(014) — heart of glass

A cidade dos dragões.

Desde criança Blackthorn sempre fora um sonho distante que acreditei que nunca fosse se realizar. Sempre preferi psíquicos e não existe dúvida alguma nisso, mas a majestosidade que essa cidade exala é fora do normal. Não pela rara tipagem que o local carrega nas veias, mas por jamais imaginar que fosse pisar no lugar que originou o tão grandioso Lance, campeão da Elite Quatro, tão celebrado por toda Kanto e Johto desde que eu era pequena. O qual permanece invicto até hoje.

E eu aqui. Ha, chega ser engraçado. Na minha idade Lance já era campeão da Elite 4 e cá estou eu, uma treinadora medíocre, que mal sabe treinar seus pequenos. Antes de Shimmer jurava de pé junto que, sim, eu era uma excelente treinadora. Mas agora? Depois de ver que se Natalie não estivesse comigo muito provavelmente eu estaria morta lá dentro? Nunca. Trágico olhar para o passado e ver que a Karinna de sete anos de idade estaria decepcionada com o que me tornei. Tudo bem, existem inúmeros porquês para eu ser a mulher que se engatilha por qualquer coisa, mas... Eu poderia ser melhor, não poderia? Por que diabos não posso ser boa em nada que me proponho a fazer? A única coisa que salvava era a música, mas depois dessa cicatriz, tem sido difícil terminar uma música sem as falanges doerem no final. Com a prática tudo isso está melhorando e estou voltando a ser a musicista que era antes, mas mesmo assim... É complicado.

Mesmo não sendo uma boa treinadora no quesito de força, posso garantir que existem poucos que apreciam seus pequenos tanto quanto amo os meus. Meus filhos são minha família e, mesmo que não sejamos os mais fortes, o sentimento é o que importa no final das contas. Clichê, né? Eu sei. Beira o brega, mas é verdade. Eu não teria sobrevivido se não fosse por eles... E serei eternamente grata por isso.

...

E vamos ao porquê de estar nessa cidade com o ar tão rarefeito que me deixa tontinha: desde quando via alguns programas na tevê do Centro Comunitário de Ecruteak ou no Centro Pokémon de Cianwood e Olivine, era o sonho da minha mãe ter um Dratini. Ela sempre comentava que a espécie, raríssima, era sua favorita. Não pelo poder, por sua raridade ou qualquer coisa do tipo... Mamãe sempre contava que ouvia histórias quando pequena de que, ao abraçar um, todos seus problemas desapareciam. Um típico conto de cidade pequena, né? Hoje vejo que não existe tal mágica nesse universo, mas eu acreditava veemente sempre que ela me contava essa história. O brilho em seus olhos sempre que via um na televisão é algo que jamais vou esquecer. Infelizmente, Ivy fora arrancada de mim antes que eu pudesse realizar seu desejo, mas estou hoje aqui, pronta para ir atrás de seu sonho, que com o tempo se tornou meu também. Tenho certeza que ela está assistindo tudo lá de cima e não posso, sobre nenhum hipótese, sair de mãos vazias desse lugar.

— ... E essa é a história do motivo de termos viajado para tão longe. — sentada na beirada da cama do meu quarto no Centro Pokémon, respirei fundo; sentados, Okawa, Polaris e Nuka me observavam curiosos, com Nuka, emotiva como sempre, se debulhando em lágrimas  — Conto com a ajuda de vocês para encontrarmos uma espécie dessas, o que acham? — sorri, acariciando a cabeça de cada um de uma vez; apesar de não ter expressões, Gyoza também parecia investida na história; abracei a ponta norte de sua estrela primária em agradecimento — Demorei tempo demais para vir até aqui, mas com o dilúvio que teve aqui em Johto essa é a única oportunidade que tenho. — comecei a ajeitar meus pertences na bolsa, incluindo os ovos que carregava comigo — Só tem um problema... Eu não faço ideia de onde fica a Dragon's Den. — cocei a nuca, sem graça; Altaria balançou sua cabeça negativamente duas vezes, rindo — Mas tudo bem! Vamos atrás de informação! — Beartic me olhou com uma cara debochada enquanto limpava sua meleca disfarçadamente no rabo da Druddigon — ... Prometo que vou ser simpática. Hoje vocês tão que tão, né? — gargalhei, buscando a esfera de cada um e retornando a todos — ...

