n.3 Yertle the Turtle

Após o exaustivo treino, chegar no Pokémon Center para descansar parecia ótimo para Johan. Já fazia alguns dias que não descansava. Enquanto seus Pokémon recebiam o devido tratamento, ele tratou-se de se alimentar e descansar um pouco, antes que pudesse fazer qualquer outra coisa. Já sonhava acordado com o potencial de seus Pokémon em jogo, prontos para o combate. Parecia ótimo. Precisava fazer com que Tentacool e Gastly crescessem, mas isso não importava tanto. Eles iriam crescer, com toda a certe, era apenas uma questão de tempo. Johan já conseguia sentir os excêntricos sabores da vitória.

Ao terminar o descanso, tanto seu quanto de seus Pokémon, o crepúsculo já parecia tomar conta da cidade turística. Ou mesmo um início dele. Aquele era um ótimo momento para iniciar a caçada. Procurar por um oponente para testar as forças de seus Pokémon, certamente seria ótimo. As tonalidades do crepúsculo que recaía sobre Slateport dariam um ótimo contraste para as vitórias de Johan. Ou quem sabe a noite seria mais interessante? As medonhas sombras projetadas pela noite somente reforçariam a mania de Johan, e suas expressões sanguinárias ficariam ainda mais assustadoras. Talvez um contraste melhor? Não importava tanto, contudo. Sem pensar muito, pegaria os seus Pokémon e então sairia do centro de cuidados, preparado para o próximo combate. Caminharia pelas ruas de Slateport City, em busca de alguma ação.

— Vou acabar encontrando algum aleatório por aí. Seria bom uma casa noturna de batalhas, talvez eu conseguisse algum dinheiro a mais. — Falava consigo mesmo o treinador selvagem.

Ele cobiçava mais dinheiro. Auxiliaria em conseguir mais itens, e poderia abrir mais portas em sua jornada. Com o dinheiro, comprava-se tudo, até mesmo sentimentos humanos. Talvez até mesmo humanos? Ele tinha noção completa do poder que um valor de troca representava. Depois dos prazeres da vitória, o dinheiro certamente era o melhor de todos. Poderia comprar-se tudo com ele. Realmente? Será que poderia comprar força e competência? Johan havia perdido tantas vezes para um único indivíduo, simplesmente por utilizar forças de combate conseguidas por dinheiro. Que intrigante. Deve ser por isso que Johan havia fracassado. Porém, não mais. Sua confiança agora estava nas alturas, e sua deturpada mente apenas reforçava essa confiança.

De qualquer maneira, ele continuava em busca de algum treinador desavisado, talvez algum drogado pelas ruas, ou mesmo um traficante de qualquer coisa que seja andando por aí. Com sorte, poderia encontrar algum lugar para conseguir mais dinheiro. Era disso que precisava. Vitórias e dinheiro. Haveriam prazeres maiores na vida?

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O crepúsculo começava a recair-se sobre Slateport. Pelo visto, não era como Mu Island, a cidade não apresentava nada mais que alguns turistas. Johan imaginava que poderiam haver alguns batedores de carteira andando por aí. Quem sabe não cairiam de tentar pegar algo dele. Mu Island era aquele antro do submundo por conta de seus aspectos geográficos e econômicos, não significava que o restante de Hoenn fosse assim. Tão pacífica quanto Kanto. Será que conseguem notar que suas curtas e pacíficas vidas estivessem completamente alheias ao submundo humano? Quem sabe. Talvez fosse melhor que ficassem alheios. Os fracos não sobrevivem.

Continuando sua busca por algum oponente, Johan acaba por encontrar alguém treinando ao farol, logo que o observava. O mesmo farol que Johan havia treinado. Que interessante. Talvez fosse um ávido batalhador. Talvez Johan pudesse tentar conseguir alguma batalha. Um combate digno. Estaria colocando muita fé nesse combate? Talvez superestimando um oponente desconhecido somente para aumentar sua saciedade? De nada importava. Precisava somente da empolgante batalha. Era como batalhavam em coliseus. Johan, sem hesitação alguma, aproximar-se-ia do treinador, tentando ver melhor a sua aparência.

— Ei, ei, você está treinando duro, não é? Que tal uma pequena batalha? — Johan sibilaria, com um sorriso malicioso no rosto. Um rosto querendo um fervoroso embate.

Estava completamente pronto para a batalha. Seus combatentes estavam firmes e fortes, e preparados para o que quer que viesse. Eram fortes. Deveriam ser fortes. O sanguinário treinador esperava o movimento de seu adversário.

