma visita? Quem é seu familiar? – Emitiu a mulher, tirando brevemente o olho do monitor.
- Não... Não, não... – Emitira o rapaz para a mulher à sua frente. – Não tenho nenhum parente aqui... Este malandrinho fugiu de mim e entrou aqui, apenas vim pegá-lo. Já estou de saída... Obrigado. – Concluiu ele já se virando para a saída
Antes mesmo de a mulher voltar sua atenção à tela do computador, uma terceira voz fora ouvida. – Alberto? - Era notável o tom embargado e trêmulo em sua voz. Viera de um senhor, de pele rosada e enrugada, parado à porta. O senhor, o mesmo que a pouco cuidava do canteiro de flores, trazia agora em frente a seu corpo, seguro por suas mãos trêmulas, o chapéu de palha. Lys virou-se para a mesma direção à qual o senhor olhava na intenção de ver quem seria o tal Alberto, no entanto, não havia ninguém mais ali, a não ser a secretária, que agora olhava desconfiada para Lysander.
Sem entender direito a situação, o jovem virou-se mais uma vez para o senhor, mas ao virar-se, deparou-se com ele a poucos centímetros de si, o chapéu já havia sido deixado em uma mesinha próxima à porta, e com seus braços agora livres, prendia o corpo de Lys, que sentia o corpo de Pancham debater-se entre os dois, emitindo grunhidos de irritação. Lys ficara sem reação, talvez pelo abraço em si – não estava acostumado com tal demonstração – ou talvez pelas lágrimas que o senhor, despejava sobre sua cabeça em meio a soluços. Quando finalmente fora solto, o rapaz pode examinar melhor a figura que o abraçara. – Você está aqui... Pensei que não viria... Sua mãe... Ela ficaria... – Ia emitindo o homem até que a voz da secretária o interrompeu, enquanto seus dedos se moviam pelo telefone a seu lado:
- Senhor Pierre... Por favor, se acalme...
- Perdão... O senhor acha que sou... Me desculpe, mas não sou... Não o conheço. Não sou Alberto. – Continuou o rapaz, sem se importar para a secretária, se focando apenas não fazer com que suas palavras parecessem ofensivas.
As consequências de suas palavras, no entanto, foram inimagináveis para o rapaz. Nunca pensara no quão furioso o senhor poderia ficar. Na verdade, uma mescla de tristeza e fúria. – Anos... Depois de anos, você finalmente volta... E ainda finge não me conhecer! Que vergonha! Que tristeza! – Lágrimas mais uma vez voltavam a surgir em seus olhos.
A secretária, já havia se levantado e dado a volta em sua mesinha, o telefone já deixado no gancho, indo rumo ao senhor quando Lys recomeçou a dizer, seu tom de voz agora desesperado diante da reação do homem. – Perdão... Perdão... Perdão! – Um passo em direção ao senhor o rapaz deu, sua mão se esticando na direção de seu braço e relutantemente – ao menos de início – o acariciando. – Não... O senhor não me entendeu.
- Não entendi!? – Bradou o senhor, tentando afastar as mãos do rapaz. – Acha que sou burro, garoto? Pois não sou!
- Não... O senhor não é! Eu... Eu vim visitar o senhor sim... Senti... Hum... Saudades. – Os olhos marejados do senhor fitando mais uma vez a face de Lys, que se esforçava para esboçar um sorriso em sua cara, o que após alguns instantes, pareceu acalmar o senhor, que estranhamente começou a intercalar entre um sorriso e mais lágrimas. A secretária parecia confusa de imediato, mas logo captou a mentira de Lysander, afinal, sabia que ele não era Alberto. Entrando no jogo de Lys, a mulher tocou o ombro do senhor e com um tom de voz suave, muito diferente do usado com Lys, emitiu. – Está tudo bem... Vamos senhor Pierre, vou levar o senhor e seu filho a seu quarto. Poderão ficar melhores lá.
