~ O que é uma Aventura? |02| ~

– São interesses nobres os seus, meu jovem e... Ah, eu já tive muitas paixões na minha longa vida, as maiores com certeza eram a minha arte e Arno, meu marido. Hoje posso dizer que minha paixão são meus netos, ver cada um deles bem e feliz. – respondia com um brilho nos olhos, distraída a ponto de mirar os olhos para o céu azul ao invés das folhagens.

Nesse meio tempo Leander estudava os melhores ângulos para subir na árvore em segurança, mas ao lado dele Starly praticamente ignorava essa perspectiva e se lançava para a árvore ao lado, usando a asa para lhe ajudar a subir cada vez mais alto. Notredam, menos impulsivo, observava com atenção ao pé da árvore.

As primeiras Cheri Berry vieram parar nas mãos de Berta através do seu próprio Volbeat. As segundas, Starly lançou lá do alto depois de bicar uns galhos, algumas até teriam se espatifado no chão se Notredam não tivesse amortecido a queda com seus poderes psíquicos. Após se acomodar em um galho baixo, esticando o braço Leander tinha conseguido apanhar um par de Cheri sem dificuldades, mas então aconteceu:

Quando ele esticou a mão para apanhar uma última e robusta Cheri, escondida nas sombras das folhas, seus dedos se fecharam em torno de algo muito diferente. Era redondo e tão vermelho quanto uma Cheri Berry, sim, mas ao invés da maciez da fruta esse objeto era rígido, e no lugar do morno do ambiente a orbe vermelha era fria...

Notredam emitiu seu ruído metálico em alerta, mas era tarde demais e Leander já tinha se desequilibrado, caindo de bunda no chão. Nada grave, por sinal, pois estava só a cerca de dois metros de altura. Enfim, Notredam voou para perto do treinador e Starly, de algum lugar na árvore, também piou alto e desceu para se posicionar.

– Por Arceus! Você está...? – Berta também vinha para perto mas ela nem conseguia terminar a pergunta porque a fonte do acidente se revelava – Misdreavus!

O que Leander tinha tentado pegar não era uma Cheri, mas sim o colar de uma Misdreavus que agora "rugia" para ele e seus Pokémon, flutuando com uma cara pouco amigável. Também pudera, quase teve seu colar arrancado enquanto dormia!

Hearthome – Manhã | 23ºC – Leander

– Sim... E não... – respondia Berta, ainda um pouco atordoada com o que acontecia e sem saber bem como agir – São fantasmas comuns aqui em Hearthome e às vezes aparecem no meu terreno, mas nunca cheguei a conhecer essa em particular, eu acho...

Misdreavus encarava a todos com um olhar aborrecido que nem a oferta de Leander foram capazes de tirar, provavelmente porque seu problema não era fome nem nada parecido; ou só não gostava desta fruta em particular, como saber?!

Leander tentava conter Starly e talvez só por isso conseguiria perceber a sucessão dos eventos, quando Misdreavus bradou e voou depressa na direção do rapaz e seu pássaro para surpreendê-los (Astonish), mas na fração de segundos seguinte Starly também escapulia por debaixo da mão de Ottocard e voava na direção da fantasma num rápido contra-ataque (Quick Attack)! Aos olhos de Berta teria sido uma troca de ataque entre ambos, mas Leander pode ter notado que, na verdade, Starly agia em resposta para protegê-lo.

Independente do segundo susto em poucos minutos, aqui o resultado também não foi nada alarmante, afinal... É, Normal e Fantasma são dois Tipos que literalmente não se misturam, pois são imunes um ao outro. Então todos se mantinham sem danos, mas Misdreavus seguia rondando a árvore e fechada para negociação por enquanto.

– Oh, céus... Me perdoe por ter te metido nessa. Pelo visto hoje não era um bom dia pra eu vir aqui pelo bosque, o azar está me acompanhando. – Roberta resmungava com aflição.

