Episódio 1: A heroína da cidade

Deixa eu te perguntar uma coisa: e se você recebesse uma notícia INCRÍVEL e não pudesse contar pra ninguém? Que pesadelo, né? É praticamente como se nunca tivesse acontecido! Então você vai entender que a primeira coisa que eu fiz depois dos meus pais me deixarem sair numa jornada foi sair contando pra TODO MUNDO. Todo. Mundo. Mesmo.

Fui primeiro na praça da cidade desfilando com a Nevasca e avisando pra todos os meus colegas que sim, agora eu sou oficialmente uma Treinadora. Calma, calma, não tenho braço pra autografar todo mundo! Depois segui pro mercadinho da esquina, aonde fiz questão de elogiar as Berries que estavam sendo vendidas antes de dar a incrível notícia -- educação em primeiro lugar. Deixei aquelas pessoas idosas em completo choque (eu acho, não olhei pra trás pra conferir) enquanto eu e Swinub marchamos triunfantes dali.

"Seguinte, Nevasca", peguei a querida no colo. "Se a gente vai trilhar nossa história pelo mundo, é muito importante que a gente comece deixando nossa marca aqui primeiro. Afinal, quando nós voltarmos pra cá um tempão depois, todo mundo vai se emocionar e dizer: Nossa, é a Lola e a Nevasca! Nossa! Eu conhecia elas desde quando eram pequenininhas! São as heroínas de Blackthorn! e aí a gente vai ganhar um monte de coisa! Sacou?"

Nevasca pulou do meu colo e começou a caçar o próprio rabo.

"Ótimo! Que bom que você me entende."

Então, continuei a passear pela cidade em busca de alguma situação pra gente se meter-- ajudar. Quis dizer ajudar.

Ah, o início de uma jornada. O melhor dia da vida de um treinador ansioso por aventuras e não podia nem um pouco diferente da nossa querida jovem de cabelos esverdeados. Radiante, ela não pensava muito antes de anunciar a todos a sua volta a respeito de sua mais nova conquista: agora era uma treinadora! Com a melhor Pokémon do mundo ao seu lado, não havia nada que a pararia de agora em diante. E tal qual qualquer treinador novato ansioso, Lola começava a andar pela cidade com sua Swinub a procura de um... como podemos dizer? Um gostinho do que o mundo a reservava.

Sabe aquele ditado, quem procura acha? Pois bem, foi exatamente isso que aconteceu. Após andar um pouco sob a via principal da cidade, a jovem logo notava uma pequena aglomeração em torno de um cartaz. Não parecia grande coisa, mas o que chamava atenção é que eram todas crianças que estavam ali em volta. A mais alta delas, não parecia ter mais do que 12 anos e estava de lado, observando o foco de atenção.

Sobre o que se tratava tudo aquilo? Um anúncio de um pequeno torneio para treinadores de categoria sub-13! Era uma pedida perfeita para o que ela procurava! Conhecer novas pessoas? Testar habilidades? Era isso que ela procurava? Podia tentar saber um pouco mais a respeito caso se aproximasse da multidão. Mas será que ela era tão curiosa quanto enérgica?

Peraí... Batalhas de vida ou morte? Um campeonato entre as lendas mais lendárias que o legenário de Blackthorn já viu travando duelos mortíferos, antes mesmo delas atingirem mais de 1,60m de altura? Tudo isso valendo prêmios de valor incomparável, capazes de atrair turistas de todo o mundo em prol de uma mísera chance de obtê-los? Tipo assim... me vê quinze ingressos, por favor! PRA ONTEM.

Era absolutamente tudo que eu e Nevasca precisávamos. Fui me esguichando no meio da galera, balançando a Swinub acima da minha cabeça pra chamar a atenção enquanto falava: "Cuidado, cuidado, gente! Pokémon raivoso passando! Saiam de perto! Essa criatura já arrancou o braço de uma senhorinha de 80 anos! Não subestimem!" Ainda passei por um moleque que lembrei da época da escolinha, quando ele me zoou por ter perdido os dentes de leite da frente cedo e ficado banguela primeiro que toda a turma. Dei um tapinha nas costas dele e fiz a cara mais triste que consegui: "Sinto muito pelos seus pais. Hoje o filho deles volta pra casa mais derrotado que de costume."

