[Rota Atemporal]Dia de Praia

O show seguiria. O loiro não estava tão distante assim do palco, contudo, estar em cima de seu monstrinho titânico lhe garantia visão privilegiada de tudo que acontecia por ali. Um DJ aleatório começou a tocar algumas músicas para enfim abrir oficialmente o concurso pequeno. O host deu as palavras e disse que o prêmio seria entregue por uma modelo representando a marca. As cortinas se abriram e a Miss Guaravita então deu o seu ar da graça; só que essa mesma senhorita fez o kantoniano ficar com a boca entreaberta em um emaranhado de estupefação e admiração.

— Puta que pariu, olha isso... — sussurrou para si mesmo; estando afastado, era audível somente para si. A modelo representando era Artemísia, com uma maquiagem que ressaltava a beleza singular de seu rosto e suas curvas acentuadas ficavam bem evidentes, e o adorno de flor em seu cabelo a tornava ainda mais graciosa. — Que mulherão do caralho, hein. Critias, eu sou tão bonito ou tão legal a ponto de conseguir ficar com essa mina? — indagou, ainda meio atônito com a venustidade da hoenniana, recebendo de volta um riso quase em sussurro da serpente titânica. Entretanto, volveu a realidade no momento que o host tomou a sua mão para rodá-la em seu próprio eixo para o exibicionismo. — Mas esse corno manso também não precisa ficar com essa putaria toda, né? Ela tá claramente desconfortável. Só não cuido disso agora porque eu ia tomar uma chamada... — é... Ao menos, nisso, Gyarados concordou.

Foi todo aquele vai-e-vem para seguir as apresentações. Não dava para saber ao longe, mas no momento que captou o beijinho lançado de brincadeira, o loiro ficou aéreo, respirando algumas vezes mais para recuperar a descompassada expiração; é normal começar a ter uma afeição fora do comum depois de só uma ficada? Nem mesmo Nicholas com todo seu pragmatismo conseguiu escapar disso. Ademais, era impossível negar: estava começando a se apegar até mesmo emocionalmente, ainda que no início, à Artemísia.

Ser um andarilho e se ausentar desses prazeres e sentimentos tem algum efeito colateral de todo modo.

E então se iniciou as apresentações dos demais conhecidos. Em passos de street dance devidamente sincronizados, Luch — agora que o efeito da planta se esvaíra de sua mente — e seu Meowth conseguiam fazer passos nada fáceis, com o figurino remetendo às apresentações desse tipo de arte. Era bem incomum, fazendo o loiro erguer uma sobrancelha em admiração; e para melhorar ainda, Meo-Mey ainda pulou no colo de Artemísia em gesto terno. Não tardou para que sua irmã de consideração, também repetindo danças populares — bem como o recado que, para Nico, era um ciúme maluco, todavia entregava à sua devoção ao “escoteirinho de merda”; o saldo, ao fim, era positivo e acalentava o kantoniano — e tal o unoviano, assim que houve a troca de música, como dois jatos, o casal recém descoberto — Ivy e Balerdroch — faziam suas apresentações bem sincronizadas. A performance de seu inicial arrancou risos curtos, porém aprazíveis de seu treinador.

— E eu pensava que o Balerdroch era o maior cintura de argamassa. Ele tá mandando bem — em movimento involuntário, balançava a cabeça conforme a batida do hit mundial.

Como uma artista, ao fim, a especialista chamou a maior parte das garotas para o palco para que se emaranhassem e dançassem ao seu modo; uma estratégia inteligente e que entregava o quão boa artista era Karinna. Nicholas jamais admitiria para ela por ser orgulhoso, entretanto, tinha admiração ímpar por ela.

Adventício, quem subia ao palco agora — claramente nervoso — era Hayato. Começou a fazer algumas piadas de improviso, fazendo o loiro semicerrar as pálpebras como se não acreditasse naquilo; todas eram bem conhecidas, leves, arrancando boas gargalhadas da plateia. Repetia de memória muscular cada uma das piadas, até culminar em uma que o garotinho contou quando fora ao evento em Hisui: sim, a do Djalma. Respirou fundo, rindo com o canto dos lábios — ainda sem verbalizar tanto, afinal, ainda não conseguira afastar os seus traços lamuriosos. Contudo, bateu palmas assim que ele saiu do palco.