Uma vez no quarto do senhor, Lys logo notou que se tratava de uma das janelas limpas, de cortina branca. Havia também a um canto do quartinho uma pequenina árvore de natal, bem decorada. O senhor Pierre fez com que Lys sentasse em sua cama, enquanto ele ia retirando de um bauzinho, peças de artesanato feitas por ele. Não demorou muito para uma nova figura chegar ao quarto – A secretária já havia saído – e com velocidade parecida, o rapaz reconheceu a figura. Tratava-se do homem em quem quase esbarrara ao chegar ali, mas, seu penteado parecia ligeiramente desgrenhado e sua gravata frouxa. Examinou a figura de Lys por um instante mas seu olhar logo recaiu sobre a figura de seu pai, o senhor Pierre. O telefonema da secretária, fora uma ligação para o filho do senhor Pierre.
Um pouco constrangido, o homem sentou-se ao lado de Lysander na cama, para desconforto do rapaz, e lhe disse enquanto o senhor parecia ocupado em procurar algo no fundo de seu baú. – Elizabeth me contou tudo o que aconteceu... Alias... Sou Alberto. O verdadeiro. – Sua mão esticada para um aperto de mão, que relutantemente o rapaz correspondeu. – Antes que me julgue... – Continuou ele, ao ver a expressão que começava a se formar na face de Lys. Era marcante e ao mesmo tempo torturante para Lys ouvir a tristeza de suas palavras– Eu o deixei aqui sim, infelizmente... Infelizmente... Foi a única saída que encontrei. Não tenho irmãos. Mamãe morreu. E não tenho tanto tempo quanto ele realmente precisa... Nem dinheiro para pagar um enfermeiro particular. Aqui está sendo bem cuidado, eu sei, eu vejo. Mas nunca o deixei... Venho visita-lo todos os dias... Mas, a doença dele... Ele não se lembra mais de mim... Não com minha aparência de agora, mais velha, certamente... Mas, é bom ver que ainda se lembra de mim... Quem fui... Saber que ainda não fui completamente esquecido... Mas, é melhor ainda vê-lo assim...
- Ah... – Parecia ser o único som que o rapaz conseguia emitir. Lágrimas escorriam pela face de Alberto enquanto fitava o senhor se levantar mais uma vez e entregar a Lys uma fina corrente. – Sinto muito... – Emitiu o rapaz, sua voz profundamente sentida. Sua mão, com a corrente, se estendeu para Alberto, e continuou. – Acho que isso ficará melhor com o verdadeiro Alberto. E foi neste momento que o olhar do senhor Pierre seguiu para a face de Alberto. Fixou seu olhar na face do filho por um momento, voltou a para Lys, e então mais uma vez para o filho. Pierre mais uma vez prorrompeu em lágrimas, e se jogou sobre a figura de Alberto, que agora tinha em seus dedos a fina corrente que Lys lhe estendera.
- Boa sorte, aos dois... – Emitiu Lys, sua voz ainda emocionada, enquanto pegava o ursinho a seu lado da cama, e dali saia. Era evidente os rastros de lágrimas nas faces dos dois parceiros enquanto seguiam rumo ao saguão, com a imagem de Pierre abraçado a Alberto ainda em suas mentes.
- Foi muito bonito o que fez... – Emitiu a mulher na recepção, chamando a atenção de Lysander que já estava para sair pela porta, fazendo com que este se virasse, Pancham enxugava suas lágrimas rapidamente, na intenção de disfarça-las. – Eggnog? – Apontou ela com a cabeça para uma segunda xícara fumegante sobre a mesa, uma vez que ela mesma já tinha uma caneca em suas mãos. Após alguns instantes de pensamento, Lys voltou a caminhar na direção do balcão, onde ali se sentou, e logo começou a tomar seu Eggnog. Momentos se passavam, com os dois em silencio ali no saguão, até que ouviram barulhos de passos, vindo do corredor do qual Lys surgira, e em seguida, as figuras de Alberto e Pierre surgiram, seguindo para o exterior, onde o senhor parecia disposto a lhe mostrar as flores. Pouco antes dos dois saírem do saguão, Lys notou um sorriso se formar na face de Alberto, seguido pelo que seria um sussurro de “Obrigado”.