Após um longo banho, me retirei do quarto e caminhei até a recepção do Centro Pokémon. Não sou lá a pessoa mais interativa e extrovertida do universo, mas se eu quisesse saber onde encontrar a Dragon's Den, teria que perguntar por aí. E não existe lugar melhor para fazê-lo se não com as enfermeiras locais. Nessas horas que eu queria Natalie ou Daisuke aqui comigo -- lidar com pessoas não é nem de longe o meu forte.

— Oi... Fazendo check-out do quarto 201. Muito obrigada. — coloquei a chave no balcão, sorrindo sem graça — É, hm... — suspirei — Você saberia onde fica a Dragon's Den? Ou como encontrá-la e entrar lá? Se não souber, conhece alguém na cidade que saiba?

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Blackthorn City

Como nem tudo são flores, a enfermeira chefe do Centro Pokémon não se encontrava e eu não conseguiria a informação de imediato. Não sou lá a pessoa mais paciente do mundo, mas acredito que, em ordem de conseguir o que quero, preciso buscar toda força dentro de mim mesma para atingir meu objetivo, mesmo que o universo decida que eu o faça em passos de Carracosta. Lembre-se, Karinna, você não está fazendo isso por você... Está fazendo por sua mãe. Inclinei a cabeça, frustrada, mas ainda assim abrindo um leve sorriso para o enfermeiro estagiário. A julgar por todo Centro Pokémon que deveria estar sobre suas mãos enquanto Joy não voltava, já sinto uma leve pitada de pena do garoto pela pesada carga que lhe foi atribuída sem sequer saber trocar um acesso direito. Sorte que não deixei nenhum Pokémon sendo cuidado por aqui.

Estagiário é explorado em qualquer lugar do mundo mesmo, né?

— ... Tudo bem. — suspirei, dando uma leve batidinha no balcão — Posso tentar encontrá-la, se você me disse onde é essa casa de um dos Anciões. — juntei ambas as mãos como em prece, praticamente suplicando para que me desse essa informação — Não queria ter que esperar que ela volte... Além disso, pode ser que ela demore mais que o comum. — tudo bem, vou precisar encher um pouco do ego desse rapaz — Ela não deve ter pressa de voltar, afinal, deve saber que você mantém tudo por aqui direitinho... Deve confiar bastante no seu trabalho. — apontei para recepção do edifício, vazia - muito provavelmente por não estar tendo um grande volume de pessoas, mas serviria para puxar saco do garoto —  E, então, para onde ela foi? Se puder explicar direitinho, agradeço, não conheço nada por aqui.

Era um tiro no escuro e muito provavelmente eu me perderia nessa cidade se não entendesse corretamente o caminho até a casa do tal Ancião; de qualquer maneira, também poderia perguntar na rua para transeuntes locais e ter um norte até encontrá-la. Para me acompanhar e eu não parecer tanto uma forasteira, busquei a esfera de Okawa, liberando-a ao meu lado para que aproveitasse também um pouco de ar fresco. Pela voadora ter sido vítima de contrabando, ofereço toda oportunidade possível para que ela passeie e explore tudo no mundo que não conhece... Por exemplo, a felicidade da Pokémon ao provar sorvete pela primeira vez foi de acalentar o coração.

— Vamos passear um pouco, filha. — acariciei a cabeça de Altaria, que retribuiu com um sorrisão encantador — Sei que você gosta.

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Blackthorn City

Quando já estava praticamente desistindo da ideia do rapaz saber exatamente onde era a casa do tal Ancião, eis que o estagiário puxa um pequeno mapa da cidade, estendendo-o em cima do balcão; abri um sorriso de orelha-a-orelha, prestando atenção em cada detalhe minucioso daquele pedaço de papel. Até cogitei pedí-lo emprestado e nunca devolver — lê-se roubar — mas isso acabaria deixando o pobre do garoto encrencado futuramente. Estagiário já sofre demais, né?

— Obrigada! — decorei cada detalhe das instruções do garoto e me despedi, acenando para o mesmo — Sua ajuda foi ótima, vai me ajudar bastante. — sinalizei para que Okawa me acompanhasse para fora do Centro Pokémon — Vamos, filha.