Cheguei próxima do cartaz, finalmente, e comecei a dar uma olhada nas informações em letrinhas miúdas. Ao mesmo tempo, puxei papo com a pessoa que parecia mais adulta por ali -- além da altura, eu costumo diferenciá-los pelos sonhos frustrados estampados na cara.

"Ei, licença. Você é responsável por esse torneio aqui? Se sim, pode ir anotando, por favor? Obrigada. Nome: Lola. Sobrenome: Campeã. Essa aqui é Nevasca, vulgo Máquina Mortífera." Já comecei a olhar ameaçadoramente pra quem estava em volta. "E aí, em qual desses eu dou uma coça agora?" Apontei pra uma menina baixinha. "Essa aqui? Nevasca, prepare-se..."

A parte dos sonhos frustrados me quebrou KKKKKK

Aliás, quer adicionar uma personalidade pra Nevasca?

Bom, no meio do calor do momento a gente não repara muito bem no que ta a nossa volta, não é mesmo? É verdade que tinham muitas crianças em torno do cartaz, e umas até se afastaram com medo de Nevasca perante a constatação do braço de uma idosa, mas a maioria só olhou feio para a garota, infelizmente.

Quanto ao mais próximo de adulto, tínhamos só o garoto de 12 anos mais alto que a média, ele tinha algo em torno de 1,65m, um longo cabelo preto grandinho e uma jaqueta azulada estilo canguru.


- Erm... - Parecia meio acuado diante a jovem menina. - Não, sou não, vei. Esse torneio é pra daqui três dias. - Falava, enquanto desviava o olhar nervosamente. - E-e parece que ele foi adiado porque destruíram a arena no parque treinando... de novo. - Ele suspirou após gaguejar um pouquinho. - Olha, acho que dá pra ir lá e se inscrever, talvez eles até antecipem pra amanhã, mas a reconstrução ta demorando. - Ele falou, meio chateado enquanto ia embora, coincidentemente, na direção do parque.

Após o menino se afastar Lola se viu numa situação um tanto quanto desagradável, quer dizer, no meio daquele monte de crianças, quem não se assustou com Nevasca performando um Pokémon raivoso, ficou com raiva da menina pela atitude metida.

...especialmente o menino com quem ela tirou onda por último.

- Ei, sua idiota. - Provocou ele. - Ta querendo ficar banguela junto da sua bola de pelo? - Dizia ele, enquanto nitidamente tentava se forçar a ser corajoso e engolia o choro.

Ta, okay, talvez todas as crianças tenham se cagado de medo com a afirmação de Lola, ou pelo menos céticos quanto a Nevasca que ainda imitava um cachorro agressivo pra dar mais credibilidade a fala de sua treinadora.

eu teria a liberdade de ir atualizando a personalidade do pokémon conforme ele evolui? por hora, pensei nessa aqui pra ela:

personalidade da nevasca:

Calma aí, quer dizer que tava rolando algum nível de destruição e vandalismo de espaços públicos sem minha participação? E quem me avisa é aquele garoto-em-processo-de-adultização super tímido e desajeitado, potencialmente fácil de passar a perna? Certo, minha atenção já tava lá. Só que meu jeitinho de ser tinha me deixado com problemas mais urgentes pra resolver (não seria a primeira vez).

"Escuta, Jeferson." Era esse o nome dele? Sem tempo pra descobrir. Seu tom de voz agora era muito mais amável, envolto por um sorriso nervoso: "Galera, calma lá, eu tava só tentando prevenir vocês de um perigo real." Por sorte, tal como a havia ensinado, Nevasca tremia e se balançava em meus braços enquanto eu fingia tentar contê-la. Enquanto isso, o besteirol se formava em meus pensamentos. Nem todos ali pareciam tão valentões assim, o problema era que eu estava cercada. Isso pedia por algo um pouco mais... elaborado. "Afinal, acho que ninguém aqui quer pegar a raríssima Síndrome do Swinub Doidão, né?"

Antes que me perguntassem que baboseira era aquela, corri pra dar o sinal pra Nevasca agir mais descontroladamente enquanto eu a segurava, tal como praticamos, dando um timing dramático pra minha fala.

"Céus... vocês não sabem." Soltei um suspiro chocada, balançando a cabeça em negação. "Os sintomas aparecem tão de repente, sabe? Eu já nem sei mais o que fazer. Meu priminho estava tão bem outro dia, e aí... Eu fico achando que talvez até eu... j-já tenha... p-pego..."

