#003 — Uma turminha do barulho

Uma turminha do barulho.

As figuras policiais olhavam para o receio de Dominic e Ryousuke em se aproximarem e caíam na gargalhada. O branco balançava a cabeça negativamente algumas vezes enquanto ria e continuava preparando a fogueira, que aos poucos começava a pegar fogo; com ambas as mãos, fazia uma grelha com alguns galhos caídos e colocava cuidadosamente a comida sobre a chama.

O negro se levantava, ainda terminando de sorrir e limpando algumas lágrimas que caíam de tanto que gargalhou da situação. Respirou fundo, mudando seu semblante completamente, aproveitando para jogar sua mochila no chão e lançar uma esfera metálica no ar, a qual revelava um belo e imponente Aggron, que fazia com que o Pokémon de Joe, intimidado, sequer começasse a lançar suas ondas hipnóticas:

— Sabe que atacar um servidor do Estado é crime inafiançável, certo? — sua expressão agora era séria e apontava para Haunter, que por sua vez engolia seco — Esse medo todo porque meu companheiro aqui é de Kalos e fala que nem um retardado? Porra. — recebia um leve soco nas pernas de seu parceiro e tornava a rir — Anda, caralho. Não é possível que vocês não estejam com fome de tanto subir essa merda de rota. — olhou para Ryousuke — Apesar do ruivinho fazer meu tipo, não vamos fazer nada com vocês.

A comida começava a cozinhar e com ela o cheiro característico de carne assada começava a se espalhar pela floresta. O primeiro Ranger levantava como seu companheiro e se espreguiçava, esticando ambas as mãos para o alto:

— E então? Continuarão com medo e querendo atacar-nos pelas costas? Ou sentarão conosco para uma excelente refeição? — o branco bufava e mostrava seu cinto de utilidades com seis Ultra Balls — Não estava com muita vontade de ter que batalhar... Estamos cansados e este calor está complicado.


Presos no que parecia ser um labirinto que se repetia cada vez que davam poucos passos, Joe e Hailee se encontravam em uma circunstância difícil, sem muitas opções do que fazer para se livrar daquela situação. O rastafari rapidamente pensava em uma alternativa, lançando o recém-capturado Bunnelby diante de si: o pequeno parecia bastante debilitado e somente abaixava suas orelhas, com medo de sofrer mais algum ataque. Após recuperar parte de sua vitalidade, o roedor já estava um tanto quanto alegre e prestava atenção em cada palavra que seu mais novo treinador dizia, balançando sua cabeça e orelhas toda vez que o rapaz terminava uma frase, parecendo respeitar bastante Joe.

— Que doideira. — Hailee coçava a cabeça, agora com uma expressão séria e desafiadora estampada em seu rosto — Por que toda vez que nos encontramos tem que acontecer alguma merda? — empurrou o ombro do rapaz — Parece que o universo não nos quer junt- — coçou a gargante — No mesmo ambiente, digo.

A garota mal terminava de falar e Bunnelby seguia em disparada para trás, de onde nossos heróis vieram originalmente. Após alguns segundos correndo, o Pokémon parava para respirar — ofegante, afinal, o mormaço era de proporções absurdas. O roedor parou por alguns segundos e subiu nos galhos de uma das árvores: lá de cima, se sentou e começou a observar os arredores. Passaram-se alguns minutos e nada: Bunnelby parecia estar em estado de meditação, juntando ambas as patinhas e respirando fundo uma vez ou outra.

— Vamos, Joe... Agora é a hora que você tira alguma ideia da cabeça e nos tira daqui. — Hailee se abanava e fitava o Pokémon de Joe — Não d-

A fala da garota era interrompida pelo coelho, que erguia somente uma de suas orelhas e arregalava os olhos: em um estalar de dedos Bunnelby pegou impulso no galho que sentava e lançou seu próprio corpo em Take Down em uma árvore próxima. Não demorou muito e o vegetal começou a se mexer; suas raízes aéreas começaram a estourar o solo e seus galhos a girarem em noventa graus. Ali estava, mais uma vez, Trevenant.

Uma turminha do barulho.

