Subiu para o quarto. Era um cômodo relativamente simples, contudo, já era excêntrico por portar hospedagens justamente em um centro pokémon, diferente dos demais. Seus olhos ziguezaguearam pelo recinto, já tentando organizar, ainda que mentalmente, onde ficaria ali por aquela noite todas as suas bagagens. Inerte e taciturno na porta, via sua mente pregando-lhe a peça, fazendo uma jovial e loira garota correndo pelo e pulando por cima de uma das camas, com Jigglypuff no seu colo.
Ah, se ela soubesse ao menos o quanto o seu sumiço torturava as lembranças do treinador, jamais teria cedido a si própria em sacrifício. Fato de que ambos haviam criado um laço, contudo, a mente de Nicholas era esfaqueada a cada segunda pela mais ínfima lembrança da silhueta de Emma, agora na mão de Rockets. Cada palavra daquela derradeira carta entregue pela rechonchuda rósea marcavam seu pensamento como uma tatuagem, e latejava a cada segundo que se passava. O tic-tac de um pequeno relógio sob a cabeceira de uma estante no quarto mais parecia como uma bomba relógio, que explodiria Nico de dentro para fora em ainda mais agonia por pensar que fora fraco demais para enefrentar aquele trio de bandidos.
Em passos vagarosos, colocou a fada sobre a primeira cama, e deixou Mightyena mais à vontade. Sem muitas delongas, deixou a embalagem com o ovo em sua mochila na estante, aproveitando para liberar Charmeleon também. Mostrando um cenho decepcionado não com seus pokémons, mas consigo mesmo, Nico olhava de relance para cada um dos monstrinhos, fitando o chão após aqueles segundos infindáveis. Semicerrou seus orbes, pressionando seus punhos levemente. Possivelmente, diante daquela atitude loiro, seus pokémons quiçá entenderiam: ora, dizem as pessoas que o silêncio pode dizer muitas coisas as vezes.
— Descansem, partiremos amanhã pela manhã — exprimiu, sucintamente. Sua voz era baixa, em um claro tom sorumbático e desgostoso diante do fracasso da busca relâmpago.
Os três monstrinhos entreolhavam-se. Não sabiam exatamente o que sentir. Tristeza, decepção, culpa. Apenas aquele semblante de Nicholas traduzia toda uma aura melancólica que era passada automaticamente para os mesmos. Charmeleon e Mightyena sofriam não só pela falta de companhia de Emma que lhes fora tão terna, ademais, sentiam todo aquele âmago já quebrantado de Nico que se traduzia apenas quando estava a sós com suas criaturas, cujas confiava piamente. Quem dirá Jigglypuff: viu a outra face do loiro atônita, não sabendo o que fazer, a não ser chorar para impedir que extravasasse todo o seu furor ainda mais. Seus olhos vultosos, confusos, corriam por toda a expressão caída daquele que agora a guiava até a sua treinadora na esperança de que ele trouxesse a mesma o mais rápido possível com um quê de medo e desconfiança.
Nicholas deu alguns passos até perceber o olhar de Jigglypuff. Parou, abruptamente. Ainda com seu rosto sorumbático, fitou-a. Abriu a sua boca, ensaiando um pedido de desculpas para a fada; todavia, toda aquela melancolia travou as palavras que sairiam por suas cordas vocais. Emudeceu-se enfim, arqueando seu corpo para a direção do banheiro. Por mais que tentasse, nem mesmo o próprio loiro sabia o que dizer para quem alguém um dia confiara nele a ponto de ajudá-lo em uma crucial batalha contra Drilbur. Mas, e agora? Nico tentava afastar toda a sua emoção de sua consciência o máximo possível, em um infindável embate interior contra seus impulsos; em vão.
Vagarosamente, adentrou ao banheiro e fechou a porta logo seguida. Despia-se, deixando suas roupas em um canto remoto do cômodo. Abriu o box e abria o chuveiro.