Lentamente, fui colocando Nevasca no chão enquanto me preparava pra performance da minha vida. Veja bem, eu comecei esse rolê em busca de reconhecimento, mas agora minha dignidade seria a moeda que eu pagaria por uma arcada dentária funcionando.

"O-oh... E-essa n-n-não... Está a-acontecendo DE NOVO!" Comecei a me encher de tremeliques, dos pés a cabeça. Depois, comecei puxar os cabelos pra bagunçá-los, enquanto dizia: "AAAHHHGGG!!! P-POR QUÊÊÊ?! DÓI TANTOOO!" Também comecei a rosnar, bamboleando de um lado para o outro com a boca espumando: "S-saiam de p-per... S-sai... s-s... S-S-SSS-SWINUUUB!!!"

E pro gran finale, um rugido gutural de dar inveja aos Dragonites da cidade:

"SSSWINUBSWINUBSWINUBSWINUUUUUBBB!!!"

Por Arceus, que isso funcione.

Aqui eu esclareço: mais duas dessas e Lola não vai ter mais dignidade nenhuma sobrando.

E olha só se não são as consequências de seus atos não é? Quem diria que a água bateria na bunda tão cedo. O tal do Jeferson, que vamos refrescar sua memória não existente sobre o assunto, minha querida, se chama Kyle, sim, estou fazendo uma memória longínqua não citada voltar de uma forma diferente a pobre Lola, aqui ela entende que quanto mais insiste no assunto, pior fica pra ela.

Entendo a coragem de apenas não querer jogar um Powder Snow no chão e sair correndo, mas rapaz, eu confesso, não esperava por essa. Erm... voltando ao ocorrido, a jovem de cabelos esverdeados agora simulava uma tal Síndrome do Swinub Doidão, e simulava um comportamento bestial junto de sua pequena companheira, que emulava o mesmo comportamento.

Inicialmente, céticos, as crianças apenas riram da encenação da menina num primeiro momento, todo aquele teatro hesitante de Lola fazia todo mundo achar que ela tava com diarreia, no entanto, quando Nevasca, a grande atração entrava em cena, todos davam um passo para trás, um pouco ariscos com o comportamento do Swinub, até que quando, Lola começa a rugir e gritar e espumar pela boca, não teve ceticismo que resistira aquela situação TODAS as crianças saíam correndo o mais rápido que podiam.

O pobre Kyle inicialmente balbuciava algo sobre ajudar Lola, tão inocente coitado, mas logo toda sua empatia e espírito bondoso iam embora com uma mordida bem dada de Nevasca na sua canela. Claro, não tirou sangue, mas foi o suficiente pra todo aquele espírito benevolente ir embora enquanto o menino corria pela sua vida e mijava nas calças de medo, para a diversão de Nevasca, que arregalava os olhos incrédula e segurava o riso até o moleque virar esquina, que era quando ela rolava no chão de tanto rir.

...bom, Verdegim, você conseguiu o que queria.

Mas, cá entre nós, dar um rugido bestial no meio de uma cidade grande não parece lá uma boa ideia. E se os Rangers vierem atrás da origem desse som estranho? Você vai mesmo jogar o orgulho fora e explicar a situação ou vai dar no pé logo?

Eu levei alguns momentos ainda rolando no chão e gaguejando onomatopeias sem sentido quando percebi que o plano tinha dado certo. Me levantei com um suspiro, sacolejando a grama e terra que tinha grudado no meu macacão, e o curioso é que foi só AÍ que a vergonha alheia veio a galope de Rapidash. Acho que foi quando percebi que, sem as crianças, agora eram os adultos ao redor que me olhavam feito uma maluca. Nevasca não compartilhava da minha sensação, aparentemente, o que eu acho que é o benefício de ser uma criatura cujo vocabulário consiste em repetir o próprio nome.

"Parabéns, vocês acabam de presenciar um experimento social", fiz uma reverência e aproveitei pra pegar Lola no colo. Algumas folhas caíram do meu cabelo durante o movimento. "Será que suas crianças estão seguras caso uma doença contagiosa chegue de repente? Quais seriam as medidas de segurança do Centro Pokémon? VOCÊ está pronto pra uma pandemia? Essa e outras respostas você confere amanhã, no Voltorb Repórter."

E essa foi minha deixa pra vazar correndo dali.

