Ato 08 — Impostor.

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E tão incerto quanto o itinerário de um cigano, partiu. Tinha que dar fim aquilo que iniciara, afinal, as consequências ruins bateriam à sua porta se não terminasse.

Duas pausas fizeram-se necessárias: a primeira para desafiar a mestra em criaturas terrestres, garantindo mais experiências aos seus monstrinhos e sua quinta insígnia – era um treinador, afinal – e ensinou algumas técnicas à sua Clefable, ainda inexperiente comparado aos planos que o louro tinha. Eram preparativos para o que viria; qualquer alma viva sabia o quão ímprobo era colocar-se entre a vida e a morte para enfrentar a organização criminosa de sua terra natal.

Contudo, o passado fazia questão de sempre o lembrar das visões de Jirachi, mesclando-as, pintando um cinza mórbido em algumas experiências boas que o loiro tivera até então. Conheceu aquele quem um dia chamou de irmão, recordando de coisas que só os dois saberiam; agora, este, que o conhecia como poucos, queria-o a sete palmos de terra. Nicholas não conseguia matutar em algo que fizesse sentido para ele, ainda mais alguém como Henderson, que enxergava nos patrulheiros nobre ofício, descera a tal ponto de ter status importante entre os rockets.

E onde foi parar a mãe dele, a “tia”? Será que estaria bem? E, oh, havendo ele informações privilegiadas, os pais do louro ainda estariam bem, como a garota em que depositara os sentimentos outrora aldravados a sete chaves? Eram tantas perguntas; estas sempre eram sopradas durante à noite, quando deveria parar para dormir e não o conseguia. Preocupações e mais preocupações.

E um passado que não conhecia. Não por completo.

Nicholas estava perdido em seus pensamentos, em seu passado, como uma âncora mantém um barco atracado ao cais. Foi seu Charizard nos ares para a cidade de LaRousse quem chamou sua atenção, despertando seu treinador do sonho acordado – eram tantas coisas permeando a mente pragmática do louro. Em um grunhido tanto preocupado quanto triste, parecia indagar o que estava acontecendo.

— Não... é nada. Nada. Não se preocupa comigo — soprou, quase inaudível.

Balerdroch parecia entendê-lo, conhecia a ponta do iceberg dos sentimentos que o louro insistia em ocultar; travaria aquela guerra interna sozinho, sem auxílio de ninguém para não se sentir um peso. O réptil em seu idioma ininteligível parecia estender o braço para seu mestre através de afáveis palavras, recebendo um sucinto afago – ato este que era raro.

— Eu vou conseguir, Droch. Só não sei quando e nem como — respirou fundo, fitando o firmamento acima do monstrinho alado com as pálpebras cerradas, abrindo-as a seguir com tons de lamento. — Deixa que eu cuido disso sozinho. Não se envolve não. Não quero envolver você com o tanto de problema que me enfio ou com meu passado me perturbando.

Charizard compreendia, apenas balançando a sua cabeça, aumentando a velocidade com que voava – reduzira para tentar oferecer seus inocentes ouvidos para ouvir as lamúrias de Nicholas – com rumo à LaRousse.

A cidade era conhecida por ser dominada pela organização kantoniana – mais um motivo para Nicholas se dirigir até lá e responder algumas perguntas que não se calavam em sua mente, como a localização de Hendo e afins. Ademais, toda a carga de life orbs descobertas em Rinshin estaria em um de seus subúrbios. O louro como um exímio impostor passou-se por um membro da organização, recebendo informações privilegiadas de onde aquele carregamento estaria. Poderia até solicitar que os patrulheiros se dirigissem ao local, mas estragaria o principal objetivo daquilo tudo: conseguir informações sobre James Henderson, até então, seu carrasco.