— Esse moleque é uma figura. Consegue ser melhor que a maioria que tá na pokéglobo — sussurrou, arrancando risos sucintos de sua Gyarados.

Passaram alguns randômicos, mas não tem a menor importância. Era a hora de anunciar quem venceria.

Nicholas estava meio aéreo já que não ligava tanto assim. Pego de surpresa, até mesmo olhando para os lados não entendendo, o host anunciou o vencedor: o próprio Nico. O loiro apontou para si mesmo confuso, não entendendo como era ovacionado pela plateia — claro que recebia alguns gritos de “lindo” por causa da sua pinta de surfista, acredito. Deu dois tapinhas em Critias, e a serpente oceânica foi até próximo ao palco, inclinando seu corpo em movimento serpentino para que o loiro descesse, indo direto ao palco. Recebeu o prêmio da Miss, ainda mais empolgada que o próprio vencedor, e com um sorriso de aeromoça recebeu o troféu brega. Fez toda a etiqueta, tirando as fotos.

Nicholas olhou de um lado para o outro, quiçá todos esperavam um discurso ou algo assim. Respirou fundo, e em movimento brusco, passou a mão livre por trás da cintura de Artemísia e puxou um selinho mais demorado, sendo ainda mais ovacionado com calorosas palmas pelo público — eles não sabiam que o cantor com pinta de surfista e a princesa da marca já se conheciam —; e não evoluiu muito o beijo pois estava em evidência em um palco — agora, não era a hora de tirar o Seviper de sua toca.

Afastou pouco do lado da hoenniana e volveu os olhares para a banda que o auxiliou em suas músicas, acenando com a cabeça como sinal para que tomassem os seus postos. De repente, um silêncio apreensivo pairou a plateia. Pegou a mesma cadeirinha que sentara outrora e posicionou o microfone, tomou a guitarra que recebeu da produção, conectou o cabo, novamente testando o instrumento que amplificaria a sua voz.

— Sem discursos e sim arte agora — algumas palmas se fizeram presente conforme ajeitava o corpo naquele diminuto espaço. — Pra se despedir, vou tocar uma música em específico. Essa é uma de ritmo mais lento, e lembra como as coisas podem ser mais amarelas, uma cor forte, ardente, pura e que reflete na gente, como é a lírica poética de um sentimento que todos nós sentimos, independente de tempo ou intensidade — tornou o pescoço na direção da miss, dando uma piscadela; sagaz como era ela, o amarelo dito pelo loiro era uma referência aos seus cabelos dourados, e não somente, como mais uma ínfima dedicação. — Todos conhecem, então acompanhem. Se tem alguém que vocês amam e lembram desse amor puro e brilhante que reflete na gente como a cor amarela, manda uma mensagem pra ela, um áudio ou liga, tanto faz; se ela tá com você, abraça bem forte, e dança no ritmo dela — respirou fundo. — Yellow.

Ao anunciar o som da canção, mais calorosas e empolgadas palmas depois do singelo discurso sobre a música e dedicatória feita nas entrelinhas. O violonista começou com o ritmo, e em dedilhar lento, Nicholas entoou a guitarra elétrica devidamente afinada. Conforme a cantava, mirava de soslaio para a hoenniana em gesto afetuoso.

Balerdroch estava bem empolgado ao ouvir que seu treinador fora o vencedor, mas conforme o loiro entoava o discurso sobre a última música, virava lentamente para a dragoa, e lentamente, as mãos de ambos se entrelaçavam e seus corpos se ajustavam quase no mesmo espaço; se ele tinha a malemolência do passinho, um pra lá e pra cá simples não seria problema, e o faziam de maneira ímpar, com os rostos colados, um se perdendo no olhar do outro.


O clímax foi ao chegar no primeiro refrão, onde toda a plateia — com alguns emotivos, seja com celulares ou com alguns pares próximos — entoava a canção em uníssono. Nesse momento, por um tempo mais considerável, o kantoniano não tirou os olhares de Mísia, provavelmente a deixando bem sem graça conforme a canção ganhava forma em sua afinada voz — era mais grave, todavia, o loiro subiu um pouco o tom para se adequar com a melodia de forma exímia.

