Jack of Spades!

Introdução ao País das Maravilhas!

8pm

A noite em Forina City não poderia estar mais atípica.

As nuvens carregadas de chuva se formavam sobre o céu da cidade litorânea e uma estranha névoa chegava carregada pelos fortes ventos do alto mar: eventos naturais não muito desejáveis para o governo da cidade, que aguardava uma imensidão de pessoas turísticas devido a famosa peça teatral. Will Allstar era um deles, que se preparava prontamente para aceder ao local e, apesar do nervosismo, começava a mirabolar um papel no qual acreditaria se sair bem.

Centenas de pessoas de diversas regiões transitavam pelo local, mesmo com a ventania que assolava Forina. Alguns já tratavam de buscar asilo pela iminente chuva se abrigando em restaurantes ou até mesmo embaixo de altas árvores. Outros, mais destemidos, continuavam caminhando pela cidade, alguns também treinando seus mais diversos tipos de Pokémon em campos abertos e no meio da rua.

Will caminhou até o teatro, não se importando muito com o clima já que parecia perdido em seu pensamento ansioso. Uma senhora de baixa estatura e fantasiada de Alice recepcionava os turistas na porta, vendendo junto consigo alguns balões de hélio com a figura de um Bunnelby fantasiado de White Rabbit.

— Boa noite, meu filho! Bom ver que está agasalhado para este tempo que nos surpreendeu... — comentou sobre o kimono do rapaz e fez uma breve pausa, buscando com certa leveza uma mão cheia de balões — Está interessado em comprar um? — insistia, até ouvir do rapaz suas verdadeira intenções ali — Mais um? — deu um sorriso simpático — Pode entrar naquela porta à esquerda, te levará à uma sala com outros participantes e em breve alguém irá até lá dar-lhe algumas instruções.

O teatro era enorme, com milhares de poltronas acolchoadas de veludo vermelho distribuídas por toda sua extensão e um palco de madeira de grande proporção. Cortinas também de rubro tecido impediam a visualização do que estava atrás e um lustre de ouro com pingentes prateados iluminava todo o salão. Alguns funcionários terminavam de limpar o chão junto com algumas Audinos que os auxiliavam.

A porta destino de Will se encontrava entre-aberta e assim que o rapaz a adentrou, se deparou com uma sala de médio-tamanho, porém praticamente lotada por diversos treinadores e seus Pokémon. Espelhos de camarim eram utilizados pela maioria das mulheres, que se maquiavam enquanto conversavam entre si; seus monstros de bolso também interagiam, dentre eles alguns atípicos Pokémon para região de Hoenn, como Shiinotic, Vivillon e Salazzle, para listar alguns. O cheiro de pó de maquiagem predominava o local, que se mantinha com seu único basculante fechado por conta do ar condicionado. Do outro lado da sala alguns rapazes e duas meninas conversavam tranquilamente enquanto tomavam alguns drinks diretamente de uma garrafa de plástico.

— Ei, você com os três lutadores! — uma das adolescentes se aproximava de Will e parecia encantada por Katana — Que Lucario linda! Parece ser bem forte. — sorriu gentilmente, ajeitando um pouco de seu curto cabelo cor-de-rosa — Quer se juntar com a gente? Estamos bebendo um pouco para nos livrarmos do nervosismo. — riu e apontou para os espelhos — Não parece muito do seu feitio se maquiar junto com as meninas.

Primeiro ato!

Apesar do nervosismo em saber as instruções corretas para poder participar da peça, Will seguia junto com a menina que elogiara sua lutadora, seguido por seus Pokémon. A jovem sorria, enquanto apresentava brevemente os outros meninos sem sequer citar seus nomes:

— Ah, eu sei porque tenho um também, só que macho! — explicou, sacando de suas costas uma belíssima Luxury Ball — Sei que é uma espécie antipática, mas vai que se dão be-

As luzes do local apagaram por cerca de cinco segundos, interrompendo a garota de terminar sua frase. O falatório desaparecia por completo, dando lugar a um fino som agudo que incomodaria até os menos aguçados auditivamente; o cheiro de maquiagem, por sua vez, dava lugar à essência de metais enferrujados, bem como de água parada. Pelo que parecia, toda a cidade estava apagada em um piscar de olhos.


A iluminação voltava, mas Will se encontrava em um ambiente completamente diferente do anterior: o chão era mofado e as paredes com enormes infiltrações, sem contar na porta que jazia destruída no chão. Olhando pela janela — que estava quebrada — Forina City parecia somente resquícios do que já foi, com casas completamente destruídas e o teatro com um enorme pedaço faltando, como se um imenso predador tivesse mordido um pedaço fora. O céu também estava diferente, como se dois sóis existissem e estivessem prestes a se pôr. Mas isso era o de menos, as roupas do nosso herói estavam também diferentes do tradicional kimono que usava: uma roupa de lycra preta e colada contornava todo seu corpo como um macacão, com botas de couro de cano alto, uma espada de prata em um coldre preso em um cinto também de couro e uma longa capa preta que chegava até o chão. Em seu peito, um símbolo de Espadas cortado no meio estampado sobre o tecido.

