Capítulo 23 - Desbravando a Tormenta

Por motivos justos, foi com bastante desconfiança e cautela que a dupla de criadores se aproximou da figura encapuzada, que se limitou a esperar a aproximação saltitante da quadrúpede que lhes servia de montaria, o olhar constantemente se desviando para a água turva que se espalhava à sua frente. Quando enfim chegaram perto o suficiente, finalmente foi possível perceber alguns detalhes mais específicos da desconhecida: Era apenas uma adolescente, isso era certo e, apesar da capa de chuva, suas roupas estavam sujas e ensopadas. A jovem se permitiu um sorriso nervoso quando a cabra chegou mais perto, e estendeu a mão para fazer um carinho próximo ao focinho do animal.

— É uma longa história. — Respondeu, o olhar castanho subindo para o rosto dos dois altíssimos rapazes; Perto de ambos já parecia uma moleca, montados em Anabell então, bem, já dava pra imaginar. — Vou resumir pra vocês: Blábláblá, vim ver o que tava acontecendo no Pyre, normal, todo mundo tá fazendo isso, né? — Começou, esfregando o rosto com a palma de uma das mãos. — Só que, assim... Isso aqui tá um caos! Não sei se vocês sabem, mas nesse lugar tá rolando desgraça atrás de desgraça. E eu não tava afim de me arriscar desse jeito por uma aventurinha, então eu pretendia voltar pra Lilycove... — Continuou, tomando ar. — ... ... ...Só que... Bateu um vento meio que, muito forte, eu não tava segurando direito, resumindo, ele levou minha ball embora. — Desabafou, num tom choroso. — Não riam! É patético, eu sei. — Emendou. Mais uma vez, o rosto se voltou na direção da "piscina natural" e, então, apontou para um ponto em específico. Boiando sobre as águas, um tanto quanto longe da margem, uma diminuta Net Ball flutuava para lá e para cá, se prestassem atenção. — ...E caiu ali. Eu tentei recuperar, mas... — Outro suspiro, e a menina esfregou o rosto, o olhar mareado se voltando à dupla novamente. — Tem uns bichos estranhos na água e eles simplesmente me atacaram quando eu tentei ir atrás, então eu simplesmente não consigo recuperar meu pokémon! — Choramingou, os ombros caídos. — Ele foi o único que me restou. Já gastei tudo que tinha tentando sair daqui mas, como eu falei, parece que esse lugar só atrai coisa ruim... — Comentou. Enfim, num gesto desesperado, a morena agarrou uma mão de cada um dos rapazes, e pediu mais uma vez: — Por favor, eu faço qualquer coisa! Eu só queria pegar meu bebê e ir embora daqui!

Posta essa situação em mesa, quais decisões seriam as tomadas pelos treinadores?

Apesar da hesitação inicial em relação à presença da menina, foi com bastante prestatividade que os criadores optaram por responder aos seus clamores. Inclusive, a mera atitude de McBride de retirar da esfera outra vez sua majestosa Frogadier já havia sido mais que suficiente para pincelar um brilho esperançoso nos olhos da jovemzinha, e o sorriso se desenhou inevitável ao se dar conta de que sim, ambos os rapazes estavam propensos e bem inclinados à, no mínimo, tentar resolver aquela infeliz situação para si. A primeira ação de Blake foi conceder à exausta Yuffie uma de suas preciosas frutinhas, tencionando atingir a aquática com um bump de energia. Valassa de maneira alguma ficou para trás, libertando Lenora de sua cápsula e, ao contrário do primeiro, não hesitou em lançar ordens preventivas de combate.

O plano de ação logo foi posto em prática pelos pokémons: A anfíbia tomou a dianteira, prostrando-se na margem da piscina e tomando fôlego - uma esfera enegrecida de energia começou a se formar no interior de sua boca e, com uma suavidade peculiar, "assoprou" o laser na superfície turva das águas, que responderam ao formar pequenas ondinhas num ponto em específico. Foi preciso algum tempo antes que pequenos olhos emergissem na água, um pouco mais distantes, encarando fixamente o raio que perturbava a superfície. Foi a brecha que a majestosa corvídea aguardava - em um rasante, as garras se abriram e a ave investiu na direção da Net ball e...

