Ato 07 — Descanso...

Bastou impor-se poucas vezes para o louro alugar um condomínio na mente daquele bandido. Desprovido de qualquer postura, apenas açodou sem volver os olhos; Nicholas matutou de que, caso se reencontrassem, não seria necessário combatê-lo, afinal, as memórias estariam frescas e vívidas — mais do que nunca — no covarde malfeitor.

Fora necessário um intervalo de tempo para definir a formação e escolher o caminho a seguir. Em passos calmos, morosos, guarda levantada, os olhos inquietos não deixando passar um único detalhe; não notou nada de excêntrico, portanto, poderia seguir pela direção que escolhera sem interrupções.

Chegou à uma sala, onde tivera de semicerrar as pálpebras antes para focar melhor as vistas e buscar algum bandido escondido; por sorte, nada encontrou. Os orbes saltaram na direção do teto, levando também a atenção do louro para uma abertura do tamanho de um ser humano ao teto, deduzindo de que ele fora o responsável pelos guardas deixarem a porta aberta para conferir. Ou quem sabe, apenas algum atrativo para armadilha? Levantou a guarda ainda mais.

Ao seu lado, seus monstrinhos pareciam mais horrorizados, especialmente Clefable, que utilizou suas mãos como um anteparo para sua visão após cerrar as pálpebras. Kawamatsu cerrava os seus punhos ao correr os olhos pelo saguão, e os demais, relutantes, davam dois ínfimos passos para trás, claramente chocado com o que viram. Foi só então que os olhos cerúleos quase saltaram da órbita diante do maquiavélico panorama que esta capturara.

— Mas o que porra é tudo isso...? — soprou para si mesmo, desamarrando a feição em claro espanto. A boca semiaberta, jazendo estático ainda na entrada daquela sala.

Em completa desorganização, inúmeras jaulas eram empilhadas, e dentro de cada uma daquelas prisões, monstrinhos comuns na natureza jaziam decrépitos, repletos de feridas e indícios de maus tratos. Ora, não eram uma gangue associada à tráfico de pokémons, e a primeira coisa que pensou foi que a doutora utilizava daqueles pequenos para seus experimentos. Recordou-se também de que quando fora à universidade buscar por Camilla com Eris, foi ao prédio de pesquisas genéticas; “não me diga que...” balbuciou para si, inaudível para os monstrinhos que até então estavam próximos.

Rangeu os dentes, dando meia volta em seu próprio eixo, voltando o corpo para o caminho que o levou até aquele saguão. Respirou fundo, cerrando os olhos por ínfimos segundos, reabrindo-os, como se retomasse fôlego para volver à sua postura adotada naquela situação.

— Esqueçam o que viram aqui. Temos coisas a fazer — causou certo espanto e receio em seus monstrinhos, que grunhiram confusos na direção de Nicholas, suplicando para que auxiliassem aqueles monstrinhos maltratados. — Eu vou voltar, mais tarde. Se fizermos isso agora, vai tudo pro ralo. Aqueles filhos da puta já devem estar me esperando com alguma armadilha ou seja lá o que for do outro lado.

Não era fácil, contudo, os pequenos compreenderam o motivo do louro de não o fazer imediatamente. Engoliram em seco, volvendo à formação inicial, retomando o caminho para ir na ala da direita.

Mais do que nunca, o senso de justiça do kantoniano apitava alto. Iria impedir aquela gangue independente do que aconteça, não importando-se de utilizar de meios lícitos ou não. Executaria isso da maneira como sempre levava as situações: com cautela, precipitando-se o mínimo possível e pensando muito bem antes de cada passo.

Pela direita, o corredor estreito propiciou que o louro e seus quatro monstrinhos desfizessem a formação e andassem em fila por ele. Ao final, um lance de escada que os lançava para o andar superior muito semelhante à entrada, guardada por uma porta metálica colossal e o piso do mesmo material. Estava aberta, e uma aglomeração não muito longe dali formava-se à frente com duas vozes tomando conta.

A primeira, masculina, dizia que haviam encontrado o responsável pelo orifício no teto e indagando como iriam consertá-lo. Não é possível que aquela menina enfiou o nariz onde não devia, pensou Nicholas, afinal matutara de que ninguém mais saberia de toda aquela organização por ali. Ademais, uma voz feminina ressoou assentindo com a urgência e, paradoxalmente, para resolverem quando acharem melhor; pediu para que os guardas voltassem ao seu lugar.

Não havia lugar algum para se esconder, e o único lugar possível de se evitar o confronto era, provavelmente, retornando à entrada. O louro nem ao menos cogitou.