Como se tudo já não estivesse estranho suficiente, todos os Pokémon do rapaz não estavam presentes. Por sorte, se verificasse, todas as três esferas estavam presas ao lado do coldre de seu cinto. As luzes piscavam como ao ritmo de uma música rápida e após se manter ligada por alguns segundos,  cessava uma última vez. Ao ligar novamente, um Persian estava parado sobre a porta destruída. Além de não ser a típica espécie felina como Will está acostumado a ver em Kanto, sua coloração também era diferente e sua pelagem com resquícios de graxa e algo que parecia veneno. Em seu pescoço, uma chave dourada estava pendurada em um cordão de prata.


O Pokémon começou a rir e o mais impressionante acontecia:

— Ora, Jack! Finalmente! — o monstrinho falava, possuindo uma voz extremamente grossa e masculina — Achei que nunca mais fosse lhe ver. — se coçava brevemente — Venha, vamos logo antes que eles apareçam!

Antes mesmo que Will pudesse perguntar algo ao Pokémon, ele saía em disparada. Parava alguns metros a frente, aguardando o treinador alcança-lo e não abrindo mais a boca.  Ao sair da sala, nosso herói se deparava com diversas poças rubras de sangue ainda frescas e as diversas poltronas do teatro estavam dizimadas, restando somente algumas que jaziam tortas ou quebradas. Em uma das paredes mofadas do teatro, alguns metros de distância de nosso herói, um buraco de densidade negra começava a surgir. De dentro, algo parecido com um humano começava a sair aos poucos, sujando tudo com algo semelhante à sangue. Seu corpo era branco e vestia, comicamente, uma roupa repleta de corações vermelhos.



— Ela nos achou, Capitão! — Persian gritava e corria mais uma vez — Vamos, conheço uma saída!

Primeiro ato!

Tudo ao redor de Will se tornava cada vez mais estranho conforme ia caminhando pela "nova" Forina. Os dois sóis desapareceram rapidamente, dando lugar a uma única lua cheia, com diversos cometas passando por seu céu estrelado. A criatura que surgia nas paredes finalmente conseguia se libertar do concreto e começava a correr atrás de nossos heróis, gritando coisas ininteligíveis, mas com um tom bastante agressivo. Os corações vermelhos sobre sua roupa branca se mesclavam com o sangue que escorria de seus braços e boca: parecia que o monstro havia devorado alguém minutos atrás.

Persian corria mais um pouco e entrava em uma porta de madeira branca, limpa e completamente diferente do restante do ambiente da cidade, tal como se tivesse sido posta ali minutos atrás. O felino sinalizou para que Will o seguisse e assim que o rapaz entrou pela porta, se viu caindo em queda livre do alto do céu. A porta acima de si desaparecia no ar e tudo que restava era aguardar o que aconteceria assim que chegasse ao chão. No ar, nosso herói conseguiria ver grande parte do País das Maravilhas,



O felino que o acompanhava surgia de repente ao seu lado, deitado enquanto caía no ar junto com o carateca. Observava a imensa Wonderland com tristeza em seus olhos.

— Desde que você se foi as coisas começaram a desandar, Capitão. — Persian comentava — A maldita Rainha de Copas dizimou todos os reinos e os que restaram agora são seus escravos... Ela os usa como meios de produção e absolutamente tudo vai para seu reino. — apontou para o Reino de Espadas — Quem ela não matou, morreu de fome. — apontou para os demais reinos — Os outros fizeram um acordo, mas vivem com mínimo do mínimo. — colocou sua patinha sobre o queixo — Aliás, como ela nunca lhe encontrou, existe uma recompensa para quem levar sua cabeça até ela. — riu, olhando para baixo e vendo que se aproximavam do chão — Ah, cuidado com a ág- — riu, saltando e parando majestosamente sobre um galho de árvore enquanto Will caía direto sobre uma poça d'água, que apesar do impacto, não parecia machucá-lo nem um pouco.