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Johan aproximou-se do lutador. O sangue pulsava em suas veias, fervoroso, o treinador ansiava por uma batalha. O treinador parecia calmo e sereno, não estava se abalando. O Pokémon logo se aproximou, e mostrou-se frente à Johan, que o observou com certo esmero. Era um Medicham, e parecia seguir a sinergia de seu treinador. Preparados para uma boa batalha, pelo visto. Estavam treinando a calma e concentração... calma e concentração. Calma e concentração? Deveria haver alguma nesse mundo caótico? Existiria, então, calma e concentração na deturpada, caótica e maligna mente do treinador selvagem? Jazia esta calma em seus olhos? Brilhantes olhos amarelos, selvagens, penetrantes. Olhos de um predador. Talvez aquele realmente fosse um rival. Dada as condições, Johan estava começando a pressentir uma aura de que ele talvez fosse mais forte. Mais forte. E se perdesse? Ele se importaria?

Claro que não, por que se importaria? Precisava acalmar os nervos de seu árduo treinamento. Uma boa batalha, mesmo que esmagadora, serviria para que pudesse saciar a sede de sangue do treinador. Ele somente precisava de um bom exercício. Talvez esse seja o melhor que há. Sem se demorar, afastaria, enquanto pegava uma Poké Ball e lançava em campo seu Gastly, a fantasmagoria do seres. Poderia ser visto? Seu corpo gasoso pairava pelo ar.

— Vamos à luta! Gastly, inicie com dois Dazzling Gleam! — Bradaria Johan, logo de primeira.

Não tinha intenção de se apresentar. Não tinha intenção alguma de continuar a estender conversas. Só possuía uma vontade: o combate. Poderia ter enviado Scizor logo de primeira, mas de nada iria adiantar. Mesmo que pudesse ser efetiva, o restante do time de Johan também precisava de seus cuidados, treinos, reparos e batalhas diárias para continuarem em forma. De nada serviria treinos incessantes se não pudessem continuar preparados para as batalhas, com seus reflexos bem desenvolvidos, seus corpos bem acostumados e seus talentos para a guerra cada vez mais afiados.

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A batalha havia dado início e foi mais rápida do que o esperado. Foi o suficiente para simplesmente fazer com que Johan brochasse, não tardando a ficar desinteressado na batalha. Aquilo, sim, era uma experiência nova. Não soube que seria possível perder a empolgação na luta, no combate, na selvageria dos Pokémon e no intuito de derrubar seus inimigos! E todos aqueles que pudessem se opor à ele. Contudo, aquela era uma situação diferente. Não havia ninguém se opondo à ninguém, e não havia motivo real para guerra, a pequena guerra. Não havia adrenalina suficiente pulsando em seu corpo que o fizesse ter prazer de continuar aquela luta, pois simplesmente não havia um objetivo primordial. Não era uma caça, uma dominação, não era uma carnificina desnorteada. Não passava de uma luta justa entre treinadores. Provavelmente não resultaria em muito. Gastly havia sido derrotado em instantes, mas não havia sido bem aquilo que havia sido o extinto do selvagem treinador. Os seus olhos, antes vívidos e penetrantes, cheios de fúria, agora pareciam um tanto quanto oscilantes. Suas pálpebras pareciam contribuir para o olhar de desinteresse completo e força de vontade alguma, que tinha em relação àquela batalha Pokémon. Mas foi aí que veio uma pequena pedra: não seria esse sentimento um prefácio do que poderia ser uma enxurrada de sensações semelhantes? Até agora, não havia experimentado aquilo. Não que se lembrasse. Fazia tempo que não sentia a agulha da vulnerabilidade dar um pequeno toque em sua impenetrável casca.

E, também, a batalha foi breve e unilateral. Não demorou muito para que a massa de gás, Gastly, caísse por terra com 2 movimentos de Medicham. Johan pareceu se limitar à suspirar, coisa que dificilmente fazia — ou sequer acontecia. A questão agora era: "o que devo fazer?". Era essa a pergunta que rondava a mente do agora desanimado treinador, que pensava sobre algumas opções. Poderia finalizar rapidamente com Scizor, e obrigar a inseto a continuar com fúria em seu corpo, sua consciência, seu coração, e utilizando isso de combustível, para eventualmente entrar num estado miserável de existência, ou poderia finalizar as coisas por ali e não mais se preocupar com aquele oponente. Não era que ele era um mal oponente ou não parecia em forma. Medicham aparentava ter certo poder, mas ainda assim, algo fez com que Johan desistisse da batalha, de toda sua coragem, irracionalmente, pela primeira vez. Limitar-se-ia a retornar seu Pokémon derrotado para sua Ball, e enquanto viraria as costas.