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– Dica?! Ah não... Eles normalmente vem de noite pregar peças, mas se satisfazem com nosso susto e logo vão embora. – a senhora respondia, acenando negativamente com a cabeça, aflita.

A situação ali era incomum até para os dados padrões apontados pela Pokédex que não contemplavam detalhes sobre como lidar com Misdreavus bravas que foram acordadas do sono acidentalmente. Se aquela fantasma em particular estivesse atrás de se alimentar de medos e sustos, também não estaria encontrando solo fértil naquele grupo já que Leander e seus Pokémon não demonstravam nenhum desses sentimentos, enquanto Berta e Romildo estavam mais atordoados do que assustados.

Starly, por sua vez, aceitava as orientações rapidamente, dando pio curto e batendo as asas em concordância. Era um pássaro bem corajoso de fato e, teimoso, não se daria por vencido por qualquer piti de fantasma! Misdreavus, por outro lado, pareceu hesitar no momento em que Leander lhe dirigiu a palavra, pois ela parou de se mexer freneticamente no ar e o observou, até deixando o cenho franzido relaxar levemente.

Aquela hesitação duraria tempo suficiente para Misdreavus entender que ela mesma não estava atrás de sustos, mas também reconheceria o tom provocativo vindo do rapaz e os pios desafiadores de Starly. Em resposta, a fantasma bradou (Growl) de uma forma diferente agora, uma que fez Starly arrepiar algumas penugens do pescoço; como se estivesse dizendo "é susto que você quer?!".

– Tome cuidado! O movimento de surpresa (Astonish) dela pode não machucar Starly, mas não sabemos quais truques ela ainda pode usar! – havia um quê de experiência de vida no alerta de Berta.

Então o impasse se mantinha: de um lado Leander e Starly e do outro Misdreavus se encarando. O que mais iria acontecer até um lado iniciar uma batalha, persistir, ceder ou fugir?

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Misdreavus ouvia com mais atenção agora, sem se agitar para os lados nem gritar. Dá até para dizer que houve um quê de vaidade no olhar dela ao ouvir o rapaz constatar as qualidades dela em assustar, mas ao mesmo tempo ela não demonstrava ter compreendido a outra parte que a apontava como rude. Vai ver que para um Pokémon que se diverte assustando gratuitamente, talvez ser rude seja natural, ou no mínimo é um adjetivo corriqueiro que escuta dos humanos.

Definitivamente a parte mais interessante ainda estaria por vir e até Berta e Romildo assistiram a performance de Leander com o dedo que sumia. A velha senhora até tentava conter uma gargalhada, mas não conseguiu que um riso escapasse pela sua mão. Romildo também deixou os ombrinhos se agitarem com uma risadinha silenciosa. Diferente de Notredam, Starly se impressionava e realmente se assustava, dando um pio e se afastando do treinador com os olhos arregalados na direção do dedo faltante. Já Misdreavus...

A fantasma assistiu o truque com desconfiança. Até inclinou a cabecinha de lado quando a mágica fez o polegar se soltar da base. Mas então ela ficou séria. Não dava para ler em sua expressão se tinha sequer se convencido do truque. Tudo o que ela fez foi dar meia volta no ar e voltar para onde veio, entre as sombras das folhas da árvore de Cheri Berry logo ali. Ainda era possível ver o vermelho sutil do colar dela escondido, além do seus grandes olhos amarelos contemplando Leander à distância, mas desta vez sem se fechar para recuperar o sono. E assim ela ficou.

– Ora, por essa eu não esperava. Ehehehe! Me lembrou meus netos... – Roberta comentava ainda com graça na voz, então voltava a caminhar para leste ao lado do seu Pokémon – Por falar neles, vamos, meu rapaz. Você talvez consiga conhecer alguns deles agora no almoço, pois o mínimo que posso fazer pela ajuda é lhe oferecer um almoço descente lá em casa, se não se importar. Vamos, vamos, antes que arrumemos encrenca com mais Pokémon, heh! – claro, aquele era um convite e como tal podia ser recusado, ou até mesmo adiado se Leander ainda quisesse ficar por ali; Berta certamente compreenderia a escolha e talvez até ficasse para esperar mais um pouco.