Ambos se encontravam agora em uma floresta. As árvores de alta copa tapavam todo o céu e era possível ver alguns Pokémon como Sceptile e Tsareena extremamente cansados derrubando alguns troncos. Ao perceberem a presença dos dois, saíam correndo assustados. Persian se coçava e logo parava mais uma vez para falar com Will:

— Quanto às suas perguntas, será que aquele universo esquisito arrancou suas memórias? — colocou a pata dianteira direita sobre o queixo novamente — Não é possível que não se lembre de seu país, Capitão! Um dia você já basicamente reinou tudo por aqui, nos trazendo paz entre os reinos... — bufou — Foi só você sumir que a Rainha de Copas, gananciosa como sempre, entrou em guerra e pegou todos de surpresa... — saltou para uma outra árvore — Mas o que lhe traz novamente até o País das Maravilhas? Já vi que saudades não foi...

Primeiro ato!

A conversa continuava e Will dizia com a mais pura clareza que não se tratava do tal "Capitão Jack" que Persian continuava a comentar desde o primeiro momento que se viram. O felino rolava seus olhos e saltava para outra árvore, deitando no tronco alto e rolando de um lado para o outro com um sorriso estampado em seu rosto.

— Ora, mas claro que é você, Capitão. — gargalhou — Aquele mundo acabou com suas memórias, não é? Sabia que não deveria ter se aventurado por lá. Eu avisei. — reclamou, agora balançando sua cabeça negativamente — Vamos tentar recuperar sua memória, então. — deu um salto da árvore, parando bem em frente ao treinador — Me chamo Chesire Cat e era conhecido por pregar peças em viajantes desavisados que chegavam no País das Maravilhas. — riu — Até o dia que encontrei você e me derrotou com seu Charizard. — coçou o queixo mais uma vez — Aliás, como vai Drako? Demorou tanto tempo para ele ser simpático comigo. — bufou — Enfim, vocês dois me ensinaram o verdadeiro significado de lealdade e bom, aqui estou eu. Lhe procurei por tantos meses e agora que finalmente o encontrei, não se lembra de nada. — abaixou a cabeça, triste — Preciso fazer alguma coisa.

Persian sentava no chão e voltava seu olhar para Will por alguns segundos, encarando-o. Sua feição era pensativa, como se imaginasse alguma coisa para provar seu ponto ao carateca. Estalou seus dedinhos da pata dianteira direita e começou a caminhar.

— Lhe conheço bem, sei como fazer com que sinta tudo que está acontecendo por aqui. — continuou caminhando, aparentemente, para fora da floresta e em direção a um vilarejo à esquerda de onde estavam. — Se deseja voltar para o outro mundo, seu objetivo é um só: ir no Reino de Copas. — gargalhou — Sei que vai ser uma merda, mas o único jeito de sair daqui é ajudando o País das Maravilhas. — parou por um segundo para olhar para trás e verificar se Will o acompanhava, aproveitando para pegar na chave que estava pendurada em seu pescoço — Eu roubei a única chave que abre a porta interdimensional que está na alta cúpula do Reino dela. — riu sem graça, coçando atrás da cabeça — Digamos que agora também possuo um preço por minha cabeça igual você, mestre.

Se virou mais uma vez, dando leves pulinhos para frente e andando rapidamente. Caminharam por alguns minutos até chegarem em um pequeno vilarejo. Casas simplórias enfeitavam todo o pequeno local de chão de terra, com algumas mulheres de meia-idade fazendo potes de barro desenhados com corações vermelhos. Smeargles extremamente cansados ajudavam as mulheres a pintá-los, com partes de seus pelos faltando devido o excesso de trabalho escravo. Alguns homens carregavam enormes troncos com ajuda de exaustos Machokes, Machamps e Conkeldurrs, posicionando as madeiras em um canto à parte do povoado. Uma enorme casa mais ao norte em formato de chapéu chamava atenção, mas parecia fechada a anos.

— Jack, só aguarde até lhe reconhecerem. — Chesire dizia, deitando no chão.

Não se passaram dez segundos e um grito estridente feminino chamava atenção da pequena população: uma das mulheres que pintava os vasos corria desesperadamente na direção de Will, abraçando-o sem sequer se apresentar. Seu rosto sujo e cansado repousava sobre a capa no ombro de nosso herói e começava se debulhar em lágrimas. Todos se aproximavam, com uma parcela iniciando um aplauso que durou cerca de vinte segundos.

— Capitão, o senhor retornou para nos salvar mais uma vez! — a mulher soltava do abraço, limpando suas lágrimas em seu avental completamente sujo — Jamais deixei de acreditar! Jamais! — colocou sua mão por dentro dos seios, retirando uma carta de baralho de Espadas com sua foto e nome estampados no verso, claramente escondida — Eu tinha certeza que voltaria e não abandonaria seu povo! — histérica, caía de joelhos na frente de Will. Persian sorria com ternura da situação.

Junto com a mulher, o restante do vilarejo se colocava de joelhos à frente de Will, até mesmo os Pokémons, que choravam junto com as mulheres — até mesmo o maior dos lutadores. Pelo que parecia, apesar de Will não se lembrar de absolutamente nada ali, as pessoas lembravam dele de maneira grata e feliz; tal como se o treinador tivesse sido um salvador da pátria.