— Apenas me sigam, e não levem a sério nada do que eu disser. Preparem-se para qualquer confronto — sussurrou para os monstrinhos ao seu redor, já se dirigindo para a parte de cima, onde todos os presentes teriam visão de si.

Retornou à postura de outrora: sorriso desdenhoso e feição desgostosa, uma postura esnobe muito acima do normal. As mãos no bolso e junto de si todos os quatro monstrinhos que materializou pouco tempo atrás. Ergueu a voz.

— Camilla? Eu estava te procurando. Não se te falaram sobre mim, mas temos um negocinho para resolver. E as sós, de preferência — inferiu, enfim.

Era claro que os monstrinhos do louro estranharam a hostilização vinda por parte dos guardas ao arquearem suas esferas bicolores. Em ato de reflexo, o lutador tomou a frente, erguendo uma de suas pernas e batendo no chão com força, em provocação, esperando algum adversário. Uma vez feminina soou ríspida, mandando os homens recuarem; vinha de um assento ornamentado, tão bem adornado quanto todo aquele hall, tendo um tapete vermelho que se estendia até justamente aquele trono.

Aquilo apenas indicava de que era a geneticista quem se assentava, com tamanha prepotência. Em um singelo sinal com a cabeça, o louro pediu para que seus monstrinhos o acompanhassem para dentro do cômodo, ignorando por completo os dois guardas.

“Mas o que é que essa idiota inventou de fazer aqui?”, foi a primeira coisa que pensou aos olhos desviarem sucintamente do assento adornado para sua esquerda, onde Eris jazia inconsciente. Se nem ao menos tinha condição de enfrentar todo aquele exército, por que é que se meteu? Ah, o espírito petulante e sobranceiro de jovens sem planejamento algum para engajar em um combate como aquele.

Por mais que praguejasse a ação imprudente da ruiva, o louro manteve-se calmo e aprisionado dentro daquele personagem — ora, não podia estragar toda a operação justo agora que havia chegado em seu clímax, huh? Apenas suspirando, recolheu cada um de seus monstrinhos de volta para suas respectivas esferas bicolores.

— É uma bela sala, laboratório, e você se arrumou adequadamente. Isso é mais importante do que eu imagino, huh? — comentou o louro, com aquela presunção peculiar e certo quê “galanteador”; bom, não que ele de fato quisesse algo com a cientista, de jeito maneira, era apenas uma maneira de incorporar o seu personagem. — Ah, os carregamentos, claro! É sobre isso que vim falar contigo — cerrou os olhos e abaixou ligeiramente a cabeça, levando a mão destra à cabeça, prestes a dar alguma notícia ruim para Camilla. — Não precisa ter pressa para mandar os carregamentos agora, melhor ficarem aqui por um certo tempo. Já ficou sabendo o que aconteceu com toda aquela merda que a Devon fez, não é? — ergueu a sobrancelha, aguardando algum tipo de resposta, afirmativa ou negativa vindo da ruiva assentada ao centro daquele hall. — As autoridades estão inspecionando tudo quanto é carga, e pela quantidade que pedimos, eles podem descobrir o esquema. Alguns agentes estão trabalhando para tirar esses caras do caminho e traçar uma rota que não vá dar em nada, então, me informarão e eu mesmo aviso quando liberaremos os life orbs — concluiu, por fim, andando à esmo pela sala, ademais que não saía da visão da doutora. — Enquanto isso, por que não me apresenta o seu laboratório, fala sobre o seu trabalho e tudo mais? Se quiser tomar um vinho para comemorar a nossa vitória, também é bem-vindo — inquiriu, com um sorriso no canto dos lábios. Foi só após falar isso que ergueu a sobrancelha; sabia que era Eris e o que tinha feito, contudo, não mostraria isso para a mulher. — E, aliás, quem é essa pirralha aí?

Será que Camilla vai morder a isca ou engolir toda essa história?

Toda a roupagem de vilão clássico dos cinemas não levantava as suspeitas de Camilla; o convite para um vinho e uma investida mesmo que não correspondida mascarava toda a real intenção do treinador. Dizendo que aguardaria o seu próprio sinal, levantou-se enchera uma taça de vinho e deixou-a à disposição do treinador. Nicholas foi até a mesma, segurando-a adequadamente e erguendo para fazer um brinde à “negociação” que tinha com a geneticista.

— Um brinde a nós — um sorriso “intencionado” pincelou os finos lábios do kantoniano, deixando a taça erguida para uma sucinta colisão entre os cálices, gesto cotidiano para comemorar coisas desse tipo.

