[Villain] – Lilycove City –

— ...Olha, eu posso até estar errada, mas isso parece mais com uma armadilha de rattata que com um circo... — Comentou, balançando a cabeça com suavidade e apoiando o queixo por sobre as costas dos dedos. Era com certa curiosidade que os orbes acinzentados passeavam pela imagem do especialista em fantasmas - ora, não sabia exatamente se por estar confortável com a ideia ou se simplesmente não se importava, mas invejava um pouco a maneira como ele parecia tranquilo em compartilhar os relatos mais esquisitos que facilmente poderiam pôr em dúvida sua sanidade para os demais. Queria ela ter essa plenitude ao revelar à outrem suas próprias experiências amaldiçoadas... — Mas é um pouco engraçado que esse tipo de estratégia tenha dado certo. Cê não acha?

— Eu nem sabia que tinha esse tipo de coisa por aí. Como é que não vendem à torto e direito? Tenho certeza que muita gente ia gostar da ideia de falar com seus pokémons... — Comentou, se inclinando um pouco para frente para poder observar melhor o projeto de coleira ao redor do pescoço do lençol grafite. Foi somente quando Priscila se intrometeu no assunto que a atenção novamente se desviou do aparato - será que seria falta de educação encarar daquele jeito? -, uma das sobrancelhas se erguendo com discrição em reação às suas palavras. — Hmm... Então a Doll quem é a vocalista, mas você também sai cantando por aí. O que é mesmo que te impede de ir pro palco? — Perguntou, um sorriso ameno no rosto enquanto observava a interação romântica (e meio abobalhada) dos dois adolescentes. Será que era assim que ficava, durante seus momentos com Luch? Bem, não que pudesse culpar...

— Olha... Longa história. Na verdade, na maioria das vezes eu acabo metida em algum problema bizarro ou, uh, arrastada pra uma dimensão alternativa? Sabe como é, Arceus não vai muito com a minha cara... — Deixou escapar um riso nervoso, sem jeito. Talvez deveria tomar um pouco mais cuidado pra não acabar saindo como louca mas, ali, na presença do especialista, se sentia um tanto quanto uh, confortável, para mencionar as tantas experiências bizonhas que tinha. Ora, ele próprio não o fazia? — A gente bem que podia fazer uma aposta ou competição de quem tem o histórico mais bizarro. Mas cuidado, que eu sou um páreo duro! — Brincou, dando uma piscadela e se ajeitando na cadeira. — Apesar de que eu tenho 99% de certeza que qualquer um que escute já pense que eu surtei de vez. Mas acontece, fazer o quê...

— ...Ah... Me parece, hm, um tanto quanto complicado demais, talvez? — Comentou, mordendo com discrição a parte interna de uma das bochechas. — Mas, se eu entendi direito, não sei se concordo com essa teoria. Talvez eu goste mais da ideia de que é a tecnologia que não alcança as, hm, "profundidades" que deveria. Dá pra entender? — Hesitou, tamborilando os dedos com suavidade na superfície da mesa. — Até porque, bem, a "comunicação" entre pokémons e treinadores é algo extremamente complexo pra se dizer que uma parte é mais básica que a outra. Você não acha?

— Ok, ok, você venceu! — A ruiva riu, colocando as mãos para cima em um sinal de rendição. — Vou deixar esse lance de crê-não-crê pra lá. Quer mesmo que eu conte alguma delas? — Pausou, deixando um suspiro manso escapar e passeando o olhar pelos acompanhantes antes de, enfim, pousar as pupilas sobre os próprios dígitos que repousavam na superfície da mesa. — ...Bem, então... Deixa eu ver. — Encolheu os ombros, deixando as palavras passearem por sua consciência por alguns instantes, leves, livres.