Um homem de alto porte que também se encontrava de joelhos, se levantava e ia na direção do jovem com um sorriso no rosto. Com um chapéu de cowboy, um bigode ruivo e um cabelo completamente bagunçado por baixo do chapéu, o homem estendia a mão direita para nosso herói:

— Bo-Bom lhe ver novamente, Ca-capitão. — gaguejou, ajeitando seu chapéu — O se-senhor pare-re-re-ce um pouco perdido, está tu-tudo bem?

Chesire ria e dispensava todos ali presentes, dizendo para voltarem às suas atividades e não chamarem mais atenção do que fizeram, sobrando somente os três ali em um círculo.

— Ele não se lembra de nada, Dodo. — Persian revirava os olhos — Sua gagueira está bem melhor, o tempo lhe fez bem.

Com o deboche, o homem tentou chutar o felino, que desaparecia em meio ao ar e surgia em cima de sua cabeça. Dodo balançava sua cabeça e Chesire sumia mais uma vez, aparecendo ao lado de Will.

— Gato do diabo! — reclamava — Aliás, vocês estão em bons apuros. — retirou de seu bolso dois papéis amassados e os entregou para Will.

Primeiro ato!

Aceitando finalmente que não teria outra saída a não ser impersonar o Capitão de quem tanto falavam, Will entrava na ideia e bolava um plano eficiente para lidar com a malfeitora de Copas. Dodo sugeria a ambos que chegassem mais para a direita e se escondessem atrás de uma enorme árvore, a fim de ter certa privacidade ao lidar com um assunto tão delicado.

— O-olha, Ja-ja-jack, temos uma resistência co-co-contra a tirana sim.. — arregalou os olhos — Ma-ma-mas...

O rapaz mal iniciava a frase e já era interrompido por Chesire, que ria de deboche:

— Se continuarmos nesse ritmo só sairemos daqui ano que vem. — bufou — Temos uma resistência, mas alguns não são muito fãs do senhor, não. — riu — Muitos lhe chamam de covarde por ter abandonado o País das Maravilhas enquanto outros simplesmente só seguem a maré´da maioria. — começou a andar em círculos, tentando pegar a própria cauda — O problema é que não sabemos como contatá-los e os outros reinos não nos ajudarão... São dois covardes. Tanto que resistiram por pouco tempo e logo depois fizeram acordo. — balançou a cabeça negativamente — Hoje vivem na miséria, mas acham lucro só por não terem que ser escravos da Rainha.

Dodo cruzava os braços irritado e começava a bater o pé direito no chão, irritado por ter sido interrompido:

— Po-po-posso falar? — Chesire ria e sinalizava positivamente com a cabeça — Conheço uma pe-pessoa que talvez po-possa nos ajudar a encontrá-los. — coçou a cabeça — Ma-ma-mas desde a morte do Chapeleiro ele nã-não é o me-me-mesmo. — apontou na direção da casa em formato de chapéu, aparentemente vazia e abandonada. — E-e-eu não vou lá, boa sorte pra vo-vocês.

Persian gargalhou, começando a andar na frente e na direção do local:

— Já não contávamos com você, não é, seu covarde? — debochou, rindo da situação — Mas Jack, cuidado. Só quem sobrou foi o Rato e ele não está bem da cabeça mesmo.

Ao chegarem, rigas de metais sobre as janelas e portas impediam qualquer tipo de visualização. A situação da casa era paupérrima, com madeiras de sustentação podres e plantas e fungos nascendo de todos lugares possíveis. Chesire sinalizou para Jack que fossem por trás, por onde dava em uma outra parte da floresta de que vieram originalmente.

Na parte posterior era possível ver um pântano bem em frente o quintal da casa, que por sua vez não estava tão protegida quanto a frente, somente com janelas velhas e vidros quebrados enfeitando todo seu entorno. No lago era possível ver algumas Meganium e Ludicolos tomando banho na margem, que por sua vez não ligaram muito para a presença de ambos.

— Acho que ele não está aqui... — começou a farejar, fazendo um cara feia para Will após alguns segundos, brincando — Mas o cheiro sem sombra de dúvidas si-

Chesire era surpreendido por uma enorme bola roxa de veneno vinda de dentro da floresta, que o atingia em cheio e o arremessava para dentro do lago. Os Pokémon que pacificamente tomavam seu banho começavam a correr amedrontados, talvez já sabendo do que poderia se tratar. De dentro da floresta, uma voz fina e masculina se escondia atrás de uma árvore. Ao seu lado, um poderoso Muk encarava Will.

— Hehehe... — a fina voz ecoava — Parece que o covarde retornou.