...Exceto que não. Tudo aconteceu rápido o suficiente para que o trio (quinteto?) mal tivesse chance de piscar: Quando estava prestes a alcançar a esfera flutuante, um novo corpo emergiu com velocidade da escuridão das águas, numa investida rápida que impediu instantaneamente o prosseguimento da noturna. Não só isso, porém; Assim que o formato esférico reajustou o posicionamento ao embater contra o corpo da penosa, suas bochechas se inflaram e imediatamente um jato poderosíssimo de água foi atirado diretamente contra o bico de Lenora. Era difícil dizer se por conta da surpresa, proximidade ou por causa do peso que a ave carregava consigo, mas a pobre pokémon sequer teve tempo de reagir, sendo arremessada para trás com uma fúria assustadora se comparada com o pequeno corpo que investira contra si, arrancando um grasnado de dor da voadora.

— Meu Deus! — Foi a reação da menina, que cobriu parte do rosto com as duas mãos. Era difícil dizer se por perceber que, de fato, havia tido sorte de conseguir sair das águas antes que fosse alcançada pelos selvagens, ou provavelmente não estaria tão bem para contar a história. O encontro, porém, não havia acabado por ali: Irritadíssima pelo golpe surpresa, a noturna abriu as asas - molhadas, àquela altura - e emitiu um guincho frustradíssimo na direção de sua, agora, oponente pessoal. Ignorando por completo o peixe que se prostrava entre Yuffie e aquele que descaradamente a atacara, Lenora abriu bem suas garras e, ainda que com certa dificuldade de voo, desceu de uma vez só contra o segundo baiacu e, independente da desvantagem da velocidade, a força do ódio parecia ter sido suficiente para que a corvídea concluísse seu objetivo, penetrando o corpo do animal com suas garras afiadíssimas e retornando à seu posto num voleio. (Superpower)

Assustada com a troca repentina de ofensivas brutas, foi de maneira quase cômica que a aquática que encarava Yuffie arregalou os olhos e, repentinamente, seu corpo pareceu encolher, ficando quase invisível aos olhos - tanto que o peixinho poderia ser confundido com a esfera que flutuava, até. A outra, apesar dos gravíssimos ferimentos, pareceu apenas ficar ainda mais irritada com a simples presença da corvídea e, então, seus olhos penetraram profundamente os frustrados de sua adversária. Um peculiar brilho azul escuro cintilou nas íris profundas do exótico pokémon, e a noturna não pareceu notar quando linhas finíssimas de mesma tonalidade começaram a se materializar e bailar vagarosamente entre suas garras, envolvendo-as, subindo pelas patas e tecendo armadilha gradualmente em torno de seu corpo. Com um "riso debochado", então, Lenora tomou ar, abrindo seu bico e acumulando mais e mais uma quantidade quase absurda de energia arroxeada; Em um fôlego somente, um poderoso raio pulsante cruzou a atmosfera na direção do espinhento espécime, que observou sua trajetória sem realizar um movimento sequer - sem dificuldade alguma, o alvo de Honchkrow foi atingido de maneira quase violenta: Sem som algum, o aquático se contorceu no lugar, e debateu-se por alguns segundos antes de simplesmente parar de reagir. Vagarosamente, o ar escapou de seu corpo e o peixe desinflou, boiando completamente inerte sobre as águas que anteriormente tomava como suas. (Dark Pulse)

Não houve tempo de comemorar.

