[Rota Atemporal]Dia de Praia

A mudança de cenário era brusca; não era como se houvesse ofensividade, mas o loiro se sentiu um pouco acuado com a chegada da especialista. Não que encontrar com ela fosse um problema, caro leitor, de modo algum; todavia, sentia um leve empecilho dado a ousada investida contra Artemísia. Coçou a nuca, sentado sobre a cabeça de Critias, vislumbrando ao longe a hoenniana saindo da água na direção de onde estavam as coisas outrora.

Curvou um pouco a sua vista, e percebeu a outra garota brincando alegremente com o Swampert que Nicholas encontrou no mar outrora, e agora era a vez de se juntar à Karinna o unoviano com sua língua dormente — tanto pelo efeito da erva que era um sommelier quanto por simplesmente comentar coisas com a maior naturalidade do mundo — e a própria garota com quem flertara.

Até aí tudo bem. Se não fossem falar pessoalmente justo com a especialista que conhece bem alguns trejeitos do loiro.

— Acho que agora vai começar o meu julgamento — comentou, respirando fundo. Morosamente, jogou o corpo para trás, apoiando-se ainda sobre a cabeça de Critias. Entrelaçou os dedos, passando-os por trás de sua nuca, fitando o firmamento livre de nuvens, presságio do clima propício. — Sinceramente, eu prefiro ser julgado por Arceus pra saber se vou pro céu ou pro inferno — novamente, um comentário hiperbólico sobre a sua situação - que, cá entre nós, não era o pior dos mundos, contudo Nicholas só prezava por sua discrição. — Acho que vou dar um tempinho aqui, e depois volto como se nada tivesse acontecido. É inteligente? Não, até lá a bomba já estourou; mas, quem não deve, não teme. Né, garota? — a pobre da Gyarados mal entedia a situação, então somente assentia.

E restou passar um tempinho ali para saber o que viria a seguir.

Enquanto isso, espero que o trio não se incomode com um Tyranitar dorminhoco, roncando e causando microtremores conforme batia sua cauda contra a areia, mergulhado no mundo onírico que tanto ama. Mithra não é um monstrinho de demonstrar emoções, conforme a programação dos próprios de sua espécie, então somente repousava perto da fortaleza esverdeada ambulante em seu sono.

Cogitou cerrar as pálpebras e somente ouvir o manso sibilar dos ventos litorâneos enquanto o julgamento da pobre alma que seria julgada só por jogar uns verdes para uma baita de uma loira. Até o faria, se não fosse por um urro rasgar os ventos e chegar até mesmo com certo desconforto aos tímpanos — não pelo timbre da voz infante, e sim pelo contraste exagerado com aquele canto do mar. Nicholas abriu os seus olhos e ergueu o corpo, ficando sentado. Fitou então a figura que vinha até ele.

— Ah, é você — anunciou. Afagou singelamente a cabeça de Gyarados, e o serpente marinho curvou o seu corpo, ficando com seu rostinho nada fofo próximo ao nível da água e não tão longe de Hayato – espero que o rapaz não se sentisse intimidado com um colosso de quase sete metros fitando-o. Em sua cabeça, de perna cruzada e sentado, jazia o loiro. — Você sumiu depois de que saiu andando do deserto. Espero que tenha resolvido todos os seus bos — Nico colocou-se de pé. — Agora, voltou todo mundo pra lá. Vamo voltar e pegar alguma coisa pra beber.

Critias voltou a retesar seu corpo serpentino com seu treinador ainda em pé. Com um assovio, Nicholas convocou a presença de Nalu e o gastrópode chegou sem delongar muito. Movimentou a cabeça na direção da costa, e o aquático logo entendeu: cutucou Hayato, pedindo para que o mesmo se sentasse sobre suas costas para ganhar uma carona de graça. Simultaneamente, Gyarados e o híbrido nadavam eximiamente até a direção da faixa limítrofe da faixa azul com a areia.

— Se eu estou sendo julgado, então devo dar um jeito primeiro no Minos, que é quem decide pra onde vai a minha alma. Éaco e Radamanto eu ganho no papo depois — divagou, audível somente para Critias quem o carregava sobre sua cabeça.

Por fim, Nalu e Critias chegaram na areia, deixando o criador e o loiro por lá; não tardaram em voltar para o oceano e aproveitar de seus habitats naturais. Ao longe, já vislumbrara o rosto fechado da especialista em psíquicos — será possível que existira um pré-juízo? Ora, os três tagarelavam coisas que, de longe, Nicholas não compreendia, mas a linha de ataque era certeira; bom, achamos quem é a rainha Minos.

Os passos eram morosos. Como estivera no mar há um bom tempo, passou a mão destra sobre os as madeixas e estas agora jaziam estáticas para trás, caindo alguns pingos de água salgada, formando uma trilha além de suas pegadas. Agora, enfim, já estava junto da gangue.

— Deixa eu adivinhar: você tá lotada de bronzeador ou protetor, e por isso, tá aí sentada — sim, caro leitor, Nicholas mesmo sendo fuzilado fez questão de enfrentar o olho do furacão com sua astúcia, destemido. Foi até o cooler e abriu-o, retirando duas garrafas long neck de cerveja; perspicaz, percebera que a de sua irmã estava próxima do fim. Abriu as duas, habilmente, estendendo a mão canhota com uma garrafa aberta. — É bom ver você também, Karinna Bley — ofereceu um discreto e sucinto riso no canto dos lábios. Aproveitou que ali estava e já abriu mais uma, oferecendo-a a Luch. — Você tem cara de que gosta de uma em especial — direcionou essa fala à Mísia. Abriu uma de uma marca em específica, tomando um limão e colocando por dentro da garrafa, o líquido agitava-se com a reação de expansão gasosa; agora, o pedaço da fruta jazia boiando ali dentro, saborizando o restante do conteúdo. Não que não soubesse que a loira não bebesse das comuns, mas às vezes, tem que mostrar ao menos o mínimo de interesse, certo? — Essa daqui é pra você — por fim, estendeu a última para Artemísia, fechando o cooler e sentando, já que os menores de idade não bebiam nada.

Assim que sentou, sentiu o cooler balançar com um microtremor. Rapidamente, volveu o rosto na direção da fonte, constatando que era Hermos, o Tyranitar mais preguiçoso da história. Perdido no mundo onírico, não tinha noção de sua força, e repetiu a pancada com a cauda no chão umas duas vezes.

— Ei, sem bater a cauda no chão — pediu para seu monstrinho. Hermos tinha um alarme em específico: ouvir a voz de Nicholas somente para reclamar e resmungar. Balbuciou algumas coisas em seu idioma ininteligível. Por fim, em um movimento exímio, jogou sua cauda na direção de suas mãos, segurando-a como se fosse uma pelúcia. Não delongou em voltar a roncar de novo. — Você tem que aproveitar. Quando voltarmos a viajar, não vai ter três dias de sono direto assim.