Segundo as indicações do quase-não-muito-enfermeiro, deveríamos seguir para a esquerda até encontrar uma praça. Não estava com tanta pressa assim, então, sugeri para que Altaria caminhasse devagar e que observássesmos cada detalhe dessa enorme cidade que sempre tive vontade de conhecer. De fato é tudo muito majestoso e com presença imponente... E eu não esperaria menos de onde Lance nasceu.

— Assim que chegarmos na praça, seguimos norte. — disse para mim mesma, decorando as instruções uma-a-uma — Filha, se quiser pode voar um pouquinho agora. Me avise quando avistar a praça. — Altaria alçou voo, feliz da vida por estar desfilando em uma cidade conhecida por dragões — ... Exibida.

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Blackthorn City

Já comentei o quanto eu me distraio com facilidade? É, eu sei, eu sei... Sendo uma Rocket e tendo passado por infinitas provações deveria ter me feito uma pessoa mais focada, mas não consigo evitar. Todo aquele espetáculo que compõe as ruas de Blackthorn me deixavam encantada. Não pela figura dos dragões em si, mas pela paixão que exalava de cada uma daquelas vendinhas. Dava pra ver que o amor pela espécie e sua linha evolutiva era genuíno e não fingido somente para arrecadar fundos. Vê se aprende, Forina.

Devido a brisa gélida que percorria as simples ruas de Blackthorn, parei por um minuto para colocar meu suéter cor-de-rosa; Altaria, que se deliciava dançando nos céus, pousou ao meu lado, sinalizando que caminharia ao meu lado por um tempo. Talvez tenha se cansado ou talvez estivesse tímida de chamar muita atenção com a rua pouco movimentada. Quando terminei de colocar a vestimenta, percebi que uma senhora falava comigo — não tinha interesse nos brincos, mas vai que ela pode me dar alguma informação importante, né?

— ... Olá! Muito obrigada pelo elogio. — sorri, caminhando em passos lentos até ela — São todos lindos, mas não tenho interesse. — observei os produtos, todos de muito bom gosto, mas duvido que aquilo fosse ouro de verdade — Mas... Te tenho uma proposta. — abri a bolsa, puxando uma nota de PK$50 — Cinquenta dinheiros para você me falar tudo que sabe sobre o Dragon's Den. O que acha?

Pela forma como a senhora insistiu para chamar minha atenção, dava para perceber que gostava de uma das duas coisas: ou de dinheiro, ou de atenção. Esperava que ela me desse alguma informação útil e, então, continuaria meu caminho até a praça, a qual se encontrava no final da rua.

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Blackthorn City

Bastou que as palavras "Dragon's Den" saíssem da minha boca para a expressão da mulher mudar por completo. Não só ela parecia espantada, como também intrigada do porquê, mas isso não importava agora -- nem se eu quisesse conseguiria interrompê-la. A senhora se danou a falar e parecia que nunca mais ia parar. Não que eu me importasse, já que ouvi a excelente história com muita atenção, mas sua empolgação repentina me levantou uma leve suspeita.

— T-

Tentei falar, mas a velha continuou seu monólogo. Suspirei, dando uma leve risada disfarçada, até que ela chegou em seu ponto final. Claro que ela queria algo em troca e, sinceramente, por dinheiro eu faço muitas coisas. Até pensei em perguntar se a tiara de fato já foi sua, mas não me importava suficiente. Se eu serei paga por roubar uma Anciã, que seja...

Não é como se eu já não roubasse a torto e a direito, né?

— Agora você falou minha língua. — dei uma leve piscadela para a velha — Espero que eu seja bem recompensada mesmo... Se ela não entregar por bem, tenho outros meios de conseguir. Pode ficar tranquila. — sinalizei para que Okawa tornasse a caminhar comigo — Em breve estarei de volta.

Com isso, acenei para a senhora e continuei caminhando na direção da praça, seguindo o caminho indicado pelo estagiário mais cedo no Centro Pokémon. Espero que não tenha que arrumar confusão com um bando de velho, mas ao menos já arrumei um dinheiro e informações sobre Dragon's Den. Se de fato esse Dragonite ainda estiver por lá, vai ser difícil derrubá-lo... Ainda bem que vim preparada.

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