[Mahogany] Memórias

The yesterday is today

Mahogany Town

Thomas afastou-se do helicóptero, tentando maturar a ideia. Emily seguiu ele, ainda que hesitante. Não era como se ela tivesse muita escolha, afinal. Quando estavam a uma distância segura, o piloto suspirou, tomou o controle do veículo novamente e decolou, indo embora. Aparentemente, tinha mais trabalho a fazer naquele dia ainda. Provavelmente, Mahogany era apenas a primeira de muitas viagens vindouras que ele haveria de fazer.

Contudo, o foco aqui não é o piloto. E sim, os irmãos. Eles permaneceram em um silêncio mortal, no qual nem mesmo o vento ousava repercutir. E então, Thomas bombardeou a ruiva com suas perguntas e afirmações, mal dando tempo para a garota responder uma, antes de ouvir e pensar na outra. Assim sendo, ela permaneceu quieta. Até parecia que ela não sabia, ao certo, como justificar suas ações. As lágrimas voltaram a escorrer.

O abraço foi uma agradável surpresa. Ela ficou assustada, de início, mas logo retribuiu calorosamente. Era quase como se quisesse ter feito isso desde o momento em que pusera os olhos sobre o irmão, mas não se sentisse no direito de fazê-lo. — Ah, Thomas, eu tentei. Eu juro que tentei, no começo. Mas estava tudo tão confuso, eu não tinha respostas, e era tudo tão diferente... Quis conhecer mais, e aos poucos, deixei de tentar.

Talvez não fosse a resposta que o treinador queria, mas era uma. Com todos esses sentimentalismos no ar, Ralts começou a chorar também, mesmo que não compreendesse por completo os ocorridos. Entendia as sensações, e era extremamente empática. — Eu te amo. — disse ela, como que pedindo desculpas, tentando animar um pouco o moreno.

The yesterday is today

Mahogany Town

Finalmente, a conciliação. Thomas e Emily pareciam ter conseguido chegar em um consenso. Afinal, para que permanecer discutindo e de mal-humor quando um milagre aconteceu? Instantes atrás, o treinador achava que não tinha mais família neste plano astral. Para que arruinar um momento tão magnífico?

Foi tocante, de uma boa forma, ver o reencontro dos irmãos. Até mesmo Ralts estava extremamente emocionada (embora eu ache que realizar tal feito, para ela, não era lá muito difícil). A citação de uma amiga fez Emily sorrir, arqueando uma sobrancelha. — Puxa vida maninho, eu te encontro aqui e você já está cheio de amigas? — parecia divertir-se com a ideia.

Ralts aos poucos acalmou-se, vendo que já estava tudo bem. A ruiva aproximou-se da pequenina, acariciando sua cabeça esverdeada. — Eles estão bem sim. Nine adorou sair um pouco. E pelo que parece, você tem muito mais jeito com os pokémon que eu, continuo tendo apenas três monstrinhos! Seus pequeninos aí parecem todos muito bem, aliás. — parabenizou então.

A outra pergunta, como era de se esperar, não deixou a garota muito à vontade. Ela suspirou, tentando pensar em quê dizer. — Eu... Eu estive por aí. Passamos por vários bocados. — parecia ser tudo que ela diria, por enquanto. Então sorriu, colocando as mãos na cintura, como se tentasse passar otimismo e confiança.

— Mas bem, acho que temos uma cidade para reconstruir, não? Por que não me mostra as coisas por aqui? — perguntou por fim, ávida para mudar de assunto. Melhores amigos, um dia. O que a distância não fazia, ein...? Aparentemente, Thomas precisaria trabalhar melhor sua relação com a irmã. Talvez mais tarde. Quem sabe. Por enquanto, ela esperava por uma resposta.

The yesterday is today

Mahogany Town

Ela parecia divertir-se com as reações do irmão. Aparentemente, constrangê-lo era um ótimo hobby, um que ela sentira falta durante todo esse tempo no qual estavam afastados. Mas bem, a alegria foi aos poucos dando lugar à uma tristeza iminente. Mahogany, ah, Mahogany. Para dois irmãos, não era apenas uma cidade. Era um lar, um lugar cujo nome trazia várias memórias. Era parte de quem eram.

Ela mostrou para Thomas um sorriso desconcertado, como se não soubesse ao certo como reagir em relação àquela destruição toda. — Senti saudades. Daqui, de você... — ela arriscou em dizer. E então, foi lançada a bomba. Uma oração pequena e simples, de fato, mas bastante destrutiva. Emily fechou os olhos, suspirando.

— Eu entendo. Provavelmente, não conseguiria ir também. Ao menos, não sozinha. — tornou a abrir as pálpebras, revelando seus globos marejados. Relutante, tomou a mão do irmão, como que tentando emprestar-lhe as forças que não tinha, tal como apoiar-se no garoto, também. — Quer ir lá? Juntos?

The yesterday is today

Mahogany Town

— Eu... Claro. Como poderia esquecer? — dissera, após travar por alguns instantes. Fazia tempo, sim, mas ela passara uma parcela incrivelmente grande de sua vida naquelas ruas, naquela casa. Mesmo com tanta destruição, ela poderia lembrar-se, mesmo que vagamente, do caminho.

Claro, talvez ela precisasse da ajuda de Thomas para evitar alguns obstáculos intransponíveis, ruas agora inacessíveis, espinhos altamente mortais ligeiramente escondidos, fossas alagadas. Coisas do tipo. E Emily sabia disso. — Ainda assim... Por que você não me guia? Acho que seu senso de localização sempre foi melhor que o meu...

E com isso, ela ria. Imagino que seja bom ouvir isso. Um som puro, nem um pouco forçado. A risada de alguém amado, uma voz há muita não ouvida. Quem diria que o dia de Thomas acabaria por ser assim? Talvez a tempestade da noite anterior fosse um presságio, afinal. A indicação de que algo iria acontecer.

The yesterday is today

Mahogany Town

Ralts andava alegremente por entre os irmãos. Estava mais calma, e sentia que os ânimos de ambos haviam acalmado, o que obviamente, deixou-a mais tranquila também. Às vezes, as habilidades dos pokémon podiam causar uma bela dor de cabeça (talvez mais literalmente do que o agradável, em alguns casos — sim, estou falando com você, Psyduck).

Até que, como em um filme de drama, a cidade pareceu conversar com a dupla (desculpe Ralts, trio), revelando que estavam próximos de seu destino. Afinal de contas, como é que uma grande lufada e mudança de ventos poderia, subitamente, anunciar a chegada deles à casa? Não, isso só acontece em shows de televisão, ou então em livros de suspense.

Lar, nem tão doce assim lar. Estava mais para amargo. Quer dizer, ao menos eu imagino que não era uma visão agradável. Thomas e Emily cresceram naquele lugar, e vê-lo em tais circunstâncias... Nada legal.

Não irei descrever detalhadamente para não acabar com os sonhos de infância de alguém, mas vamos lá. O telhado havia desdobrado-se para o interior da construção, as janelas todas estavam quebradas, havia muito lodo e musgos nas paredes. E estas, quando não ruídas, estavam quase, apoiadas umas nas outras precariamente. Parecia que ela cairia completamente, em escombros, no pousar de uma Butterfree.

Provavelmente, os irmãos iriam reagir bem mal. E quem não iria, de certo? Contudo, não teriam tanto tempo para demorar-se ali. Passados alguns quinze minutos desde que viram a casa destruída, uma voz pôde ser ouvida ao longe. — Ralts? Thomas? O café está pronto!