[Rota Atemporal]Dia de Praia

— É simples: diferente dele, não sou comprado com comida — retrucou com uma piscadela. Ora, quem nunca ficou implicando com o irmão de graça, que atire a primeira pedra; ademais, aquilo era sinal de que estava tudo bem, não concorda?

E tudo fora conforme havia matutado no caminho até onde estavam todos: claro que os três mosqueteiros da fofoca já estavam colocando o assunto em pauta, era notório pela tensão ínfima quando o treinador ás se aproximou — Nicholas não precisava ser o novo Tesla para entender toda a situação. Ao menos, parecia ter conquistado Minos, já que a fala de Karinna era a desculpa esfarrapada que estivera buscando para ficar a sós com Mísia, isso se Flora não desse um jeito de tentar tirar a hoenniana dos domínios do loiro.

Contudo, as vezes a irmã implicante resolve ser a Supergirl e salva o dia como nunca dantes visto. Ela própria diz que levaria a garotinha para ir comprar o bendito do milho e com isso levaria o jamaica junto, dando a brecha perfeita para que os dois ficassem a sós. Antes de partirem, enfim, a reclamação de Luch sobre a cerveja era audível. Lembra-se daqueles dois tragos na “mari” de algum tempo atrás? Isso foi o suficiente para que o corriqueiramente mal humorado Nicholas retrucasse, e sem precisar dar uma patada.

— Faz o L, meu nobre — ergueu o antebraço esquerdo na altura de seu rosto, próximo à lateral. Deixou seu polegar e indicador retesados, perpendiculares, como se ilustrasse seu gracejo.

A especialista levantou e, carinhosa — um abismo comparado ao kantoniano —, beijou-o em sua bochecha, aproveitando a abertura para dar um toque. Em uma situação como tal, era melhor manter-se taciturno até segunda ordem — isto é, até todo mundo zarpar dos domínios do guarda-sol.

E não delongou para que o grupo agora fosse separado em três, e agora, recolher-me-ei a observar somente Nicholas e Artemísia fitando um ao outro com intenções claras. A loira tomou a iniciativa de apontar para o mar, indicando calcorrear pela orla, afastando-se ainda mais do grupo; como resposta, o riso nos lábios de Nicholas se acentuou, claramente estava de acordo com os seus planos.

— Eu ia falar exatamente isso — proferiu, erguendo-se do cooler e auxiliando a hoenniana a levantar. — Mithra consegue cuidar bem das coisas. Diferente de outros que tenho, ele segue quase que literalmente tudo o que eu falo, o comportamento natural de Porygons — divagou, e quiçá, poderia torcer para conseguir uma ínfima aprovação por não ser um ignóbil no que se trata aos monstrinhos.

Não tardou muito para que chegassem até a orla. Antes que seguissem o caminho, quiçá era a hora de jogar mais um verde, contudo disfarçado, e era por isso que Nicholas parava junto à Mísia perto do mar.

— Se ficarmos mais altos, dá pra aproveitar melhor a brisa do mar e ter uma vista mais bonita ainda — tornou na direção do mar. Colocou o polegar e o indicador na boca, soprando-o, e com um assovio, chamou a sua fiel escudeira: Critias. A serpente oceânica foi em sua direção nadando habilmente, baixando a cabeça para ouvir o que lhe seria solicitado. — Pode erguer a gente até a sua cabeça? Aí a gente pode dar uma voltinha, garota.

Sem pestanejar, os dois humanos precisavam somente erguer os pés levemente para pisarem nas escamas de Gyarados. Em um movimento simples, começou a erguê-los, mas de maneira morosa; todavia, era o movimento planejado para que Nicholas desse o próximo passo. Descaradamente e, quiçá, em uma péssima atuação, lançou-se na direção de Mísia. Os braços foram até a sua cintura levemente, não fazendo nenhum movimento brusco ou não natural, e nesse meio tempo, trazia-a mais perto, abraçando-a.

— Foi mal. Às vezes, a gente perde o equilíbrio, né? — era a maneira de justificar o movimento atual. Seguiu a fitá-la, deixando que os olhos mergulhassem no oceano castanho-escuro que Artemísia carregava em seus olhos. Como outrora, mais um flerte, dessa vez mais escancarado.

