Pamelor

A novela que eu contei que alguém me contou que alguém disse era essa. Enfim o silêncio prevalecia e alguns tímidos raios de sol batiam no meu rosto. Era o cessar da chuva?! Claro que não. Era só o nascer do sol ao meio daquele monte de camada-bloqueadora. Bom, ao menos uma claridade tínhamos e, com ela, eu podia ver melhor o envolta. Gliscor já descia ao meu encontro, incomodado com a luz solar. Frey já não estava mais deitado comigo e parecia ter feito um amigo. O cenário? Completamente destruído pela chuva que ainda não havia parado. Bem, era definitivo; eu estava em algum universo pós-apocaliptico.

Esfreguei os olhos, bocejei e me espreguicei. Depois de tal ritual pude investigar mais uma vez o atual palco e me confundir um pouco mais:
- Mas o que aconteceu aqui?! - Indaguei, encarando Gliscor já fuzilando-o sem julgar. Frey manteve-se ereto e com uma postura extremamente respeitável, enquanto Jormun dava de ombros e subia e descia num voo minimalista - Meu deus. É isso mesmo que estou pensando? Vocês batalharam sem minha supervisão e permissão? Quanto tempo eu dormi? Como eu dormi enquanto vocês faziam isso? - Era óbvio que a resposta da última pergunta era cansaço extremo mas as outras eu não saberia responder

Gliscor não parecia empenhado em fazer um relatório, fora Frey quem cobriu esse papel. Com uma sequência de balançares de cabeça afirmativo começou a responder de forma pragmática, cada pergunta que podia. Sim, eu estava certa no que estava pensando. Sim, eles lutaram. Sim, fora sem minha supervisão e previsão. Quanto tempo eu dormi? Eevee apontara para o sol, indicando que muito. Como eu dormi enquanto tudo aquilo rolava? A resposta podia ser óbvia mas não fez o raposa pensar que não deveria encenar. Como um bom ator jogou-se no chão nocauteado, exprimindo o óbvio: eu estava desmaiada e derrotada, como um pokemon pós-luta.

Ok, entendido mas a principal pergunta eu não fizera: por quê? Eu não precisei fazer, logo mais Eevee apontou para o Combee nocauteado e encenou um Coelho assustado. Com as patas ilustrou sob sua cabeça longas orelha e com as mesmas patas atuou um choro e um recuar. Ali eu entendi que o Bunnelby era a vítima dali. Não precisava saber de mais nada: Gliscor provavelmente nocauteara Combee (sabe-se lá porque) e Bunnelby estava receoso com o pokemon-colmeia. O problema não parecia ser com o morcego já que estivera no mesmo espaço sem muitos problemas.
- Ok, acho que entendi. Faremos assim, já perdi tempo demais nisso e tenho algumas missões. Posso capturar os dois, enviá-los para o Storage, a cuidado do Professor e depois eu vejo o que faremos?! Acredito que esse Bunnelby não seja daqui e... bem, Combee não me parece muito bem para andar por ali.

A ideia fora bem recebida por Frey e Gliscor, mais uma vez, pareceu não ligar. Se pelo coelho estivesse tudo bem, capturaria-os com mais duas esferas bicolor.

A reação do coelho fora um tanto quanto esperada para qualquer pessoa, menos à mim, que acabara de acordar. Bem, cabia a mim respeitar sua opinião, ainda que estivesse certa de que logo mais algum outro treinador fosse capturá-lo em alguma altura. De qualquer forma, não dei-lhe opção para tirar e, se deixei a entender que ele podia ir, ele podia.

Com um pokemon a menos, usei apenas uma esfera e capturei Combee. Optei desta vez por manter Gliscor e Eevee comigo, ao menos por enquanto. Frey se mostrou um pokemon bastante esperto e Gliscor ágil. Com minha vistoria o morcego não passaria demais dos limites, né?! Acredito que sim. No mais, as tais questões iniciais haviam sido eliminadas e eu podia finalmente começar meu dia. Peguei da mochila semi-encharcada uma barrinha qualquer e me alimentei. Aproveitei para dar o fora daquele campo-elétrico suicída enquanto isso! Logo mais eu saía da floresta, revitalizada e satisfeita, e seguia em direção ao Monte Pyre. Ao menos agora eu podia ver para onde ando.

