(014) — heart of glass

E as minha pequenas atropelavam os dragões da mulher. O sorriso sádico dava lugar a um honesto, talvez o primeiro durante todos aqueles minutos de tensão, orgulhosa de Starmie, Beartic e Altaria. Apesar da felicidade de vê-los tão fortes e, no caso da voadora, resiliente, o ambiente ainda era hostil, com aquela mulher líder-do-culto ainda de pé. Lady Tenshin estava amedrontada, mas ainda assim não deixava de duvidar da minha capacidade, tentando me intimidar a ir até lá e retirar a tiara dela.

Pena que não sou nenhuma idiota.

— Obrigada pelas informações. E, ah, tô de boa. — apontei na direção da mulher — Gyoza, peguei a tiara com seu Psychic. Polaris, em seguida a finalize com seu Play Rough.

Suspirei, voltando minha atenção para os idosos ainda enfeitiçados. Não tinha nada a ver com toda essa maluquice, mas se eu ao menos não fizesse uma denúncia anônima, eles ficariam aqui até os efeitos do medicamento acabarem. Muito provavelmente suas famílias não sabem que isso acontece e, bom, ao menos dá para culpar essa chacina toda em algum velho que ficou maluco. A desculpa perfeita.

— Vamos, meninas. — com o trabalho de Beartic encerrado, guardei a tiara na bolsa e seguimos na direção da porta, subindo as escadas; retornei Druddigon e Beartic, deixando somente Altaria e Starmie do lado de fora — Não seria uma boa ideia sair por aí com uma ursa polar cheia de sangue. — soltei minhas madeixas, balançando-as no ar para que desembaraçassem — Conseguimos ótimas informações. Agora só preciso devolver essa maldita tiara e procurar a enfermeira antes de irmos para a Dragon's Den. — chegamos ao hall e segui para o portão principal — Pode ser que ela tenha mais informações sobre os túneis.

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Blackthorn City

E, com o fim da mulher líder todo aquele culto, a sede de sangue chegava ao seu fim. Senti um peso aliviar das minhas costas, com meu coração voltando ao seu regular batimento; as mãos pararam de tremer de raiva e a testa de suar de nervoso, tudo como em um passe de mágica. Acho que essa habilidade de ligar e desligar minha perversidade demonstra que agora a maldade é ainda mais intrínseca a mim... Não que não fosse antes, mas agora é como um órgão que permanece adormecido dentro do meu corpo, pronto para funcionar sempre que preciso.

E, então, uma voz ecoou pelo grande salão.

Voltei minha atenção na direção que o som viera, dando de cara com a Enfermeira Joy que me atendeu no dia anterior. E aí estava um problemão em minhas mãos... Eu não podia matá-la. Não sem criar uma enorme dor de cabeça, principalmente pra mim, já que chegaria aos ouvidos da Organização por envolver o sistema de saúde. Com as funcionárias e esse lugar, a polícia pode simplesmente culpar um deles ou algum assassino aleatório, mas com uma Enfermeira-Chefe não. A investigação seria pior.

Precisava contar com a sorte.

— Trabalho sim. Peço que fale um pouquinho mais baixo, os senhores e senhoras já estão em seus aposentos, descansando um pouco para a ceia. — sorri, juntando ambas as mãos rente ao corpo — Pode informar para mim, não se preocupe. — caminhei em direção ao jardim, como se a "expulsasse" gentilmente — Estou indo até a feira para comprar alguns legumes, faremos uma sopa deliciosa à noite. — ajeitei as madeixas, jogando-as para trás dos ombros — Me acompanha até lá? Passaremos no Centro Pokémon no caminho de qualquer jeito.

Não era lá a melhor das ideias ter uma ponta solta nessa história toda. Joy certamente faria um retrato falado meu no futuro, assim que a notícia sobre o asilo vazasse pela cidade. Eu precisava me resguardar e, sinceramente, se precisasse culpá-la... Que seja. Pelo menos no caminho até o Centro Pokémon poderia tentar arrancar algumas informações sobre Dragon's Den.

— Só um minutinho. — voltei minha atenção para Altaria — Você poderia pegar o meu Walkie-Talkie? O deixei na sala de suprimentos, lá embaixo. — a Pokémon ia e voltava em um piscar de olhos — Só para o caso das meninas precisarem falar comigo.

Fazer o papel de boa e inocente mocinha já era algo que conseguia fazer muito bem. Tenho a sorte de ter o rosto de uma. Escoltando-a até a cidade, aproveitaria para "naturalmente" perguntar sobre a Dragon's Den, sem qualquer suspeita.

— Acho toda arquitetura de Blackthorn muito linda, sabe? Às vezes acho que não a apreciamos o suficiente. — comentei, dentre um sorriso e outro, fingindo um encantamento que até que era verdadeiro sobre a cidade — Só nunca consegui ter tempo de ir até a Dragon's Den, por exemplo... E confesso que tenho um certo medo. — apertei ambos os braços, tremendo de leve — As histórias dos Anciões sobre como é fácil se perder lá dentro me aterrorizam. — dei uma leve risada — Será que você saberia me dizer como uma mera mortal curiosa consegue andar por lá sem se perder? Com a sua experiência acho que posso tentar visitá-lo, sabe?

Independente do que a Enfermeira dissesse, assim que chegássemos até o Centro Pokémon eu me despediria na porta e deixaria o Walkie-Talkie nas lixeiras atrás do edifício, de forma que não fosse embora junto com o lixeiro. Se a polícia investigasse a única pessoa conhecida que visitou o asilo no horário da chacina... Boom. Até deixariam para lá as teorias da loira misteriosa que ela diz ter encontrado e que conversou com ela por minutos à fio.