Chegando próximo à cidade, solicitou para que Balerdroch apenas planasse de um ponto que tivesse clara visão de tudo em baixo, circundando aquela localização que lhe fora informada – o subúrbio leste. Viu enquanto saía do esconderijo o modelo dos caminhos, então antes de descer, pensou em primeiro reconhecer onde estaria de fato aquilo. Quiçá até encontrasse algum membro da gangue aleatório andando por ali.

Não era a hora de deixar os pensamentos dominá-lo. Sabia disso; era a hora de ser resiliente e calmo, como sempre fora. Tem muitas coisas em jogo – até mesmo sua própria vida.

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— Uma zona pobre sem organização nenhuma. Que novidade... — os pensamentos saltavam à voz; sussurrara apenas para que o lagarto ígneo ouvisse, e, dessa vez, despertara dos devaneios.

A falta de organização era nítida, e o contraste com o centro da cidade era de doer as vistas. Enquanto quem residia no coração da cidade gozava de todo o avanço tecnológico capitaneado pela cidade de LaRousse, as vísceras tinham de se contentar com... restos? Mas, diga-me, caro leitor: essa é uma cena tão corriqueira que só conseguimos pensar nisso em escusas oportunidades.

E era dentre aquele emaranhado negro que uma luz, por mais fraca que fosse, conseguia despertar a atenção do kantoniano. Estreitou as pálpebras. Sendo a única diferença para todo o redor, Nicholas pensou de que ali poderia ter algum início — seja bom, ruim, ou o que quer que fosse. Não tardou muito para que decidisse que lá seria seu desembarque.

— Para ali perto — o dedo indicador mirou o contraste luminoso. Balerdroch então desceu dos céus para perto do recinto.

Não diretamente na porta, assim que desceu, o louro recolheu o seu inicial de volta para a esfera bicolor. Ajustou o blazer verde um pouco desbotado e deixou as madeixas lisas emaranhadas. Respirou fundo como se preparasse para avançar contra um batalhão inimigo sozinho, tentando passar de uma trincheira a outra.

Com as mãos no bolso e a corriqueira expressão de poucos amigos, adentrou o recinto. Bom, aparentava ser um bar, então por que não ir até o balcão e pedir um copo de água enquanto, despretensiosamente, vê as notícias diárias pelo pokénav, huh?

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Um bar quase largado ao relento em uma região desprovida de recursos de uma cidade que, segundo os aventureiros, arriscavam-se a assimilá-la ao futuro — ou algum vislumbre deste. Os olhos anis bailaram por todo o recinto, encarando de relance os poucos frequentadores do estabelecimento em uma noite de dia de semana, mas não levantou tanto assim sua guarda para eles, afinal, desviaram o olhar lepidamente.

Dirigiu-se ao balcão com um homem de bigode, trajando os seus trapos de barmen como de usual. O louro sentou-se próximo ao balcão e notou a estranheza do atendente quanto ao pedido; ora, não se vai a um bar e se pede um copo d’água.

— Natural, por favor — respondeu, poluto, como se olhasse algumas coisas na sua mochila durante o processo. Nicholas sabia que não era bom ser... ele mesmo, então, uma versão mais comunicativa arrancaria alguma informação, huh? — Não esperava que fosse tão vazio por aqui de noite, no leste. Aqui é realmente a parte leste da cidade, não é? — por fim, indagou, dando nuances de que era um forasteiro.

Plantar verde para colher maduro. Por mais inteligente que o barmen fosse, seria difícil desconfiar de um garoto franzino aparentando ser um forasteiro, huh? Quem sabe ele fala um pouquinho demais.

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Se alguém conseguir a proeza de “estragar” água, pode ter certeza de que pegou de alguma fonte de procedência duvidosa — bica, córrego e afins. O louro tomou o límpido copo e a garrafa em temperatura ambiente, executando o movimento da mão destra em horário e outra em sentido contrário; o sucinto soído de que a tampa se descolava do lacre fazia Nicholas ouvir não tão bem as primeiras palavras do bigodudo.