“Your skin, oh yeah, your skin and bones
Turn into something beautiful
And you know, you know I love you so

You know I love you so”

O kantoniano pensou que seria só balançar o capim no fundo do gol — como diria o saudoso Silvio Luiz; que Arceus o tenha — quando viu a beldade de madeixas douradas vindo em sua direção, saudando-o ofegante. Artemísia preparava-se para inferir algo, todavia ambos foram interrompidos por Flora com uma câmera apontada para o rosto no modo de câmera frontal, puxando-os para perto com sua indagação brusca.

— Eh... — ergueu as sobrancelhas e torceu minimamente o cenho, correndo os olhos cerúleos para todos os lábios e só repousando a vista por ínfimos segundos em Artemísia ao seu lado, matutando em alguma resposta, afinal, era inesperado. — Eu não sei... Só cantei — deu de ombros ao volver os olhos para a câmera — nem eu esperava que fosse ganhar, mas tamo aí, né?

Assim que a garota saiu na frente para encontrar os demais, a hoenniana estava a aguardá-lo não muito à frente. Sua mão ficava um pouco para trás, como se fosse um convite para que ela e a do loiro se entrelaçassem como já fizeram outrora; e é claro que Nicholas não pensou nem duas vezes.

— O que você ia me falar antes de ser interrompida? — indagou à Mísia, e para dar tempo de ela o responder, atrasava um pouco os passos, o tempo necessário para que o fizesse.

Seguiram caminhando até encontrar os demais, e não tardou para que a especialista lançasse um gracejo sobre o resultado.

— Não posso fazer nada se eu sou foda — retrucou em tom faceiro, dando de ombros sobre existir um complô para aquilo. Nicholas ergueu uma sobrancelha com a indagação de Hayato de seguir carreira como cantor, dando ênfase nas cifras milionárias que poderia adquirir e na grife que um artista oferece. — Artista? Não, não. Nem perfil eu tenho pra isso. O máximo que eu faria seria alguns covers no pokétube e olhe lá, porque editar vídeo é uma trabalheira — respirou fundo e movimentou o pescoço levemente para trás, movimentando a cabeça em movimentos verticais curtos e singelos.

Poderiam até seguir com aquelas conversas singelas, isso se a reação espontânea do rapaz assim que a hoenniana indagou sobre o auxílio para trazer os pasteis de onde pegaram algumas bebidas outrora. Passou pela cabeça de Nicholas ajudar Mísia para ganharem mais um ínfimo tempo conversando sobre qualquer coisa, todavia, à essa altura do campeonato, sabia que teria de dividir a atenção tão requisitada da hoenniana.

Com a afirmativa de Hayato, Nicholas achegou-se de Mísia.

— Aí, sereia — uma interjeição em tom baixo, quase como sibilasse, audível somente à hoenniana —, o meu é um de carne com queijo. Vou tomar uma água pra recuperar um pouco a garganta e ficar aqui um tempinho. Esqueci dos efeitos colaterais de se alcançar uma nota aguda. Falei que tava enferrujado? — Ergueu a mão direita para jogar uma mecha de cabelo da testa de Artemísia para o seu lado. — Se quiser, tô por aqui. E não deixa ninguém pegar o meu, hein? — Nico deu uma piscadela para Artemísia e encerrou o gracejo com um curto e estalado selinho.

Nicholas calcorreou até a direção onde estava o cooler, abrindo-o e tomando uma garrafa de água, dando um longevo gole — indo quase metade do conteúdo. Por fim, colocou uma canga próxima ao rochoso esmeralda, dando dois tapinhas em seu braço conforme encostava a cabeça sobre a pança de Hermos. Tyranitar até pensou em reclamar, abrindo uma ínfima fresta de seu olho.

— Quero te acordar não — comentou o kantoniano, aconchegando o corpo na canga e passando as mãos para detrás da cabeça entrelaçadas com as palmas voltadas à sua nuca —, quero só descansar um pouquinho enquanto não chega o meu rango — volveu um pouco o pescoço para poder fitar ao longe Artemísia calcorreando na direção da barraca com Hayato e Milo ao seu lado. Elucido-os afirmando que Nicholas estava vislumbrando ao longe a silhueta da hoenniana — e minha musa do verão.

Respirou fundo, agora podendo o loiro somente deixar os olhos bailarem pelos céus com os movimentos dos voadores de todos os treinadores que aqui jaziam em uma harmonia emaranhada pela brincadeira dos monstrinhos.