... Doida, né? A enfermeira que enlouqueceu sozinha em um asilo cheio de prestigiosos Anciões de Blackthorn.

Agora é encontrar a velha para pegar minha recompensa, sorte saber exatamente onde ela me aguardaria.

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Blackthorn City

— Obrigada, Joy.

Agradeci a enfermeira, despedindo-me da mesma e seguindo para a parte de trás do Centro Pokémon. Deixei a prova incriminatória perto das lixeiras e talvez pela primeira vez no dia, senti uma leve sensação de remorso arrepiar minha coluna. A pobre da mulher só estava no lugar errado e na hora errada. Infelizmente, preciso culpá-la ou posso acabar me prejudicando; por mais que aquele asilo fosse mais como um culto satânico, não é assim que a polícia entenderá. Não existe legítima defesa se você assassina diversas pessoas. Talvez até exista, mas não quero descobrir... Qualquer suspeita da polícia para comigo fará com que a Equipe Rocket dê um jeito de me apagar o mais rápido possível.

Desculpa, Joy. Infelizmente você terá que pagar por um crime que não cometeu.

Virei as costas, caminhando na direção das ruas. A senhora muito provavelmente ainda estava por lá e, finalmente, eu receberia minha recompensa por toda a confusão causada por conta dessa maldita tiara. No caminho fitei cada detalhe do prédio indicado pela enfermeira chefe... Estava fechado, mas eu não poderia atrasar meu plano de maneira alguma. Amanhã, ou seja lá quando abrir o museu, muito provavelmente já terão descoberto toda comoção na Casa dos Anciões e a cidade ficará de alerta...

Tenho que dar um jeito de chamar a atenção desse homem.

Mas, primeiro, devolver a tiara à sua devida dona.

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Blackthorn City

Caminhando pelas ruas de Blackthorn, posso dizer que me perdi brevemente. Caminhei por algumas ruelas que davam em lugares diferentes do que havia estado, mas pelo menos isso me deu alguma ideia do terreno da cidade e como fugir caso as coisas ficassem complicadas pra mim. Voltei para onde estava anteriormente e, em fim, encontrei a rua onde havia conversado com a detentora da tiara.

Segui pela rua observando o movimento diminuir, afinal, já havia passado do horário comercial e Blackthorn não era nem de longe uma cidade noturna. Talvez por conta do frio que vem da Ice Path, que se intensifica à noite, locais prefiram ficar dentro de casa, aconchegados em suas lareiras e cobertores. Por sorte, não demorou muito para encontrar a senhora.

— Tenho... — coloquei a mão na bolsa, mas não retirei a joia — Primeiro o prêmio. Deu muito trabalho consegui-la. — pisquei, abrindo um sorriso amigável; não queria que a mulher achasse que eu estivesse ameaçando algo, o que eu realmente não estava — Espero que faça bom proveito dela.

Assim que a mulher entregasse minha recompensa, eu entregaria a tiara. Não tinha muito o que fazer a não ser isso, já que todas informações que a mulher poderia me contar sobre Dragon's Den já me foram dadas.

— Ótimo fazer negócio com você. Aproveite sua tiara.

Dito isso, me direcionaria na direção do prédio que Joy informou, onde o rapaz que conhece os túneis se esconde. Por mais que esteja fechado... Talvez eu tenha a ideia perfeita para chamar sua atenção.

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— Obrigada. Acho que vou precisar.

Essas foram as últimas palavras ditas à mulher enquanto sorria e caminhava na direção do edifício informado por Joy. Com o cair da noite, muito provavelmente não haveria ninguém por lá, então precisava pensar bem em como pedir a ajuda do homem. Ninguém em sã consciência vai querer ajudar uma forasteira desconhecida a entrar em uma caverna perigosa, ainda mais pela noite. Poderia oferecer-lhe algum dinheiro, mas se você me conhece, sabe que não gosto de pagar por nada, principalmente se posso conseguir de graça.

Com passos calmos e curtos, percorri as ruas que me distanciavam do meu objetivo observando cada detalhe de Blackthorn. Parei em frente ao portão do chamativo edifício, me preparando para colocar em prática a ideia que tinha em mente. Se aquele homem é de fato um pesquisador que ajuda as pessoas com seu mapa, certamente não recusaria o pedido de uma pobre treinadora desesperada.

Isso mesmo, desesperada.

Baguncei minhas madeixas e desgrenhei um pouco minhas roupas, mudando meu semblante por completo: eu parecia desesperada, amedrontada, trêmula. Liberei Altaria para que me passasse pelo muro e, bastante empenhada na personagem que criei, comecei a bater na porta principal do prédio.

— Por favor! Por favor! Me ajuda! — tentei forçar o choro também, mas acho que passar o desespero era mais importante; aumentei a intensidade dos socos — Meu pequeno Eevee entrou na Dragon's Den e não consigo achar ele! — Altaria me observava um tanto quanto curiosa, quase rindo de toda aquela atuação; semi-cerrei os olhos em sua direção, como se pedisse para entrar na brincadeira — O senhor precisa me ajudar a entrar lá! Por favor! Ele é tudo que tenho, a única lembrança da minha irmã que faleceu! — Okawa agora entrava na brincadeira, fingindo choro e parecendo triste, praticamente se jogando no chão em drama — Por favor, me ajuda!

Com os olhos cheios de lágrimas, pude sentir que agora a personagem que criei estava perfeita.

Espero que ele caia nessa...

Se não for por bem, vai ser por mal.

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