Com nossos dois treinadores abaixando suas guardas diante das figuras policiais, ambos Rangers tornavam a sentar no tronco e se preparar para comer. O ruivo puxou sua Pokédex para obter informações sobre o gigantesco Aggron, mas por algum motivo seu dispositivo somente chiou. O negro retornou seu monstro de bolso e ajeitou a mochila que jogou no chão, enquanto o branco mexia na comida e separava sete pedaços, um para cada um.

— Se eu fosse você não contava muito com esses aparelhos tecnológicos por aqui, não. — ergueu a camisa, mostrando alguns aparelhos desconhecidos por Ryo e Don presos em uma espécie de pochete — Nenhum dos nossos funciona, a tempestade não deixa que a informação chegue aqui pelo satélite. — voltou seu olhar para o garoto-zumbi, que mais uma vez fazia piada. — Hm... Se você não fosse tão estranho eu até pagaria pra ver se é grande assim mesmo. — o segundo Ranger gargalhou, enquanto apontava para a comida na fogueira e um outro tronco derrubado em sua frente— Sentem e sirvam-se, essa carne deve estar uma delícia.

O clima continuava o mesmo e, aparentemente, graças a fogueira, o calor abafava ainda mais nossos heróis. O tímido vento vez ou outra decidia aparecer: pelo visto a tempestade aumentava, então a força da ventania conseguia passar por aquela grande quantidade de árvores do bioma em questão. Nenhum monstrinho surgia por ali, a não ser entre um trovão e outro que era possível escutar alguns roedores correndo por túneis feitos embaixo do folhiço.

— Uma caçadora? Pobres coitados. — o caucasiano secava a testa e dava uma dentada na comida — Como se já não bastasse esta grande tormenta, ainda ter que lidar com um dos piores tipos de malfeitores.

O negro revirou os olhos mais uma vez. Aparentemente, a forma de falar do primeiro Ranger também o incomodava, apesar de supostamente trabalhar com o mesmo há um tempo. Do outro lado, Staraptor ouvia as ordens do garoto-zumbi mas parecia dar de ombros: o pássaro bicou a perna de Dominic e ergueu a cabeça, fechando os olhos logo em seguida em desprezo. Rockie parecia não ficar muito feliz com a atitude do Pokémon de Hailee e assim que abriu a boca para reclamar, fora repreendida por um único olhar cortante do Pokémon voador. Intimidada, a símia fechou a boca e desceu das costas do garoto-zumbi, caminhando até a comida totalmente constrangida, dando de ombros para qualquer coisa que seu treinador falasse.

Aipom caminhou por poucos segundos, pegou um dos pedaços e sentou-se no outro tronco, chamando Haunter e Duskull também para comer, dos quais somente o fantasma de Joe aceitou, flutuando rapidamente até lá e pegando seu pedaço para saborear.

— Depois de descansar um pouco podemos ir atrás dela. — o moreno continuava sentado e voltava seu olhar para Ryousuke — Lá pelo lado leste da rota dizem ter bastante Pokémon, na praia também. — olhou para a copa das árvores, ainda com a mochila em mãos — Não sei com essa chuva toda. — piscou — Mas se você quiser poder andar comigo embaixo do meu guarda-chuva, divido com você sem problemas.


A jovem de cabelos cor-de-rosa arregalava os olhos assim que via a presença do imponente Pokémon fantasma. Com a boca aberta e seu corpo paralisado, Hailee somente despertava quando Joe começava a falar e reclamar da situação. Engoliu seco, buscando uma de suas esferas metálicas e lançando-a no ar.

— Olha o tamanho dessa árvore, Yokosuka. — respirou fundo, observando a Pokéball abrir e um brilho prateado e reluzente sair de lá aos poucos — Parece ser extremamente forte... O que faremos? Capturamos? — apoiou-se no ombro direito de Joe mais uma vez — Se você quer lutar, vamos lutar. — abriu um sorriso e começou a estalar os dedos da mão, tal como se fosse lutar fisicamente — Temos que ser confiantes. — seu sorriso agora se tornava desafiador — Já estivemos em situação pior.