Posicionou seu corpo logo em baixo da água morna que derramava e molhava seu pálido e atlético corpo. Seus olhos, vazios, fitavam o nada — apenas aquele piso esbranquiçado que cobria o chão do banheiro. Estático, ficou lá por alguns minutos divagando, e que péssimas lembranças corroíam a mente do treinador gradualmente.
Conforme a água caía sobre seu corpo, aquela sensação remetia-o à tempestade na rota 101, que marcava o seu auge e declínio dentro de tão pouco tempo. Suas mãos juntas a da treinadora, tal o sol beijando ao oceano no mais belo pôr do sol em harmonia inexplicável, sob o teto de um casebre abandonado na estrada próxima a Littleroot; acompanhando-os, seu outrora Charmander com a hiena que agora era um escudeiro fiel do rapaz. E sob aquela mesma torrente, todo o seu interior ruíra no instante em que a toupeira comandada pelo Rocket acertava o derradeiro ataque em suas costas, exaurindo toda e qualquer reserva energética que ainda o mantinha de pé após receber um golpe de raspão daquela mesma criatura. A silhueta de Emma partindo, misantropa, arrastada pelas mãos do bandido, tal como o mesmo ameaçara após Nicholas vencê-lo no embate inicial.
Respirava fundo conforme sentia o leve calor das gotículas chocando-se sobre sua cabeça e ombros. Segurava ao máximo suas emoções, abafando-as em um cerrar de punhos súbito. Não se permitia chorar até o momento em que recuperasse a garota dos bandidos; para ele, Nicholas era o culpado de tê-la deixado escapar por ser inábil — por mais que não era uma verdade. Movimentou sua mão fechada em um movimento horizontal em ímpeto, chocando a mesma contra a parede em força moderada. Suas criaturas não poderiam ouvir seus lamentos mais silenciosos; passar uma imagem de liderança era essencial, e, para Nico, tinha de mostrar força e determinação para encontrar com vida aquela garota que lhe era tão terna. Rangeu seus dentes, e naquele impulso, viu uma lágrima escapar de seu olho esquerdo.
Ainda divagando, era como se aquele pequeno corpo de água chocasse contra um oceano que afogava o treinador diante de sua própria lamúria. Nesse corpo aquático colossal, a mesma aura negra de outrora fazia-se presente, enegrecendo o líquido e buscando perpassar a cútis de Nicholas para envolvê-lo por completo. Um cabo de guerra metafórico se estabelecia naquele universo paralelo: de um lado, seu consciente, e de outro, o seu ódio. Como frear um sentimento apenas que emergia vigorosamente dos confins de seu intrínseco apenas usando a razão? Impossível responder.
Lavava seu corpo enfim, em um abrupto chacoalhar da cabeça para afastar seu maior inimigo até então: seu pensamento. Ao fim, secou-se, vestindo a outra muda de roupa em sua mochila: uma calça de sarja preta e uma camiseta branca. Estendeu sua toalha no banheiro, voltando para o quarto onde jaziam seus monstrinhos.
MIghtyena e Charmeleon estavam deitados sob a cama esperando o sono chegar, enquanto a fada fitava Nicholas sair do banheiro. Seus orbes cerúleos passavam a confusão que seu âmago sentia, tanto por ver Nico agir de modo anormal e pela falta de Emma. O loiro desviava o olhar — não sabia se explicar ou ao menos o que exprimir para a fada, de personalidade tão cândida tal àquela que a treinava, o porquê daquele turbilhão.
— Durma também, amanhã vai ser um longo dia — disse enquanto preparava a própria cama para dormir assim que comesse algo e levasse suas roupas para a lavanderia.
Ao fim, sentou sobre a cama. Permanecia taciturno com seu corpo arqueado para frente e com seus dedos entrelaçados apoiados em suas coxas, encarando o nada, ensaiando respirações mais profundas na tentativa de recuperar sua calma. Deu para si mesmo de amanhã ser o último prazo para livrar Emma dos Rockets.
Ah, Nicholas Halstenberg...