Feito isso, assentar-se-ia à mesa após os ritos comemorativos com a bebida de Kalos, bebendo mais uma singela porção dentro da taça, observando a doutora falar sobre todo o seu trabalho. Por fora, erguia as sobrancelhas em admiração à obstinação da ruiva por todo o seu trabalho; mas, por dentro daquela casca ilusória, o âmago de Nicholas ardia em furor, pois já havia encontrado as cobaias para todos os trabalhos da ruiva. Estavam decrépitos, suspirando por muito pouco, e quiçá até mesmo beiravam morte. Entretanto, não poderia deixar aquilo nublar sua memória ou consciente: o disfarce estava muito bem empregado.

— O velho dilema moral de que Arceus criou tudo e não devemos mexer em nada nas criações dele, não é? — seguiu com um suspiro desgostoso, fitando o teto por ínfimos segundos, antes de beber mais um pouco do vinho em sua taça. — Eles não sabem o poder da ciência, o poder de nós, humanos. Negligenciam os horizontes que conseguimos explorar com isso. Se pensassem de que Arceus não liga pra gente, tudo estaria muito melhor — completou, encarando a doutora com um riso no canto dos lábios, mas logo após volveu à sua seriedade emaranhada ao sarcasmo. — Para ter achado aqui, essa menina deve ser muito esperta. Uma pena não estar do nosso lado, talvez fosse útil.

Nicholas se ergueu da cadeira ao ouvir o convite de Camilla para testar as performances de seus próprios life orb. Assentiu assim que estava de pé com um singelo aceno de cabeça, aguardando que a doutora o conduzisse até os instrumentos.

— Então, me mostra até onde vai a sua brilhante mente — uma provocação ao mesmo tempo em que jogava um verde na sugar mommy, mesmo que não fosse sua intenção real. — Você me lembrou daquelas merdas que aconteceram em Lilycove. Eu tive de enfrentar aquelas coisas lá, e parece que eles tavam tentando manipular material genético também. Uma pena que não tinham alguém como você na equipe.

Puxando o saco da cientista maluca que é uma filha da puta completa parecendo que dá em cima pra manter um disfarce? Parece perfeito. Uma pena é que Nicholas ainda não sabia o que fazer com os monstrinhos usados por cobaia ou mesmo com Eris, esta dificultando ainda mais o plano de dominação daquele espaço.

Aparentemente, nenhuma desconfiança da doutora. Isso é bom — e explica todo esse “puxa saquismo” vindo do louro. Agora, como é vai seguir todo esse negócio? Sabe Arceus como...

Certo, aparentemente a cientista gostava de ter o seu ego inflado e dificilmente conseguiria captar todas as entrelinhas dos vagos elogios do louro, cuja expressão facial também demonstrava admiração e até “certo interesse” como manda o manual do vilão galanteador. Ainda que no fundo estivesse gostando de tudo aquilo, Camilla mostrou certa prudência e cautela ao não mostrar o restante dos projetos; tinha receio de ser Nicholas um infiltrado — o que de fato era —, contudo, não demonstrava.

Perfeito até aqui.

— Sabe, Camilla, acho que lá no fundo, pensamos exatamente iguais — disse, calmamente, achegando-se da ruiva, frente a frente com a mesma, repousando os orbes cerúleos sobre a cientista. — Formamos uma boa dupla, não acha? Me juntei aos rockets justamente por essa ambição. Por que não vem também? Podemos trabalhar juntos, e o melhor, não precisa se preocupar tanto assim com lucros ou coisas do gênero, eles vão nos ajudar com dinheiro e está tudo alinhado com o que pensamos — aproximou-se, então, da orelha da geneticista em ousadia. — Pense bem em minha oferta.

Afastou-se de maneira até brusca após sussurrar as últimas palavras para a geneticista, sendo essa a resposta acerca de seus últimos comentários sobre lucros, horizontes que vislumbrava e tudo mais. Fez, então, uma proposta para testar alguns dos itens que confeccionara; a primeira coisa que o louro recordou foi dos monstrinhos selvagens exauridos, quiçá pelo uso excessivo dos life orbs. Não podia voar em seu pescoço, contudo, um riso pincelou os lábios do kantoniano ao fitar para a geneticista.

— Tudo bem, aceito. Conheço alguém perfeito para isso, por mais que seja um bebê e ainda precisa de um bom tempo treinando. Para onde vamos? — indagou, por fim, esperando a ruiva guiá-la até um lugar propício para tal.