Por fim, Critias colocou ambos sobre sua cabeça, um ao lado do outro. Dado a natureza, tomou a liberdade de passar o braço destro por volta de seu ombro e sentar próximo da garota, repousando a mão pouco abaixo do ombro de Artemísia. A serpente marinha então começou o seu trajeto, claramente se divertindo com a oportunidade de estar em uma ocasião contrária a uma batalha com seu treinador; os metros acima do chão garantiam uma brisa maior e até mesmo vista privilegiada de todo o entorno.

— Sua primeira vez em Sinnoh, eu suponho — iniciou puxando o bom e velho papo furado, claro que poderia não ser a primeira, contudo, nunca tivera a oportunidade de conversar com a loira em outras ocasiões. — Não conheço muito daqui, então até se quiser parar em qualquer lugar que pareça legal, a garotona aqui deixa a gente lá — deu dois tapinhas nas escamas de Critias.

Continuar conversando, ir direto? Bom, o loiro não deu só o sinal verde, como fez questão de escancarar ainda mais as intenções. Seja qual for, agora era a hora de Nicholas dançar conforme a música.

— Essa é a Critias. Uma ótima combatente, por sinal — apresentou a serpente oceânica para a hoenniana, inebriada com a presença suntuosa de Gyarados. — Ela, às vezes, é bem protetora também. E como ela não te olhou feio, gostou de você — uma singela pausa onde o loiro chegava um pouco mais perto, antes de colocar os pés sobre a cauda de seu monstrinho aquático. — Assim como o treinador dela — sibilou, audível somente para Mísia, jamais cortando o contato visual; os orbes mantinham-se fixos na treinadora, como se contemplasse cada traço de seu rosto.

A atuação ruim de Nicholas acabou por render alguns frutos melhores do que pensara. Com sutileza, utilizando a ponta do dedo, Artemísia jogou uma mecha por detrás de sua orelha, soprando elogios emaranhados em misto de súbita afeição com o interesse de outrora. Com a leveza que aquele momento trazia consigo, permitiu que os lábios relaxassem em riso manso, reservando-se a não dizer nada, tal como a própria hoenniana.

E, pouco tempo depois, galgaram até a cabeça de Critias.

Gyarados começava a nadar em lugares não tão fundos desviando de todo e qualquer banhista que visse, na direção oposta de onde foram os demais atrás de comida. A vista era agradável e a própria treinadora reconhecia, e como outrora, permitira o braço do kantoniano envolvê-la. Em gesto afável e singelo, Mísia recostou sua cabeça sobre o ombro de Nicholas. Com o calmo balanço da aquática em seu habitat natural, começou a divagar sobre as experiências no continente de Sinnoh.

Por coincidência, viveu eventos semelhantes, mas nos domínios de Hoenn.

— Deve ter sido torturante — ergueu as sobrancelhas em espanto com o relato de Artemísia. — Eu enfrentei uma coisa parecida com isso, mas foi em Lilycove. Tinha uma menina que, simplesmente do nada, se juntou comigo pra ir enfrentar aquela coisa. O nome dela é Lariel. Ela é bem... autêntica — resumiu tudo aquilo em uma serena e sucinta risada. Mísia não tardou em indagar qual era o motivo de o loiro estar ali, já que Karinna a havia dito de que estava nos domínios de Hoenn combatendo alguns ginásios. — Resolvi desconectar um pouquinho da rotina. Tava sempre viajando pra lá e pra cá, treinando, estudando táticas diferentes com meus pokémons. Quando menos percebi, tava cansado, e eles também. Certo, garota? — inquiriu à Gyarados, que assentia, mansa. — Então nada melhor do que dar um pulinho com eles pra cá. Viver só batalhando também submete eles a um nível absurdo de estresse, assim como a gente. Assim que voltar, tenho planos de ir próximo ao monte Chimney e depois ir até as ruínas de Shimmer. Se você gosta de se aventurar, pode ir comigo, se quiser.

