Dois destinos, Um caminho!

Moth In The Mirror

Desordem e tumulto estavam reinando em Forina. Nem mesmo os esforços do líder local e da sua equipe estavam conseguindo apaziguar todo o alvoroço. O evento teatral havia sido um sucesso tremendo, porém agindo como uma faca de dois gumes. A cidade não tinha a estrutura adequada para suportar tantos turistas como Lilycove e Sootopolis e isso se refletia em ingressos esgotando antes da hora, estabelecimentos lotados com atendimento prejudicado, filas enormes e trânsito lento nas avenidas mais movimentadas.

Surpreendentemente, a cidade foi salva por um fenômeno contraditório. Uma frente fria acompanhada de chuvas moderadas e constantes afastou boa parte desse público, dando a oportunidade e o tempo necessário para a infraestrutura local se reerguer e começar preparativos melhores para os próximos dias. Algumas peças seriam apresentadas ainda nesse período, o que faria o movimento continuar bom, apesar das condições climáticas adversas.

O camarim do Teatro Continental estava relativamente cheio. A próxima obra possuía uma releitura mais lúdica e diferenciada do universo de “Alice no País das Maravilhas”, o que não atraia os mais saudosistas, concentrando os mais jovens como público alvo, mas ainda havia expectadores de outras faixas etárias presentes para assistir as peças, esses eram entusiastas dos Contests e do glamour.

A conversa de dois protagonistas chamava a atenção da Diretora da peça, uma mulher jovem e talentosa. Os seus cabelos castanhos estavam entrelaçados em uma trança jogada sobre o ombro direito, ela vestia roupas profissionais, confortáveis e leves, os tons verde e marrom tornavam a sua aparência ainda mais diferenciada que o restante das pessoas na sala. Em suas mãos estava uma prancheta com o Script da peça e um megafone. Ela caminhou elegantemente em direção aos dois e abriu um sorriso acolhedor.

- Como vão as minhas estrelas? Espero que tenham dormido bem, hoje o dia será longo! – O tom animado da mulher era energizante, porém não deixava de fazer certa pressão. – O primeiro cenário já está pronto, mas os outros estão recebendo os toques finais para garantir que a transição seja rápida. Vocês têm mais alguns minutos antes de subirem no palco. Lembrem-se de que as batalhas serão no estilo dos Contests, então caprichem para o público. – Antes de continuar a frase, usou o megafone para anunciar “Trinta minutos antes do Show!” para o elenco. – Quando estiverem prontos, sigam a Hinako. – O dedo da moça apontou para uma gueixa vestida com um Kimono vermelho, um crachá indicava que ela era a coordenadora principal.

Moth In The Mirror

A Kimono Girl abriu um sorriso doce para os rapazes, os tocando de leve para acalma-los. Depois, os guiou para lados opostos do palco, um de cada vez. Apesar dos treinadores terem decidido contracenar como parceiros o público não teria essa informação de início, uma excelente estratégia para fugir do óbvio.

- Garanto que vocês farão uma excelente apresentação, então não deixem o nervosismo domina-los, tudo bem? – Ela disse em um tom gentil e caloroso, enquanto os dois ainda estavam juntos. O acolhimento da dançarina artística e da coordenadora principal era fundamental para acalmar os ânimos a flor da pele.

Os primeiros momentos de espera traziam o característico frio na barriga de atividades que exigiam certa exposição, uma sensação bem similar a apresentar um trabalho importante para desconhecidos e não ter a segurança necessária para espanta-la dos pensamentos. Assim que as cortinas caíram, os nervos afloraram mais um pouco, porém essa ainda não era a deixa do personagem de Gus.


Uma musiquinha de fundo começou a tocar e o público já podia contemplar o primeiro cenário, extremamente fantasioso e até mesmo caótico. A sala era branca e vários retratos de personagens característicos daquele universo estavam pregados na parede. O piso lembrava um tabuleiro de xadrez, quadriculados brancos e pretos revezavam suas posições no solo, havia uma ilusão de ótica que os movimentava e tornava a cena ainda mais fora do comum, assim como a história original pedia.

