Alice em um país nada maravilhoso feat. Rei de copas amargurado

Felizmente, independente de seu descontentamento inicial com Monclar e mesmo o próprio estado físico - ou até psicológico -, Sohra não tinha problema algum em se manter profissional quanto às instruções que deveria repassar aos dois rapazes. Se por consciência de que qualquer desvio levaria ao fracasso da abertura da obra ou só para evitar um conflito maior, era impossível dizer ao certo, mas não era essa a parte importante aos jovens competidores. Tachikawa, por outro lado, já estava cansado com essa rinha verbal e a atmosfera conflituosa e, sem querer dar mais corda, tempo e possibilidade para que a tensa situação se estendesse, retirou-se o mais brevemente possível e se concentrou não apenas no próprio figurino, como nas ideias necessárias sobre como levaria o início da peça afinal, como bem explicitado, estaria tudo em suas mãos. Não demorou muito antes que fosse acompanhado e abordado pelo companheiro de evento, sentido e envergonhado - mas infelizmente para um ou talvez para ambos, não tiveram muito tempo para ficar juntos. Pouquíssimo tempo após seu encontro, membros da staff apareceram e, sem nem um segundo para respirar, separaram os amigos para os preparativos para o início da obra.

Matthew;

Se fosse para considerar o ponto de vista que a plateia teria do palco, o loiro foi carregado para o lado esquerdo deste. Fora de cena, naquele espaço, não tinha quase ninguém - apenas um rapaz com alguns equipamentos e uma jovem de não mais de um metro e meio de altura, com pele bronzeada, cabelos pretos encaracolados curtíssimos e... Longas orelhas brancas de coelho, que pendiam curvadas para frente e denunciavam de imediato qual seria seu papel. As roupas eram, por incrível que pareça, comuns, apesar de elegantes; Trajava apenas um terno branco, cuja borda do paletó era decorada por todos os quatro naipes do baralho e a gravata era um laço médio vermelho sangue. Enrolado no punho por dentro da manga, a corrente de um relógio dourado, o qual a moça mantinha bem seguro entre os dedos e, ironicamente imersa no papel, checava seus ponteiros a cada segundo.

De início, não reparou no rapaz o qual "guiaria" pelo País das Maravilhas. O nervosismo era claro, estampado em sua expressão como um cartaz no cinema, e sua única válvula de escape eram as breves respirações profundas que permitia soprar. De qualquer jeito, não poderia ignorar quando o jovem foi "posto em suas mãos" de maneira rápida, antes que o homem que o guiara até ali desaparecesse outra vez pelos bastidores. Bem, talvez realmente não tivesse tempo a perder por ali...

— ...Ah! — Exclamou, ainda meio distraída. Os dedos se apertaram um pouco mais no relógio, e o olhar castanho inspecionou em silêncio sua nova companhia - um fato novo, considerando que até o momento estava sozinha no aguardo do desenrolar da peça. — ...Oi... — Cumprimentou, sem jeito. Meio deslocada, cruzou os braços em frente ao peito, mantendo a atenção no loiro por uns momentos antes de desviá-la para um chão incrivelmente interessante. — E aí? É você quem vai ser "o" Alice? — Arriscou, inquieta.

Daisuke;

Se Monclar havia sido levado para a esquerda, Tachikawa fora arrastado ao lado oposto. Ainda que não soubesse, sua área não só se encontrava em polos opostos em relação ao seu parceiro, mas o próprio ambiente era diferente - não era um lugar vazio. Ali, um grupo de pessoas se reunia, mais que dez, a grande parte com vestimentas pretas, lisas e discretas, perfeitas para se camuflarem nas sombras do palco; Além disso, havia também um rapaz altíssimo, de quase dois metros de altura, de pele chocolate e cabelos de mesma cor, com ondulações por todo o seu comprimento. Seus trajes eram simples, com uma calça e camisa marrons que confundiam-se com facilidade à seu próprio corpo, além de suspensórios dourados que contrastavam com todo o resto e tinham seu merecido destaque no figurino do ator.

— Opa, Majestade! — Cumprimentou, divertido, com uma breve mesura. Não era como se estivesse só esperando que o moreno chegasse mas, bem, digamos que as roupas de um rei eram verdadeiramente difíceis de passarem despercebidas ao rapaz! — Tudo em cima? — Perguntou, com um sorriso tranquilo, as mãos enfiadas distraidamente nos bolsos frontais da calça. Com um breve movimento de cabeça, expulsou da frente dos olhos a curta franja volumosa que pendia na testa, movimentando os ombros com tranquilidade. — Curti o penteado. Acho que nunca vi um rei moderno assim! — Brincou, com um sorriso simples passeando pelo rosto.

Matthew;

— Já no seu caso, eu tenho certeza que só pode ser médium pra descobrir desse jeito o que eu vou fazer! — Brincou a jovem, embora que com uma entonação ainda meio nervosa. Era difícil dizer se por medo de palco ou se simplesmente alguma outra coisa a incomodava; O mais fácil de supor, entretanto, certamente era a primeira opção, dada a maneira como o olhar escapava diversas vezes na direção das cortinas ainda fechadas, e o jeito como seus dedos se apertavam insistentemente não apenas uns contra os outros, mas contra o próprio relógio que mantinha entre eles. — Então... ...Você vem sempre aqui? Digo, na verdade acho que não, né? Mas... — Atrapalhou-se. No fim, apenas baixou a cabeça e desistiu da conversa, que obviamente não ia pra lugar nenhum.