— ...Já aconteceu de se separarem de alguém por muito, muito tempo por algum motivo que simplesmente não conseguem se lembrar ou explicar? — Perguntou, hesitante, tentando encontrar alguma maneira não tão estúpida de se iniciar um relato. — ...Eu tenho... Alguns exemplos disso, eu acho. — Pausa. — Mas, eu acho que a parte mais forte - ou estranha, não sei - de pensar sobre isso é a ideia do reencontro. Ou será que é simplesmente um jeito de evitar pensar demais em como se resolveria um conflito assim? — Divagou, balançando a cabeça com discrição. — ...Enfim. Eu cheguei a reencontrar uma dessas pessoas, recentemente. Coisa de que não tem contato há anos, sabe? Apesar de que foi uma reunião estranha, quase sobrenatural, se puder dizer assim. Parece algo esquisito de se pensar? Que o destino "exija" o reencontro de duas pessoas há muito separadas?

Naquele curto período em específico, quando os orbes acinzentados se ergueram na direção do companheiro platinado em busca de quaisquer confirmações de que o rapaz acompanhava o que dizia, ah, foi naquele momento que enxergou através de su'alma, as pupilas rasgando-lhe a carne e vigiando o incômodo inquieto que parecia transbordar por sua essência - e a moça não sabia explicar ao certo a razão ou circunstância mas, enquanto o olhar se perdia no vívido oliva que pacientemente a observava, sentiu entre ambos uma conexão muda, palpável, do tipo que só aqueles que reverenciam a perda são capazes de compartilhar.

Suaves, os dedos deslizaram pela mesa para pressionar com gentileza o punho do platinado, em toque discreto e empático que aceitava o peso de uma dor que não realmente lhe pertencia.
...Mais uma não pesaria tanto assim sua balança, não é?

— ...Então, — Devagar, afastou o braço novamente, apoiando ambos sobre a mesa, cruzados. — eu reencontrei esse, uh, alguém. E não foi algo lá muito bonito e agradável no começo, por assim dizer... — Balançou a cabeça, sutii. — O fato é que: Tinha uma tempestade. E, ecoando com os trovões, uma voz distante, distorcida; O que poderia ler só como imaginação, mas meio que ficou difícil quando ele apareceu. — A respiração veio e foi, profunda, e as pálpebras ameaçaram se cerrar. — Um fantasma sem rosto, de sorriso afiado. — Sussurrou ao vento, os ombros encolhendo-se com discrição singela. — ...E então, não estávamos mais lá. Mais especificamente, acordamos num projeto de... Prisão, sei lá. Embora, sinceramente, não tenha sido muito difícil de sair. — Comentou, tamborilando os dedos mais uma vez sobre os próprios braços. — O problema, acho que foi mais o que veio depois. Sabe, não é muito normal começar na beira de um lago e aparecer em um projeto de masmorra/mansão gigante, você deve imaginar. — Pausa. — Tinham... Muitas coisas lá dentro. De criaturas psicodélicas que a aparência se alterava, sei lá, dez vezes por segundo, traumas do passado, à toda uma organização bancária comandada por elétricos. Particularmente, a gente só queria dar o fora dali, então acabamos não vendo... Tudo que tinha pra ver? — Suspirou. — Mas acho que a pior parte foi a saída. — Então, a atenção se volveu mais uma vez ao platinado. — ...Alguma vez você já imaginou ficar cara a cara com o próprio Criador, e não enxergar mais nada nos olhos dele além de asco, fúria e o mais puro ódio? — Perguntou, apertando com suavidade os dedos nos próprios braços. — ...Como se você não fosse nada mais que um erro, que uma criatura irritante que caiu no meio do caminho?

Infeliz foi o sorriso que se desenhou pelos lábios diante do reconhecimento da conexão realizada entre si e o platinado e, não obstante, também por conta das palavras cuspidas pelo rapaz daquela experiência sofrível, sórdida, que rasgava pela linha da coluna e deliciava-se de modo infortuno com aqueles que não a mereciam. Silenciosa, a moça balançou a cabeça em negativa, em uma tentativa quase ingênua de espantar tais pensamentos e correntes que tentavam prendê-los à uma maré distorcida de angústia corrosiva que, ainda que não parecesse (mais?) afetar em demasia o especialista, ainda fazia-lhe bambear como um bambu que se retorce ao sibilo de um vento raivoso.