Assim que a garota terminava de falar, a luz que saíra da esfera bicolor tomava forma: uma brava e deslumbrante Clefable saía dali, parando ao lado do gramíneo do rastafari e cerrando a boca em fúria na direção de Trevenant. Não demorou muito e a árvore abriu sua boca e soltou um fortíssimo grito na direção de nossos heróis, preparando-se para atacar Shroomish.

— Clefable, chame a atenção desse troço com seu Spotlight para que o Pokémon de Joe consiga agir livremente! — apontou na direção das árvores — Em seguida use Shadow Ball!

E assim a batalha começava.

Clefable disparava na frente na direção das árvores enquanto o vegetal envolvia aos poucos seu corpo em uma energia arroxeada, com sua orbe avermelhada fixada em Shroomish. A Pokémon de Hailee então começava a chamar atenção do inimigo, jogando alguns pedaços de galhos na direção de Trevenant, que se enfurecia e rapidamente girava em sua direção, acertando-a com um potente Shadow Claw e lançando-a alguns metros de distância. Shroomish enquanto isso permanecia parado, tirando um pouco da vitalidade da árvore, mas sem causar muito dano. Enfurecida, a fada se levantava e abria sua boca, castando rapidamente uma esfera negra que conforme seguia na direção do adversário ia aumentando de tamanho. Trevenant era atingido fortemente pelo ataque e cambaleava um pouco tonto para trás, mas logo pegava impulso em suas raízes e acertava novamente Clefable, que começava a xingar o Pokémon em seu idioma incompreensível. O gramíneo fitou a fada encantado mas logo tornava a sugar a vitalidade do vegetal, dessa vez causando um acerto crítico, mas mesmo assim não causando muito dano.

— Shroomish tem que aguentar mais um pouco, Joe. — Hailee cerrava os punhos — Sozinha minha Clefable não vai conseguir derrotar ele e o Pokémon que capturei aqui não está cem-por-cento. — voltou a atenção para sua Pokémon — Clefable, duplo Shadow Ball!

Uma turminha do barulho.

Apesar de todo o tom de brincadeira, a ambientação humorística naquela floresta começava a mudar. Primeiro, Dominic se irritava com Staraptor e logo depois com as figuras policiais em questão, achando que o tom usado nas brincadeiras do segundo rapaz eram pesadas demais para Ryousuke, sendo o ruivo um adolescente praticamente com mentalidade de uma criança inocente.

A fúria repentina do garoto-zumbi tornava a despertar risadas nos Rangers. Mas aí que as coisas começavam a ficar ainda mais estranhas: as gargalhadas começavam a ficar cada vez mais grossas e ecoavam por toda floresta, até pararem repentinamente, observando ambos nossos heróis com os olhos arregalados e um sorriso macabro robotizado. Não demorou muito e a mesma risada feminina da caçadora era ouvida ao longe, junto com algumas palmas que se aproximavam à distância, como se viessem do vácuo: a mulher não surgia, mas suas risadas e palmas pareciam vir de um ponto específico onde, em uma situação normal, obviamente poderia ser vista tanto por Dominic quanto por Ryousuke.

Os barulhos voltavam a cessar, sendo o silêncio de cerca de dez segundos quebrado por um estalar de dedos. Aos poucos era como se o mormaço fosse se dissipando e a visão do ambiente ficasse turva: as ondas de calor pareciam deformar o espaço-tempo como oscilações, que em um dado momento paravam, revelando o verdadeiro local que se encontravam.

A parte da floresta era exatamente a mesma, mesmas árvores, arbustos, folhiço... Mas e a fogueira?

Em cima da chama, ao invés de comida enlatada, diversas partes de Pokémon mal cozidas estavam dispostas, algumas bem mal-passadas, com o sangue escorrendo inclinação abaixo e formando uma poça rubra abaixo dos pés de Ryousuke. As mãos e bocas de nossos heróis estavam completamente ensanguentadas, com alguns pedaços presos embaixo da unha e diversas entranhas espalhadas embaixo do tronco que os monstrinhos comeram. Haunter arregalava os olhos e começava a puxar sua língua, tentando limpar com as próprias mãos o sangue que pintava sua língua rosa, vermelha. Staraptor alçava voo e parava na frente de Dominic ao perceber o perigo iminente: de onde originalmente vinham as palmas da mulher, estavam um Zoroark e dois Zorua encarando-os com os dentes à mostra e com o queixo molhado de tanto saborear as partes de selvagens. Youma, mesmo sendo sempre tão apático, se escondia atrás de Ryousuke, impactado com a cena que presenciava diante de si.