Que horas são? Encarei a PokeDex na esperança de obter uma resposta e, ainda que descobrisse se era cedo ou tarde demais, manteria o avanço. Estava certa de que Netero já estava a quilômetros de distância de mim e eu precisava compensar o atraso. Além disso Nicholas, com o tempo que passou, certamente já devia estar descendo aquele morro.

Atrás de mim vinha Jormun e à frente Frey. Não sabia se Bunnelby voltaria ou não mas não pretendia dar para trás para procurá-lo. Caso queira vir se juntar ao meu time mais tarde, seria aceito com muito bom grado.

Minha única relação elemental com a água era uma mísera pedra. Caminhava na direção oposta a que vim e começava a ver o mar e estremecia. Como atravessaria aquela merda?! Eu sei, é desde Goldenrod que me ensinaram: onde há treinadores desesperados há comércio. Ali infelizmente parecia cheio de navegantes loucos, que arrecadavam dinheiro de onde podiam. O capitalismo é foda mesmo, né?! Nessa chuva não há pesca e, se não há pesca, a maioria dos donos de barco precisavam se virar para sobreviver. Talvez por isso eu opte por ser nômade; sobrevivo como da. Eles não, precisam pagar aluguel, alimentar uma família provavelmente. Mas que droga; me desculpem eu não estou em condições de ajudar vocês.

Minha aproximação vinha com mais uma ansiedade insana. O que fazer?! Eu podia pagar mas... iria incentivar aquela prática completamente ilegal e abusiva de frete? Não há aqui uma saída melhor à que aceitar velhos pescadores correndo risco de vida para alguns trocados de treinadores loucos? Eles definitivamente não deviam pagar pela minha loucura. Olhei ao céu, ao chão e ao mar. Como eu não havia trago um pokemon de água sequer?! Com os trinta e sete que tenho comigo?! Oh deus. Bem; arque com suas escolhas Winnie.

Aproximei-me da margem e investiguei o mar. Há como passar sozinha? Provável que não. Deu uma pequena caminhada pelas margens e optei por procurar algum treinador de pokemon grande. Negociaria se pudesse. Eu sou uma moça fofinha; não devia ser difícil achar alguém que minimamente me respondesse. Para evitar conflitos pesados demais recolhi Gliscor e mantive só Frey comigo, na intenção de aproveitar-me um pouco da imagem frágil e inocente que eu poderia vir passar.

Perigoso? Certamente. Mas deve ser mais fácil ser aceitável se não parecer tão ameaçadora. Além disso, há muita testemunha aqui para me ajudar caso algo pior venha à acontecer. Podem não me temer mas sem dúvida temem o processo judiciário.

Caminhei pouco animada; era cedo para desistir e tarde para começar a nadar. Se eu tentasse atravessar só com minhas habilidades aquáticas eu chegaria lá só amanhã! Isso é, se chegasse, claro. Cogitei retornar Gliscor ao céu e tentar me agarrar nele de alguma forma, talvez uma passagem aquática numa espécie de prancha puxada. Soava perigoso e, além disso, eu deveria saber que Jormun não é nem meu para-raio nem minha pipa.

Bem, com todas as ideias imbecis descartadas, voltei ao comum. Ainda que fosse próximo das seis, não eram só pescadores que haviam arregaçado as mangas. Alguns dos treinadores mais preparados eram enfim vistos... claro, no completo oposto dos comerciantes. Demorei andar até lá e me tocar que estes seres com pokemons aquáticos não estariam no meio daquelas embarcações todas, isso porque o fuzuê não ajudaria em nada para um navegar tranquilo e sozinho. Bem, estava indo ao lado errado e quando dei por mim era um pouco tarde; fui achada antes que achasse outras pessoas. Isso pareceria até bom presságio para a maioria mas perdi aqui minha maior dádiva: o benefício da escolha. Por ter sido encontrada me restara só uma opção, aceitar a solicitação solitária que recebi. Kara? Bem, devemos admitir que é de fato uma proposição bem cara. Dei de ombros e aceitei: tão idiota quanto querer ir na chuva e não se molhar, é ir à missão de sociedade e não querer batalhar ou por dinheiro em jogo.

