CAN U SAY ~COCAINE~ MEWTWO?

Eu estava quase tomando a liberdade de tocar o ombro de Wakaba com uma das mãos e dar tapinhas sinceros em suas costas quando um instinto me falou para não o fazer. Meu ímpeto era ser até um pouco ríspida e dizer que os problemas dele eram dele e os meus eram meus, mas isso não iria colar. No fim do dia, independente do que eu dissesse, eu morrer viraria problema dele e quem me fez notar isso foi Freya.

Dei um meio sorriso frente ao desespero do homem, deixei que ele terminasse e inaugurei uma pergunta. Abri a boca para falar, o ar já estava na ponta da língua quando Freya fez o que fez. Demorei notar que aquilo era, comecei pelo que não era. Primeiro, percebi que não se tratava de uma ilusão; era notável que o visível não fazia parte do cenário ou da realidade. Segundo, notei que não se tratava de uma memória, já que nenhum dos três parecia ter experienciado isso. Por fim, concluí que se tratava de uma projeção...

... de Freya, por óbvio. O que a denunciou para mim foi o puro e honesto grito de "poupe meu pokémon". Não era no plural, não era egoísta, era um sincero clamor para que algo, que chuto ser um Mewtwo, não destruísse os pokémons. Olhei-a com misericórdia antes dela ir para a esfera, percebi que seu medo era quase que um símbolo de que era fraca demais para aquilo e isso me casou um desconforto considerável. Desta vez, não fiquei irritada, apenas toquei-a com as mãos quentinhas e peguei um de seus tentáculos, colocando-o no meu peito:
- Ele é um pokémon também - Ela sabia de quem eu tava falando e isso bastava - E o que ele odeia é isso aqui - Apertei forte o tentáculo dela contra minha pele desnuda no decote - Homem, humano... chame como quiser. Não precisa ter medo por você, talvez doa mas a gente ta acostumado com dor, né?

E foi exatamente nesse ponto que uma lágrima me escapuliu sem que eu notasse que ela estava por chegar. A queda da gota salgada pela bochecha deflagrou o retorno de Jellicent a sua esfera e o Trick Room, a essa altura, já devia ter cessado. Engoli a seco, foi a primeira vez - desde então - que eu cogitei não continuar, aquela lágrima em fuga talvez fosse um pequeno sibilo que o ar faz numa panela de pressão, forçando a sair aos poucos. "Que eu não exploda", pensei comigo mesma.

Um pouco tarde para fazer a pergunta que iria fazer, deixei que Wakaba se recompusesse. Felizmente não demorou muito mais e, no caminho, quebrei o silêncio:
- Tem um corpo que nunca encontraram boiando por ai, né?! - Me referia a Mitsuo mas não o nomeei. Se Wakaba pensasse em qualquer outro rosto, poderia botar no lugar desta minha pergunta - Eu posso ser um desses, ai não vou te incomodar.

Não sei ao certo como ele me respondeu aqui, pularei ao fato de que inesperadamente entrei numa espécie de necrotério. Reitero o inesperado porque imaginei que Wakaba me levaria a uma espécie de desova de indigentes treinadores ou até mesmo a beira do rio, mostrar algum resquício de sangue numa pedra que nunca mais saiu. Talvez pedaços de trapos, mas não uma biópsia... não algo tão claro.

Olhei o corpo tampado e a primeira coisa que pensei foi: e se for de alguém conhecido?, de imediato pensei em Nicholas e o tempo que não ouvia falar do rapaz. Minha projeção completamente sem sentido tornou aliviante a revelação de que, salvo minutos atrás, nunca tinha visto àquele rosto. Dei a ele um sinal de respeito e logo em seguida comentei com Wakaba:
- Bom, ao menos parece que foi rápido, né?! - E falei só isso. Não poderia lhe ajudar com muito mais e nem poderia dar muito mais que isso àquele corpo ou àquele soldado.