Passos curtos e ágeis foram escutados repentinamente. Uma jovem de madeixas loiras e onduladas nas pontas entrava em cena, andando de forma desorientada pelo palco. Ela olhava tudo com uma mistura de fascínio e estranheza. Suas pequenas mãos pálidas seguravam seu longo vestido azul com detalhes brancos, antes de irem ao seu rosto ao ver a sua imagem sendo refletida em um grande espelho de um móvel colado na parede. O principal elemento só recebeu a devida atenção quando a iluminação deixou de acompanhar a atriz e foi levemente direcionada ao lugar onde ele estava. Devagar, a música diminuiu de volume.

- Sabe, há muito tempo eu vivi experiencias únicas e maravilhosas. – Começou a menina, seu tom firme passava um sentimento nostálgico. – Uma delas me ensinou que a pessoa que vemos refletida no espelho hoje, não é a mesma que vimos ontem. Muito menos a que veremos amanhã. Às vezes, nem mesmo reconhecemos essa pessoa. – O tom poético da frase arrancaria algumas reflexões da plateia e a prepararia para o verdadeiro ato que estava por vir. – O que eu tenho a compartilhar hoje não foi vivido por mim, mas eu gosto tanto dessa história... – Usando um tom sonhador, a menina pegava um livro da penteadeira em frente ao espelho e começava a ler com a sua voz macia e distante. – A solidão as vezes é a nossa melhor companhia, com ela nós podemos falar sobre tudo.

O cenário onde Alice estava começou a girar, deixando para a plateia a visão de um cômodo praticamente idêntico ao que a menina estava. A única diferença nos elementos era uma cama de solteiro arrumada com lençóis claros e a porta por onde o rapaz deveria entrar.

Moth In The Mirror

Olhares de satisfação, alegria e, principalmente, confusão, espalhavam-se pelas expressões das pessoas sentadas em seus assentos. A cena do espelho havia causado um impacto bastante positivo. O sucesso não era devido apenas ao Venomoth, apesar do Bug Type ter executado movimentos magníficos, quase em uma coreografia, mas pela atuação dos protagonistas, pois os seus movimentos foram sincronizados, surpreendente para uma peça feita com um elenco amador.

A aparição do personagem de Sergio causava uma mistura nos sentimentos do público mais jovem, sobretudo adolescentes e pré-adolescentes. Enquanto alguns o olhavam com encanto, outros não iam nem um pouco com a sua cara, ironicamente os segundos se manifestavam logo após os primeiros comentarem algo sobre a aparência do rapaz. Ciúmes, talvez? Não era só a vida do personagem de Gus que estava prestes a ter uma reviravolta, afinal.

Mudar de cenário era bem mais complicado do que parecia, ainda mais quando a transição seria feita no meio de uma ação. Entretanto, um clarão impediu a plateia de ver o que acontecia com o rapaz puxado para o mundo subterrâneo. Foi quando a luz cessou que os espectadores conseguiram reparar na drástica mudança dos elementos em cima do palco. Havia alguns cogumelos coloridos, fantasiosos e desproporcionais formando um caminho, no mínimo tendencioso, arbustos floridos com rosas vermelhas, porém brotos brancos e destoantes da coloração, entre outras coisas que compunham um bioma lúdico, colorido e digno de sonhos.

- A solidão também é a oportunidade perfeita para encontrarmos nossa melhor companhia, nós mesmos.– Ecoou a voz de Alice, como se ela estivesse narrando a história à distância. – Nessa história, algo aproximava esses dois seres solitários. Afinal, ninguém aparece no seu reflexo por acaso. – A risada alegre da jovem arrancou sorrisos contentes da plateia. – Oh, deixem-me voltar a narrar. Onde eu estava antes? – Aquela foi a última frase dita, agora os protagonistas deveriam interagir entre si e continuar a cena em uma nova ambientação.