- Kara? Prazer, Winnie - Introduzi ali, depois de deixá-la falar por completo - Acho que podemos pensar nessa ideia. Não devemos demorar muito então um dois versus dois double deve ser a melhor opção.

Eevee ouvira minha ideia já avançando. De fato um pokemon astuto e animado demais! Seja lá quem dera café para aquele bicho, já pode parar. Num instante o raposinho já estava moralmente posicionado e meu receio era imenso; ele não era jovem demais?! Ainda assim aceitei que ele poderia vir a ser útil já que nunca se tratou de um pokemon comum. Com as mãos livres peguei duas esferas: Baltoy e Meganium. Minhas revelações eram meio contraditórias mas de Fafnir eu só queria o item. Pedi licença e peguei de seu pescoço a Eviolite e coloquei em Frey. Meganium já sabia seu papel ali, então fora em frente e se posicionou em campo, já esperando uma batalha.

Não retornei Fafnir; deixei que ficasse ali em campo mesmo. Assistira e, ao fim da luta, teria sua pedra de volta. Aquilo era só um empréstimo rápido. Agora com o campo preparado eu me afastei de Kara e sussurrei baixo, como num desejo bobo, um mantra meu: "boa sorte". Não sabia ao certo para quem era este desejo; a mim, à Kara, ao Eevee ou ao Meganium. Independente de para quem fosse, eu desejava uma boa luta e, principalmente, não machucar ninguém demais.

- É isso. Boa sorte para a gente - Comentei sorrindo; ainda dava tempo de desistir mas não pretendia fazê-lo - Só por curiosidade, o que te trás aqui?! Estou procurando um tal de Vincent... Vicent... Não sei, você ouviu falar de alguém que passou por aqui com esse nome?

A moça falava e, enquanto fazia, a curva dos seus lábios se tornava extremamente chamativa. Encarei-a olho-na-boca e devorei cada palavra que me dava. Não sabia porque mas o interesse repentino nela me fizera travar um pouco. Só agora dei por mim: são pouquíssimas as vezes que tive a oportunidade de enfrentar treinadoras mulheres. E ainda fortes como esta! Sua afinidade pelo tipo aquático me fazia sentir certa empatia e admito que suas revelações eram como fogos para mim. Um Lapras!? Nunca o vi de fato. Um pokemon tão emblemático de Kanto! Seu pousar em campo me fazia brilhar os olhos e, assim que pude, falei à moça:

- Você é daqui mesmo?! - Eu sentia que já saia a resposta. Parecia ter denunciado-se ao mostrar surpresa confessando da presença de treinadores de outras regiões - Eu sou de Johto e... bem, pode soar estranho, mas o que eu mais tenho são pokemons aquáticos. Eu só decidi não trazer nenhum comigo sabe-se lá porque. Acho que na correria, acabei indo com o time que eu estava treinando mesmo. Uma burrice, né?! Fazer o que.

A moça até falara "chega de conversa" mas ignorei por completo. Eu queria conversar; não seguiria viagem com ela pelo Monte Pyre, até porque, eu e mais seis monstrinhos já são coisas suficientes para se preocupar, ainda assim eu queria tê-la por perto naquele momento esquisito. Queria saber sua motivação e quem sabe sua ambição:
- Ah sim, mas você veio por causa disso?! Está tentando capturar um lendário?! Que ambição - Inaugurei o externar de pensamentos. Era provável que fosse a primeira a fazê-lo. Enquanto ela não respondia, dei-me liberade para atacar - Frey, Heal Bell! Depois disso Buzzy Buzz em Lapras. Tyr, você sabe o que Fake Out faz, né? Então assim que puder use Sunny Day.

Esta fora a única hora em que olhei o campo: o contorno da boca de Kara não parara de me assombrar até este ponto.