Daisuke;

— Ow, não vem com esse papo de senhor que 'cê me arrebenta! — O rapaz riu, estalando o pescoço ao movê-lo de um lado para o outro, antes de estender a mão à Tachikawa. — Eu sou o Léo. É um prazer! — Sorriu, recolhendo o braço quando o cumprimento foi correspondido pelo coordenador (ou, bem, se somente fora ignorado, tanto faz). — Bem... Em pouco tempo, na verdade! Tipo, já! A gente tava só esperando. — Respondeu, indicando o palco com a cabeça e se afastando em sua direção para que Daisuke o seguisse, enquanto a equipe de preto escorregava para trás das telas que serviam de "paisagem" ao cenário.

A primeira cena, à princípio, se passava em um lugar simples. No palco, apenas as telas de plano de fundo, que expunham um ambiente decorado em xadrez, com azulejos brancos e pretos para todos os lados. À extrema direita, que era onde Daisuke estava, existia um tecido marrom que seguia do teto ao chão, com um buraco do tamanho de uma porta - e era lá onde Léo se posicionaria, logo quando o moreno adentrasse o palco para que pudessem iniciar a peça: A distância inicial entre os dois atores seria de no mínimo dez passos, e estas instruções já haviam sido repassadas.

...Três, dois, um.
Um alarme soou, indicando o início do projeto, e pouquíssimo tempo foi necessário antes que as cortinas se erguessem. Foi Léo, felizmente, quem tomou a dianteira naquele cenário, permitindo que Tachikawa possuísse uma base melhor para improvisar:

— Eu já disse e desdisse, ô seu "Altezo"! — O rapaz falou, enquanto cruzava os braços diante do peito e se inclinava para frente, balançando exageradamente a cabeça em negativa. — Pra você, daqui não tem saída! Tu tem é que voltar pro reino, que a Rainha tá uma fera contigo... E tu sabe como fofoca corre por aqui, né? — Foram suas próximas linhas, enquanto batia impacientemente o pé no chão. — Bora que ainda dá tempo! É só entrar, pedir desculpa, fazer uns agrado, ô! Qual que é a tua com toda essa "TPM" de ficar de birra pra cima da mulhé? — Introduziu.

E então, como seguiria o moreno?

Matthew;

Ainda que houvesse desistido de se pronunciar, as palavras do coordenador foram mais que suficientes para atrair a atenção da moça mais uma vez. Os orbes escuros passearam com curiosidade pelo loiro fantasiado mas, nos primeiros momentos, não falou absolutamente nada. O olhar se manteve sobre a imagem do homem por algum tempo, e pareceu hesitar, mas arranjou coragem para mais uma última pergunta:

— E por que você atua, Alice? — Uma questão singela, sem intenções por trás - nem poderia ter, aliás, considerando que malmente se conheciam até pouquíssimos segundos. De qualquer jeito, talvez fosse algo a se pensar.

Daisuke;

Após as falas iniciais, o rapaz deu algum tempo para que Tachikawa adentrasse com as frases do próprio papel. Impossibilitado de se mover (afinal, era uma porta), restaram para o ator apenas as caras e bocas chocadíssimas diante das heresias proclamadas por, vejam só, o Rei de seu país! Claro, tinha que se controlar para não acabar rindo diante dos xingamentos improvisados proferidos por Daisuke, mas até que estava conseguindo contornar bem a situação.

— Cruz em credo, majestade! — Exclamou, escondendo o rosto entre as mãos por um segundo. — Que coisa horrorosa de se dizer! Tu tá é doido, agindo desse jeito! Começou a andar demais com o Chapeleiro, sabia que isso ia acontecer! — Disse, sacudindo a cabeça de um lado para o outro. — Pare, e pare já com essas bobagens todas! Aproveite que cá as paredes não têm ouvidos; É só voltar pro reino e pedir desculpas! — Cruzou os braços, franzindo o cenho. — E que escolha você tem? Aqui, morre aqui! Ninguém daqui sai, até porque não tem pra onde, ora bolas! — Afirmou.

Matthew + Daisuke;

— Opa, é a nossa vez! — Exclamou a menina, e tomou fôlego antes de se virar para o palco. Foi uma questão maravilhosa de timing, pouquíssimos segundos após a frase da "porta" e já entrava a Coelha pelo lado oposto, com pequenos saltitos e desespero no olhar. — Céus, céus, que tarde que é! Atrasada, atrasada, sabia que não devia ter vindo à pé! — Exclamou. Do outro lado, restou um facepalm para o ator que fazia a porta: Não havia dito agora mesmo que não tinha para onde ir? E como raios o Coelho havia saído, então? Aliás, de onde tinha vindo??? — ...Minha alteza! — Exclamou, de súbito, ao parar de repente próximo ao rei que vagava pelo cenário. O corpo se movimentava com agitação, ainda que os pés não avançassem de imediato, nem que por um segundo apenas. — O que está fazendo aqui? Temos que ir, vamos, vamos, vamos pro castelo! — Afirmou, agarrando a mão de Tachikawa e se preparando para ir na direção da porta, o mais rápido possível.

Era aquela a deixa para que ambos os protagonistas entrosassem os personagens - assim como deveriam mostrar seu descontentamento e, então, armar rebelião. Que se iniciasse o show!