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O que passou, passou. Até o último instante Leander pode jurar ter visto os olhos amarelos de Misdreavus espreitando das sombras das folhas na árvore, mas era hora do grupo seguir seu caminho pelo bosque e assim o fizeram. Não só o vento mas os próprios Pokémon da área seguiam se fazendo presentes agitando galhos e arbustos aqui e ali por onde eles passavam, mas nenhum interceptou seu caminho desta vez.

Em cerca de quinze minutos de caminhada, liderada por Berta, já voltavam a avistar as casinhas construídas às margens do bosque, todas bem espaçadas cada uma de seus vizinhos, com os terrenos bem amplos e delimitados por um discreto cercadinho de madeira. A casa de Berta era uma destas, consideravelmente afastada do vizinho mais próximo e ainda mais distante do tumulto da cidade, nem parecia fazer parte de Hearthome.

Era uma casa simples, de dois andares, toda em um tom escuro de vermelho, quase cor de vinho, com janelas e portas em um branco contrastante. A cerquinha também era branca e com as pontas da madeira bem arredondadas, na altura das coxas de Leander. Havia uma piscina na área aberta, cuja superfície da água cristalina era pontualmente tingido pelo esverdeado de algumas folhas que para lá voaram. Havia também uns resquícios de infância por ali, na figura de um velho balanço de madeira pendurado na única árvore do quintal, além de um balanço enferrujado próximo deste.

– Sejam bem-vindos, crianças. Entrem, entrem, sintam-se à vontade. – oferecia a mulher ao passar direito pelo caminho até a porta de entrada da casa e, finalmente, entrando.

No andar de baixo os cômodos principais e maiores eram a sala de estar e a de jantar, que dividiam um conceito aberto e uma decoração bem simples. Oposto à lareira um sofá grande era convidativo, com várias almofadas com capas fora de combinação, além de uma manta felpuda dobrada sobre um dos braços. Próximo a lareira em si haviam duas poltronas bem velhas e desgastadas que imediatamente podiam ser identificadas como o assento privilegiado de Roberta e seu marido. Sobre a lareira, uma imensa variedade de retratos em molduras sem nenhuma combinação aparente.

– Tomem um pouco d'água, devem estar cansados da caminhada. Vou já começar os preparos do almoço. – ela convidava, atravessando as salas sem dar atenção ao que já lhe era tão familiar.

Berta passou direto pela sala de jantar e, deste, através de um amplo corredor com uma extensa prateleira cheia de livros à direita; à esquerda molduras especiais continham livros também, mas todos abertos em páginas com gravuras, desenhos ou pinturas, todos eles cuidadosamente organizados para terem um destaque, cada livro em sua própria moldura, como troféus. Se prestasse atenção, daria para ver que as artes tinham todas a mesma rubrica com um R na frente.

Enfim, a cozinha de Berta também não era lá dessas que se vê em revistas, tendo uma arquitetura bastante comum e acolhedora, com panelas e utensílios velhos. Ali a mulher parou, deixando as frutas sobre a mesa e indo até a geladeira, cuja porta era um caos a parte por ser cheia de imãs decorativos e recadinhos. Ela tirou água gelada, um copo limpo e um bowl para depositá-los na mesa também.

– Sirva-se, querido, os seus Pokémon também. – sorria gentilmente, mas não demorava a ganhar uma agilidade incomum e já começar a circular pelo ambiente pegando panelas, utensílios e um avental xadrez vermelho – Nem vi o tempo passar! Logo mais meus netos chegam e eu ainda nem cortei os temperos! – reclamou sem soar negativa, nem chata. Nem era tão tarde assim, sendo ainda por volta das 10:45 ainda – Fiquem à vontade, fiquem à vontade.

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