No caminho, fui fazendo um carinho na minha Pokémon. "Você foi incrível, Nevasquinha. Se nada der certo, pelo menos dá pra gente ganhar uns trocados com performances circenses. Acho que os papais ficariam orgulhosos.", eu disse, e aí lembrei que eu ainda estava em casa. Eu só podia torcer pra que o contágio do Swinub Doidão não chegasse até eles. Imagina se eles percebem que o resultado de eu sair em jornada pode ser a completa destruição do sobrenome Verdegim? Como ousam estar certos? Era melhor eu tentar deixar baixo, pelo menos enquanto estivesse ali.

Continuei seguindo a direção em que o moleque de touca tinha ido antes. O que ele tinha dito mesmo? Uma arena destruída, aquele vandalismo básico. Também tinha algo sobre demora na reconstrução? Os engenheiros civis de Blackthorn estavam de moleza, é? Ou será que isso estava entrelaçado com um ardiloso esquema de corrupção? Beleza, era hora de me meter onde eu não fui chamada. Fofoca, aí vamos nós.

"Moleque-da-touca, Moleque-da-touca, Moleque-da-touca", fui rodando à sua procura, como se chamá-lo assim fosse fazê-lo surgir mais rápido.

Uma hora a carapuça serve, e todo aquele escândalo estranho praticamente no quintal de sua casa, no mínimo, fez Lola perceber que talvez tenha feito mais cagada do que deveria, mas como não era boba nem nada, logo tratou de dar no pé dali, enquanto Nevasca, bom, ela ganhou um belo afago na cabeça por todo o seu trabalho duro, que a deixou um pouco mais contente.

+5 de Happiness para Nevasca. (Total: 05)

Retomando agora ao que realmente interessava, Lola seguia os rastros do menino de touca, na direção mais ou menos de onde lembrava que se tratava o parque. Andava, andava e andava, até que, quando estava vendo o parque bem longe, ela conseguiu flagrar o menino apoiado numa cerca de madeira, que ficava na parte mais externa.

Se chegasse mais perto, poderia ver que ele tinha um semblante bem triste enquanto algumas retroescavadeiras ficavam paradas e os seus motoristas aparentavam... estar brigando? Seria esse o motivo do atraso? O que a menina vai fazer?

"Moleque-da-touca, moleque-da-touca...", continuei invocando sua presença até finalmente avistá-lo. "Moleque-da-touca!"

Quando cheguei perto, demorei pra entender o motivo de sua careta toda borocoxó. Mas bastou uma olhadinha pros construtores discutindo logo em frente preu entender ABSOLUTAMENTE TUDO que tava rolando: Moleque-da-touca fazia parte de uma sociedade secreta de adoração à toucas multicoloridas, e justo aquela pracinha aparentemente simples e inofensiva era na verdade seu QG de reuniões com outros nerdões por crochê e fios de linho de boa qualidade. Toda preocupação sobre o torneio era só uma desculpinha de alguém que precisava muito saber se uma touca verde-musgo combinaria com um moletom de degradê salmão! Como matei a charada tão fácil? Pois é, pois é. Eu sou empática nesse nível.

E agora? Aqueles tiozões iam continuar brigando e impedir o debate de temas tão importantes pra cultura e sociedade? Ah, não. Nananinanão. Não enquanto estivessem sob minha jurisdição.

"Relaxa", inflei minha postura confiante e dei um tapinha no ombro do Moleque-de-touca antes dele dizer qualquer coisa. Ele poderia me agradecer depois. "Seu interesse em diagramas de crochê nunca foi em vão, não deixe te dizerem o contrário", falei, dando uma piscadela heroica e fui serelepe até os motoristas das retroescavadeiras.

"Ei, ei, ei! Com licença. Atenção, por favor! O papo tá bom, mas eu venho aqui em nome da Construtora Deixa Que o Machamp Resolve Ltda.", fiz uma careta de desaprovação enquanto batia o pé com insistência, esperando que Nevasca em meu colo copiasse minha expressão. "Vocês tão querendo que o chefe atrase o salário de vocês DE NOVO? Olha, olha, hein..." Respirei fundo, pondo a mão na testa e balançando a cabeça. Falei: "Eu estou a UMA ligação de cometer um crime trabalhista! É bom não deixarem eu contar até o fim, viu? Dez, nove, oito..."