Quando Wakaba falou de Mitsuo, percebi que ele não tinha entendido muito bem o que eu queria dizer. Deixe-o com a compreensão dele, pois me pareceu útil a tal compaixão que ele tinha. Com um sorriso afável, olhei-o para seu rosto e tudo que aconteceu aconteceu, até o momento presente.

A descrição não foi mais perturbadora que a imagem do menino sem coração. Não que a descrição tivesse sido melhor ou mais branda, mas ouví-la soava como um bocado de palavras ao vento, que se não estivesse muito bem emboladas e amarradas pelo medo, perdiam o sentido. "Buracos nos ossos", "pressionado e comprimido", "coagulado", "jorrou tudo num primeiro momento". No fim, aquilo tudo parecia uma mistura de ritmos: ora rápido demais, ora devagar, quase parando. Rememorei a cena que Freya me mostrou e o rosto do menino - independente de ser verdade ou não - era estampado pelo medo. Não pela dor, não pelo choque, pelo medo.

Com a máscara no rosto, deixei que Wakaba começasse a citar os golpes um por um e fui tomando nota mental de tudo. As anotações da Rocket Mansion começaram a fazer um certo sentido na minha cabeça e lembrei do vídeo em que Mewtwo, com um simples Expasion Force, desmembrou dezenas de cientistas. Estremeci; com o nome dado ao golpe, percebi que Wakaba sabia - ou tinha noção - do que tinha dentro da caverna.

Este momento foi aquele momento que Marisa Monte descreveu muito bem, um sentimento de "eu sei que você sabe que eu sei que você sabe", onde nossos olhos estranhamente se cruzaram no que EU acreditei ser um entendimento mútuo. Fiz um "uhum" com a cabeça e me segurei muito para não fazer uma piadinha idiota do tipo "eu sou uma moça noturna, coronel", como quem fazia alusão à imunidade aos psíquicos e a dureza de uma garota-de-vida-noturna. Não fiz, deixei a piada dentro da garganta e a engoli, no fim fui muito sincera quando lhe disse algo:
- Eu posso te enfrentar mas não sei se ganho - Isso aqui era sinceridade pura, ta?! - Eu me preparei para enfrentar um só pokémon, um psíquico, bastante antissocial, que provavelmente deve viver com dois ou três selvagens esquisitos, no máximo. Se você realmente for um bom treinador, deve saber que quem se prepara para lutar contra um boss, não está preparado para lutar contra um treinador.

E era verdade! Eu vim com Hidden Power na bolsa, meu Togekiss está de Helping Hand e eu devo ter um Tyranitar com 6 golpes darks. Ainda assim, devo admitir que eu queria enfrentar Wakaba, para conhecê-lo melhor. Por sorte, os trinta minutos que eu tinha fora o suficiente para que eu fizesse um processo mental extenuante para tomar uma decisão.

Primeiro de tudo - e talvez o que mais pesou - é que batalhar com Wakaba poderia mostrar para ele que eu estava (sim) preparada. Isso o tranquilizaria mais do que uma simples promessa de que eu iria voltar com vida; seria bom passar nessa prova, tanto para ele quanto para mim.

O segundo ponto - que martelou na minha cabeça com mais assiduidade - era a possibilidade de ter o coronel como meu aporte. Veja bem, seria de extrema utilidade e agilidade o ter comigo até a beira da caverna, já que eu teria que procurar de forma completamente aleatória o caminho para lá caso não o tivesse. Apesar disso, sentia-me responsável por colocá-lo numa posição arriscada, deixando ele perto demais da boca do lobo. Ponderei o risco de vida dele (que era extremamente metafórico e fantasioso) e a grande ajuda (que também era extremamente projetada e pouco materializada) que ele poderia me oferecer. Ponderei de várias formas, pensei no tema por muitos ângulos, não consegui decidir se era melhor ou pior tê-lo comigo nesse trajeto.