Ah, tinham nada em comum.
Ah, tinham tanto em comum.

— ...É quase como se fôssemos... Parasitas, de um universo que sequer é nosso. — Murmurou, um suspiro profundo escapando da garganta, as pálpebras se apertando com delicadeza e a cabeça balançando mais uma vez, letárgica. — É engraçado parar pra pensar que, em ambos os casos, a culpa da existência meio que é justamente de quem se frustra com ela. Você não acha? — Deixou a questão no ar, os ombros se encolhendo com mansidão. Naquele momento, os orbes passearam pelo relógio pendurado na parede, e os dentes se pressionaram sobre o canto do lábio inferior em um gesto indeciso - ora, tinha muito, muito mais a dizer dos ocorridos que seguiram os fatos já narrados mas, hah, estaria o tempo à seu favor? — ...Mas, então... — Interrompeu os próprios pensamentos, afastando os braços da superfície fria da mesa enquanto ajeitava as alças da mochila sobre os ombros. — ...Eu tenho um compromisso daqui a pouco, então talvez seja melhor eu ir? — Sorriu, amena, evitando entregar o ouro ao bandido que não existia. — Quem sabe a gente não se encontra depois e continua essa conversa? Que tal? — Ergueu-se, então, apoiando o peso do corpo sobre um dos pés e alternando-o, paciente. — Parece bom pra você?

Equipando o Power Belt no Snorlax e Metronome no Gyarados \o

E foi com certa surpresa, então, que sua despedida veio a ser interrompida não por nenhuma tragédia, problema ou algo parecido, mas sim pelo pedido quase choroso da raposinha noturna que há pouco tempo aninhava nos braços. Um sorriso simples brincou no rosto quando a canídea pulou pela mesa em que se acomodavam e, sem hesitação, os dedos se moveram pelo topete avermelhado do animal, afagando-o com delicadeza enquanto ponderava o convite feito pelo platinado de uma última batalha.

— Uh... — Mordeu, de leve, o canto dos lábios; Então, com um suspiro e um dar de ombros manso, a treinadora simplesmente assentiu com a cabeça, sem pressa. — Bem, acho que não faz mal alguns minutinhos a mais, né? — Decidiu, volvendo então a atenção para as duas "garotas" do outro lado da mesa. — Mas acho que é aqui que eu me despeço de vocês duas. Até uma próxima, viu? — Sorriu, acenando de leve com as pontas dos dedos. — Vamos lá pra fora, então? — Convidou o especialista, encaminhando-se sem pressa enquanto o rapaz tomava outro caminho em direção aos computadores.

Do lado de fora, então, a jovem liberou Gyarados, Venusaur e Snorlax, respectivamente; Felizmente, não precisou esperar muito antes que Gray retornasse com seus companheiros em punho, e a ruiva ergueu uma das sobrancelhas com discrição ao se dar conta da presença de Chandelure, mais uma vez - aquele era um bichinho que lhe daria trabalho, inevitavelmente, então só podia esperar que não seria tão drástico assim.

— Bem... Vamos ver. — Ponderou, encarando a formação dos fantasmas (e da noturna!) por alguns instantes, hesitante. — Muito bem. Ryo, primeiro você; Hora de Mega evoluir! — Convidou, retirando o pingente responsável pela ativação do poder oculto no âmago da quadrúpede venenosa. — Ariel, vá na frente; Duplo Crunch na Mismagius, Snorlax, acompanhe com Duplo Rock Slide! Ryo, Protect e Giga Drain na Zorua! — Instruiu. Era uma infelicidade ter que começar atacando, mas...

Acontece, né?