Uma pausa simples e Mísia então sugeriu alguma sugestão para o loiro para onde pudessem ir. Volveu o pescoço para poder fitar a imensidão castanha que a treinadora carregava em sua íris, deixando escapar um quase inaudível riso.

— Sendo assim — achegou um pouco a face no ouvido da garota. —, eu tenho uma ideia — por fim, sibilou, volvendo do modo como estavam arranjados até pouco tempo, com Artemísia encostada sobre seu ombro na posição mais confortável possível.

Pressionou suavemente a escama do topo da cabeça de Critias. A serpente oceânica entendera o pedido de Nicholas, e virando quase numa perpendicular — sem movimentos bruscos —, começou a rumar na direção do mar aberto. Ao lado do titã aquático, duas antenas tímidas submergiam, e fizeram o loiro semicerrar as pálpebras para fitá-lo por um certo período de tempo, até constatar de que era seu Gastrodon.

— Você deve gostar muito de aquáticos. Aquele ali embaixo é o Nalu, meu Gastrodon — indicou a direção do gastrópode para a treinadora hoenniana para que pudesse observá-lo também. Agora, os dois aquáticos e os humanos seguiam na direção do mar aberto, onde claramente, estava mais plácido com relação à margem. — Eu sou de Pallet, e lá é uma cidade minúscula que não tem nada para fazer — iniciou. — Então, sobra o mar como diversão ou até mesmo profissão para os moradores de lá, com exceção do laboratório do velho Oak. Foi por isso que sei o básico de surfe, aprendi a nadar bem e por aí vai. Ah, antes que me esqueça, lá os moradores aprendem essas coisas assim que dão o primeiro choro — um leve gracejo, evidência da levidade que aquele momento que tinham a sós. — Nada melhor que dar um mergulhinho aqui, longe de todo o barulho da praia, só sentindo o vento, não?

Não delongou muito para que Critias enfim chegasse em determinado ponto do mar onde não haviam ondas para quebrar. O vento sibilava tranquilamente, balançando as águas, serenas. O oceano era o reflexo do céu de tão límpido que era o seu azul, e naquele determinado ponto, podia constatar somente a presença de Nalu, Critias, Nicholas e Artemísia. Gyarados jazeu estática em determinado ponto. Mansa, a mão direita do loiro que outrora repousava próximo ao ombro de Mísia foi na direção do rosto da treinadora, e com seu polegar afagava na bochecha; os demais dedos, repousavam em seu pescoço, e em moroso avanço, encostou o seu nariz no dela.

— Vejo você no mar, vai ser divertido — recuou morosamente após sibilar essa singela provocação, e seguiu com uma piscadela.

Soltou Artemísia, ficando em pé sobre a cabeça da aquática. Vagarosa, o titã oceânico abaixava sua cabeça para não ficar tão alto, em uma altura confortável onde os humanos pudessem pular. E lépido, Nicholas se lançou ao mar com os braços tesos e mãos sobrepostas, mergulhando eximiamente na água. Manteve um curto tempo submerso, volvendo a superfície ao bater as suas pernas. Agora encharcado, jogou as alvas madeixas para trás, balançando a cabeça de um lado para o outro, como se quisesse utilizar daquela ínfima força centrífuga para se livrar da água em seus cabelos.

— Vem, Mísia, tô te esperando — chamava a loira em tom de voz não tão alto, contudo, também não tão baixo. Estavam isolados, somente eles e os aquáticos que o loiro trouxe com ele, então qual mal faria se berrassem ou não.

Parece ser um convite irrecusável, certo?

— Mas deu tudo certo. Consegui derrotar os cientistas e o monstro em si, então tudo ficou em segurança — percebeu as nuances da palidez da treinadora ao citar a cidade hoenniana, quiçá disparando pensamentos ruins ao Artemísia lembrando da metrópole. Deixou um sucinto e manso riso escapar ao Mísia lançar os adjetivos ruins da tal seita. — Cientistas são muito escandalosos quando se trata de criações e avanços, é quase inato deles. E aí foi o pulo do gato pra intervir e acabar com tudo antes de qualquer desgraça.