O terceiro ponto - e mais simples também - era uma questão de recurso. Eu devia gastar recursos assim? Isso, sem dúvida, não pesou tanto, por dois motivos em específico: eu poderia muito bem limitar a batalha a um máximo de 3v3 e, além disso, eu estava numa estalagem Ranger, recurso - provavelmente - não me iria faltar. E... sejamos sinceros... se eu DE FATO precisar de 11 Max Potions, 73 Potions, 24 Super Potions, 3 Full Restores e 5 Hyper Potions podem me dar como morta. Se for possível eu voltar viva, recurso não me falta; contar com algumas poções para vencer seria o mesmo de contar com triplo Protect.

Frente ao fato de que eu tinha dois pontos que me indicavam pelo "sim" e um que não me sinalizava nada, procurei Wook e lhe disse:
- Bom, vou enfrentar o Wakaba e ver no que dá.

Quando ele falou sobre GARDEVOIR, eu devo admitir que precisei segurar uma careta bastante desesperadora. Como ASSIM este homem que está jurando me defender do perigo daquela Cerulean Cave NÃO FAZ IDEIA DO QUE É ISSO QUE ELE ESTÁ TENTANDO ME PROTEGER?! Olhei-o um pouco confusa, arranhei a garganta para dar um sinal de que (1) eu não tinha muito o que falar sobre e (2) estava ocupada arranhando a garganta. Quando ele finalmente terminou, fui sincera:
- Eu nunca vi um relatório Ranger sobre o assunto - Dei um meio sorriso - Não foi vazado, pode deixar - Aqui eu forcei o maior personagem da FACE DA TERRA pra matar o assunto, dando uma pequena piscadela de olho para Wakaba - Eu só joguei um verde e você wakaba de me dar uma informação importante - Sim, eu ainda fiz um trocadilho pra esconder meu humor frente àquilo que acabei de ouvir.

Aqui eu devo admitir que fiquei REALMENTE transtornada. Veja bem: e se tiver UMA MALDITA GARDEVOIR POR AQUI?! Tipo, não que o Mewtwo não esteja, mas e se tiver uma satanás Gardevoir antes dele?! Não que eu tenha medo de uma Gardevoir do satanás - nada contra -, mas e se os dois JUNTOS já estivessem se entendendo?! E se... mano... eu não consigo entender, porque diabos uma GARDEVOIR apareceu no assunto.

Tentei rememorar um pouco daquilo que eu sabia sobre a Cerulean Cave, que descobri na Mansão Rocket. Aqui, o Mewtwo fez um treinamento e foi escondido pelos Rockets durante toda sua vida. Por aqui - ou aqui -, há um laboratório em que Mewtwo foi criado. Quando os Rockets tentaram recriar algo semelhante ao Mewtwo, algo explodiu e matou todos eles. Mewtwo jurou matar todos os humanos e veio para cá, talvez continuar o treinamento.

... onde entra Gardevoir?!
- Você tem um cigarro sobrando? - Pedi, mas também pedi uma pequena pausa antes da batalha, pra que eu pudesse ultrapassar esse overthinking.

Não sei ao certo se eu tive essa pausa e, se tive, de quanto tempo foi. Ainda assim dei um trago no cigarro e tive a pachorra e entrar nas redes sociais, tentando me dissociar um pouco dali. Por sorte, uma mensagem de Natalie me trazia um sorriso. Eu rapidamente respondia:

Para @Shianny
OLHA QUEM APARECEU, é tão bom quando você aparece <3
Desculpa, fui cafona, né?

Vamos tirar férias juntas, eu to indo pra Cerulean Cave agora
Você sabe o que isso significa?

To com os Rangers, eles estão me escoltando, então acho que to bem...
... por enquanto. Acho que vai dar tudo certo, eles são meio malucos, mas parecem ser legais.

Depois dessa mensagem que, apesar de curta, me gastou bastante massa cinzenta para escrever, apertei enviar e terminei meu cigarro (Wakaba me deu um cigarro? Não sei). Lá no campo tive a infeliz surpresa de descobrir que iria batalha contra um Ditto Shiny:
- Ah, de novo não - Meus ombros caíam e eu jogava Tyranitar no campo - Kouman, vamos apanhar SÓ UM POUCO, ta bom?! Se prepara, mega-evolui e senta nessa meleca com Body Press.