— Obrigado, mas não necessito mais que isso. Até outro dia. — Externizava o treinador, num tom suficientemente alto para que o treinador ouvisse.

Não parecia muito interessado em continuar batalhando por aquele momento. Precisava pensar um pouco, caminhar um pouco, encontrar algo para fazer. Não parecia ter algum motivo naquele momento para continuar a ter a fúria impetuosa e selvagem que costuma ter, interessado somente na destruição e na capacidade de dominar um outro ser. Era estranho, mas, Johan pensou do fundo de sua perturbada mente, regada com as mais perturbadas e prazerosas vivências que o submundo pode ter lhe fornecido: acompanhe ante lutar contra. Fazia um tempo que não considerava tal postura. Talvez fosse necessária, ao menos naquele momento.

Contudo, não havia e nem pretendia, ou pretende, em momento algum ,abaixar sua guarda. Por demonstrar um comportamento estranho ao finalizar a briga que ele mesmo havia comprado, tinha que estar atento para qualquer movimentação que fosse necessário o uso da força. Poderia utilizar Scizor para o auxílio, de toda forma. Sendo assim, preparado para possíveis ataques contra sua pessoa, caminharia até o Pokémon Center para que pudesse ressarcir as forças de seus Pokémon e então realmente procurar algo para fazer, nas noites de Slateport. Deixaria para que a noite e as situações o guiassem, como se fosse o vento. Ainda imaginava se poderia continuar a ser chamado de "Hell Kaiser".

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Caminhando por um tempo, vagando pela noite na cidade portuária, o jovem Johan parecia ter a mente tão perturbada e inquieta que se os pensamentos se projetassem em forma de som e as pessoas à sua volta o ouvissem, provavelmente ficariam no mesmo estado que ele. Contudo, não eram as perturbações sombrias e vozes vorazes e agressivas que sussurravam em seu Ser, e sim uma outra voz, a mais perturbadora de todas: qual o propósito?
Era uma pergunta simples, mas parecia ser tão vasta e fazer tão pouco sentido que acabava por perturbar. Mesmo Johan, uma mente já perturbada pela sua caminhada na chamada vida, estava perturbado com essa simples questão, sem pender para algo bom, ruim, com sentido. Consentiu em deixar que sua mente lhe fizesse essa pergunta, e, agora, andava mais perturbado do que já estivera. Em sua cabeça, rondavam os mais vagos e formulados pensamentos, que não atingiam qualquer propósito. Mas, afinal, qual haveria de ser o propósito? Continuava sem saber. Não sabia nem mesmo se, em algum momento, ele ou alguém viesse a saber realmente o propósito. Contudo, ainda assim ficava tão intrigado que seus perturbados pensamentos e as vozes sussurrantes em seu subconsciente não pareciam sequer serem audíveis. Já fazia um tempo desde que isso não acontecia com aquele homem, que vagava pelos caminhos da dor. Ainda que vagasse pelo vale do fim, não temeria, pois sabia que tinha poder. Mas, e agora, o que era poder? E, sendo assim, qual seria seu propósito?

Tendo recuperado seus Pokémon enquanto divagava, decidiu que era uma noite necessária para se pensar. Mas não sabia onde seria um bom lugar para se fazer isso. E, afinal, o que iria pensar? E de que adiantaria pensar? Levaria o pensamento à um determinado propósito? Ele não sabia. Johan estava tão perturbado naquele momento, que parecia delirar. Sua aparência física era a mesma. Selvagem como sempre, mas havia um certo vazio, no que antes era preenchido por penetrantes e gélidos olhos de predador. Agora que eles se foram, parecia não haver muito mais sentido em manter as poses. Mas, sendo seu único traje, e simplesmente não se importando com tamanhas trivialidades, o treinador resolveu que aquele seria um bom momento para pensar. Talvez pensar em algum lugar onde pudesse melhorar com treino. Ou, talvez, quem sabe alguma caminhada por um vale epifânico, que o faça se questionar, e continuar questionando. Ainda não sabia se queria continuar naquele estado de questionamento, porém, certamente sabia que precisava fazê-lo agora. Só não sabia por onde começar.

Sem dizer palavra alguma para si mesmo ou para qualquer pessoa à volta, nem mesmo pensamento, Johan começaria a vagar pelas ruas de Slateport, aguardando por algum fio do destino cruzar a sua linha. Quem sabe isso poderia acontecer, mesmo que Johan não desse a mínima para o que é ou deixa de ser o destino. Nem mesmo perde tempo ocupando sua mente com esse questionamento menor, irrelevante. Agora queria somente continuar a pensar e se questionar, continuar a ser perturbado pela contínua pergunta que martelava o seu cérebro: qual o propósito?

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