— Ah, não. Logo quando eu estava começando a me divertir. — a bela mulher surgia novamente, parando atrás de seus Pokémon — Confesso que quando o retardadinho puxou a Pokédex achei que fosse ser descoberta. — abriu um sorriso — Mas vocês são tão idiotas que ainda consegui rir mais um pouco. — acariciou a cabeça de Zoroark — Belo trabalho. — voltou seu olhar para Dominic — Tinha que estragar tudo, não é? Decidi, vou matar você primeiro! — olhou para Ryousuke e deu uma risada — E como ainda quero ver esse aí borrar as calças, darei para ele comer. — mordeu o lábio inferior e a risada se tornou um meio sorriso — E o gosto da carne? Estava saboroso? Cabeça de Bunnelby grelhada é uma delícia. — piscou — E ainda nem falei sobre a surpresinha.


O difícil embate continuava, com Clefable já mostrando alguns sinais de que estava cansada de tanto correr e ainda assim receber os ataques de Trevenant. Ainda irritada, a fada ficava parada e conjurava mais uma esfera negra, acertando o adversário novamente, dessa vez fazendo-o com que caísse de costas no chão. Aproveitando a fragilidade iminente do malfeitor, o gramíneo de Joe conseguia ser mais rápido e seguia as instruções de seu treinador, dando alguns saltos para frente e se escondendo no folhiço enquanto sugava novamente a energia do vegetal. Trevenant, mesmo derrubado, tentava procurar onde Shroomish poderia estar escondido, mas vendo que não conseguia, fincava suas raízes no solo novamente, as quais saíam diretamente embaixo da Pokémon de Hailee, acertando-a dessa vez com Poison Jab. Mas não parava por aí: as raízes do vegetal continuavam seguindo por baixo da terra e dessa vez focavam Joe, surgindo embaixo do rastafari, dando tempo somente da jovem de cabelos cor-de-rosa empurrá-lo e levar o ataque diretamente em sua perna direita.

— AH! — Hailee caía no chão, com um corte profundo na perna que ia do joelho até o começo da virilha — Tá doendo demais, caralho! — tentava colocar ambas as mãos por cima, mas o sangue continuava escorrendo — Sai daqui, Yokosuka! Retorne Shroomish e saiam os dois daqui! — engolia seco, segurando o choro ao ver Clefable lutar para levantar do chão após o potente ataque super-efetivo— Se a gente perder isso vamos morrer os dois, eu já estou toda fodida.

Enquanto a situação da jovem escalava, a batalha continuava. Com um dos olhos machucados pelo ataque, a fada lutava para ficar em pé e enxergar. Ao ver a situação de sua treinadora, se enervava e desesperava, fazendo com que ao invés de lançar outra Shadow Ball, lançava no lugar Focus Blast, que passava direto pelo corpo de Trevenant, que por sua vez acabava de conseguir se estabilizar. Shroomish tornava a seguir a estratégia de Joe, mas dessa vez o malfeitor inimigo conseguia perceber onde o gramíneo estava escondido, acertando-o com Poison Jab assim que começava a ter sua energia sugada, lançando o pequeno alguns metros para trás, batendo diretamente no tronco de uma árvore no meio do caminho.

— JOE! — segurou-o pela camisa — SOME DAQUI, PORRA! ANDA! — tornava a fazer alguns barulhos de dor e o sangue que saía de sua perna agora não era somente vermelho, como também com alguns tons arroxeados — Só cuide da minha irmã e leve o Staraptor pra cuidar dela, por favor. — arrancou uma esfera de seu cinto e colocou-a no bolso de Yokosuka, fechando os olhos e respirando fundo — Me ajuda a levantar e vai! — Hailee puxou o rastafari para um abraço e encostou a cabeça em seu ombro — Por favor.