Quando ele falou "3v3" eu abri um bocão e já contra-argumentei:
- QUÊE? Você não vai me dizer que tem TRÊS DITTOS DESSES, né?! - Eu já comecei a ter taquicardia, ta? Uma mão foi pro peito, eu comecei a hiperventilar antes mesmo de pensar se isso era bom ou ruim - Eu enfrentei dois IGUAIZINHOS ao BK lá em Lilycove, não tem muito tempo - A memória voltava a minha cabeça. Hati no chão, desmaiada, e o Salamence de Galvanis tão desmaiado quanto.

Eu sei que a minha pergunta não fez sentido nenhum. Ele tinha ACABADO de falar que achava que Beast-Killer era único, então ele não teria outros dois. Ainda assim, quando o medo vem a cabeça não pensa e quem disser o contrário está mentindo. Não me importava o papo anterior, muito menos o que eu tinha pra fazer. Se ele me dissesse que eu, lá naquela caverna, iria enfrentar TRÊS DITTOS SHINYS, eu desistia.

Não, não aceito só três dittos, eles precisam ser SHINY pra que eu tivesse medo. Há algo de místico e mítico no Shiny dessas melecas, como se fossem quase deuses de tão raros; quem tem, ou é muito sortudo, ou produziu o seu em laboratório. Se é produzido em laboratório, vai por mim, você não vai querer se meter com isso...

... né?!

Como minha cabeça ainda não voltou a funcionar, não vou fazer nenhum tipo de associação livre que me faz achar que Wakaba tem alguma associação dom clones geneticamente modificados. Ao invés disso, vou botar os dois olhos na batalha e dar ordens - sem nem me importar com o fato de que o doido não deu as ordens dele...

... veja bem, os dois Dittos Shinys do culto do Gelatino também não davam. Olha, se você ta tendo a impressão de que eu estou fazendo um processo associativo complicado, você ta tendo uma apropriada impressão. Enfim, antes que eu tenha mais algumas perspectivas problemáticas, decidi ordenar o básico:
- Duplo Knock Off - Bom, em time que está ganhando se mexe, né?! Agora que descobri que tem outros 2 pokémons, vai que ele joga algum fantasma.

Togekiss Shell Bell
Houndoom Heat Rock
Araquanid Bugnium Z
Jellicent Waterium Z
Greninja Razor Claw

Sendo sincera, toda a minha angústia acabou quando Kouman derrubou aquele Ditto Shiny e o fez retornar àquele estado de meleca azul. Dei uma mordida no lábio e um suspiro aliviado, vendo que o pior já havia passado, ao menos ao meu psiquismo. Agora, quem teria que aguentar a dor e o sofrimento eram meus pokémons, não eu.

Ouvi a pergunta de Wakaba meio intrigada; se ele me perguntou isso, é porque eu transpareci um desespero que não deveria. Isso não seria bom para mim; talvez até me tirasse pontos na "prova" que ele estava fazendo comigo. Dei um riso meio esganiçado, como quem não controla; um riso até relaxado demais, apesar de atuado:
- Eu to bem, passa rápido - Disse, já inventando uma desculpa muito boa na minha cabeça. Não a usei; não queria correr o risco de falar demais.

Tentei fazer parecer que aquela taquicardia e agitação era realmente um caso médico, já que Wakaba me dera essa deixa, mas não me enrolei demais na fan fic, vai que me amarro, né?! Estou mentindo demais para um homem simpático como este.

Aqui, como pode perceber, todo o tipo de associação maldosa, pérfida ou peralta foi-se embora. Já voltei a achar o militar divertido novamente e vê-lo com um Snorlax me fez da uma pequena bufada.
- Tu não alivia mesmo, hein?! - Questionei, olhando para Kouman - Bom, se vamos cair, que seja dormindo, né?! Kouman, duplo Body Press.
Vamos dar motivos pra Wakabar o ódio dele por Megas