Contudo, aquela isca que jogara causara algum certo tipo de desinteresse ao barmen. Agora, era realmente por não ter uma informação ou atuar como ouvinte para os rockets da região — na cabeça de um paranoico, é uma possibilidade a ser considerada. O kantoniano tomou um pouco da água que servira em seu copo, erguendo a sobrancelha, cerrando e abrindo novamente as pálpebras quase que instantaneamente, antes de repousar de novo o recipiente sobre o balcão de madeira.

— É, você tem razão... — um breve vai-e-vem da caixa torácica, em mascarada respiração de indignação por não conseguir coletar aquilo como planejara de início. — Ah, sim, tá na temperatura ideal — respondeu prontamente, oferecendo breve sorriso do canto dos lábios em terno gesto, novamente ocultando o seu impaciente interior de toda aquela interação. —, mas, ainda assim, hoje era um dia bom pra ter mais gente, seja pra comemorar, só beber e tal, estranho. Passei por algumas outras cidades e, independentemente, tinha mais gente. Aconteceu alguma coisa de alguns dias pra cá, cara? — ergueu a sobrancelha direita, como se indagasse inocentemente, tal um transeunte forasteiro e ingênuo que nunca andara por aquelas bandas.

Deu mais um gole de água, antes de repor aquilo que bebera antes, aguardando alguma resposta vinda do barmen. Nicholas agia com cautela, não gritava em nenhum momento e teve o cuidado de interagir com o homem por detrás do balcão de modo que sua voz fosse audível apenas a ele.

E, ah, claro, sempre dissimulado, atuando realmente como se fosse alguém simpático — o que não era, huh? Será que agora ele daria mais alguma pista?

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Se você está num subúrbio em uma cidade conhecida no submundo por suportar inúmeras pessoas suspeitas, claro que o curioso paga um preço. Não obstante, em lugares assim, quem sabe as informações de rabo de ouvido é um garçom ou dono de estabelecimento — se são pagos por facções para ficarem quietos ou falarem, aí já é outro assunto.

E se você está na frente de um rapaz esguio que puxa assunto, pescando informações em conversas até mesmo corriqueiras, das duas uma: ou está tramando enfrentar alguém — ou alguma facção — ou pertence a algum grupo criminoso. O fato era que Nicholas estava sendo curioso até demais, e nem mesmo tentar esconder por trás de uma conversa normal ludibriara o barmen. Sabe-se lá das intenções do bigodudo, apenas arrastou um papel com um endereço grafado.

O louro arqueou o seu pokénav, acessando ao pokégle maps, digitando a rota informada pelo barmen para saber o quanto estava longe dali.

— É, tem razão, andar por aqui deve ser perigoso — ofereceu um meio riso manso, balançando a cabeça em sinal de agradecimento ao invés de verbalizá-lo. Ergueu-se da banqueta e começou a dirigir-se à saída.

Ainda dentro do bar, agora com — provavelmente — o endereço oferecido, é claro que o louro matutou que poderia ser alguma armadilha. Ninguém entrega tão facilmente assim algum endereço, ainda mais nas entranhas da criminalidade de LaRousse; contudo, Nicholas não tinha provas cabais de que o bigodudo estava envolvido em algo. Estava preparado se fosse uma armadilha, é claro, mas com tão poucas informações, não tinha outra escolha a não ser ir até este endereço.

Antes de sair, Nicholas arqueou a esfera bicolor e liberou o condor psíquico. Xatu não gozava somente dos poderes de suas visões, sendo de grande auxílio para com sua intuição, além de poderes paranormais. Ao seu lado, o brilho transparente se dissipara na figura de Shiranui, e agora ambos começavam a calcorrear na direção daquele endereço excêntrico; o kantoniano sempre desconfiado, com um olho no caminho e outro nos arredores, e o pássaro completamente focado em vigiar os seus trezentos e sessenta graus.