O ditado proferido pela loira seguido pelo aceite da proposta de próximas jornadas entre o vasto continente de Hoenn fez o garoto pressionar levemente a mão que estava em seu ombro como um sinal não verbal de que estava jocoso pelo aceite, ademais como um conforto também, afinal, Artemísia parecia estar cautelosa para não pisar em ovos.

Pouco a pouco, a fortaleza que o loiro havia montado para si de interações com demais humanos se desmantelava; após os acontecimentos com a revelação de Jirachi, sentira um certo desconforto ao saber a real identidade do criminoso que o perseguia com afinco: seu melhor amigo. Era prazeroso, afinal; vislumbrar toda aquela armadura que construiu em volta de si ser tirada aos poucos e fazê-lo sentir-se melhor. Ora, não era segredo para ninguém que Nicholas não era dos mais simpáticos, e felizmente, ainda que com flertes, podia revelar uma faceta aprazível.

— Foi por isso que percebi um desconforto em você a dizer onde enfrentei aquele monstro. Talvez, eu não seja o herói que ninguém queira, mas o necessário — a leveza da interação permitia singelo gracejos do kantoniano, assim que a loira inferiu um pouco mais de si. Ademais, as práticas de surfe chamavam a atenção de Artemísia. — Vai demorar um pouco até pegar o jeito, mas é como andar de bicicleta. Você é bem esperta, vai pegar as manhas rapidinho.

Pulando na imensidão cristalina, ainda que debaixo, pôde vislumbrar o rubor que se espalhava pela face da hoenniana conforme aguardava o salto de Artemísia. Por fim, sem cerimônias, pulou na água, fazendo comentários sobre a temperatura da água — esperado, já que estavam quase no mar aberto. Por fim, a recordação de seu Swampert; o pequeno deveria estar aéreo com a especialista de psíquicos o enchendo de comida, mas fato era que adoraria.

Nesse momento, o vento sibilava quente junto da paz intrínseca que aquele ambiente fornecia, longe do cenário caótico de qualquer aglomeração humana.

E esse foi o gatilho para o próximo avanço de Nicholas.

— Pallet realmente forma bons pescadores, até eu aprendi um pouco disso — nadando, pouco a pouco, se achegava da treinadora. — Mesmo não, diria que consegui pescar uma linda sereia, certo?

Como outrora, nesse momento, a mão destra do loiro retornou à face de Mísia. Primeiro, com o indicador, jogou umas mechas de suas alvas madeixas para trás, repousando o polegar sobre sua bochecha, afagando-a levemente, conforme os demais dedos ficavam no seu pescoço. Lentamente, avançou seu rosto contra o dela, e enfim, sentindo a oportunidade perfeita, encostou seus lábios contra os de Artemísia. Lentamente, abriam-se em um beijo lento, e claro, se a garota permitisse, jazeria ali por um bom tempo, onde toda aquela paz teve o seu clímax até esse contato mais ousado — e diria que, ainda assim, o acalento do momento não mudaria.

Somente depois do tempo permitido — que o loiro desejava que fosse o máximo possível —, poderia recuar a sua postura, seguindo afagando sua bochecha com seu polegar, com os rostos ainda próximos, deixando agora que os orbes cerúleos se afogassem na imensidão castanha que as íris de Mísia aprisionavam, deixando escapar um sorriso e cálido jubiloso do canto dos lábios, ainda taciturno, quiçá aéreo com seu avanço. Afastou-se um pouco após aquilo.

— O que me diria de um mergulho guiado por esses dois? — indagou, indicando com movimentos de sua cabeça a presença de Critias e Nalu. — Se sim, segura a minha mão aqui e outra nas escamas da Critias. A gente vai conseguir ver um pouquinho melhor de como é o mar. Você vai amar.

Caso Mísia topasse, aproveitaria da oportunidade para entrelaçar os dedos, indicando onde segurar no corpo serpentino do titã oceânico para que mergulhasse e vissem mais do habitat natural de muitos aquáticos. Sendo guardado por dois poderosos aquáticos, não deveria haver problema, ainda mais após o clímax do cálido beijo.

Não sei se dá para falar ainda que são dois Pidovezinhos, mas, sinceramente, ainda tem mais química que os casais de crepúsculo.