Dor; Foi uma dor excruciante que correu por cada célula da ave quando as linhas que casualmente a envolviam anteriormente repentinamente adquiriram um brilho fortíssimo e se apertaram com violência ao seu redor. O corpo da corvídea se inclinou para trás com brutalidade e, ainda que seu bico se abrisse, não emitiu som algum inicialmente. Foi com certo atraso, então, que um guincho altíssimo, dolorido - e até assombroso - escapou pelos pulmões da voadora, os afiadíssimos fios azulados penetrando sua carne e marcando-lhe o corpo à "ferro e água". A cena, entretanto, não durou por muito tempo: Como se sequer houvessem existido, as linhas se partiram no ar, dissolvendo e sendo sopradas pela brisa gélida que envolvia o Monte Pyre; Lenora, por outro lado, não teve a mesma sorte. Sem resistência alguma, seu corpo tombou pesadamente na direção das águas turvas que demarcavam o campo de batalha, elevando uma pequena coluna de água e espalhando-a para todos os lados - inerte, a noturna poderia até não ter encontrado seu sepultamento, mas definitivamente havia se deparado com o próprio nocaute. Suja, as penas bagunçadas, os cortes: Um estado certamente deplorável para uma ave que há pouco dominava os céus com toda sua majestosidade.

No terror da situação, a pobre treinadora se escondeu imediatamente por detrás dos rapazes que tomaram dianteira para protegê-la; A própria Yuffie não foi capaz de demonstrar quaisquer reações, limitando-se a abrir um pouco mais os olhos enquanto observava os resultados de um avanço que, pelo menos à princípio, parecia ser tão simples.

Talvez a menina estivesse certa, afinal.
Com toda a sua imponência, Monte Pyre nada mais era que um mórbido palco para desgraças.

O contraste de personalidades em campo, naquele momento, era extremamente visível: Não somente entre McBride e Valassa, que disputavam entre a calmaria/êxtase e confusão/decepção, mas também entre os próprios peixes; Enquanto a recém-nocauteada impusera uma batalha feroz para Lenora, o olhar assustado da aquática restante já dizia bastante coisa, principalmente quando percebeu um gato aparecendo simplesmente do nada. Diferente do confronto desenrolado entre a primeira Qwilfish e Honchkrow, porém, ambos os treinadores possuíam uma vantagem a mais contra a baiacu: O fato de que suas velocidades, mesmo que minimamente, eram bem superiores se comparadas com a da oponente.

A primeira a se mover, assim que encontrou a liberdade de sua esfera, foi Meo-Mey. De maneira predatória, a bípede lançou as garras para fora e saltou na direção da pequena bola flutuante, emitindo um sibilo e... Passou direto e caiu de cara na água barrenta quando a peixinha simplesmente deu as costas e começou a nadar o mais rápido possível na outra direção. Diante da cena, a anfíbia ficou sem reação por alguns instantes, mas não perdeu tempo antes de acumular mais um de seus lasers pulsantes e o cuspir na direção do trajeto percorrido por Qwilfish - dessa vez, um acerto em cheio fez a venenosa dar algumas cambalhotas na água e, no ápice do desespero, o pouco ar em seu corpo escapou por completo: Àquela altura, a peixinha certamente não era muito maior que um minúsculo filhote de Joltik. (Fake Out/Dark Pulse)

Sem querer perder tempo, mais uma tentativa foi feita por Yuffie ao atirar mais um de seus raios enegrecidos - entretanto, dessa vez, um breve cambaleio para o lado e para baixo foi suficiente para que a pequenina pokémon evitasse a ofensiva, desaparecendo nas águas turvas. Suja e com cara de boba: Foi assim que Meo-Mey levantou da água, balançando a cabeça e os braços para se livrar do excesso de umidade que se acumulou em seus pelos. Lançando uma das patas para cima, a felina emitiu um bocado de sibilos para o nada e, a julgar pelo tom frustradíssimo, era possível supor as inúmeras profanidades que a bípede estaria xingando naquele exato momento. O ato se mostrou necessário, porém, quando minúsculos olhinhos escaparam outra vez para cima da água e, de repente, a formiguinha aquática se arremessou bem na cara da felina, batendo-lhe com o corpo e a cauda, indignadíssima, antes de cair sobre a superfície barrenta novamente. Poderia não ter sido a melhor coisa a se acontecer, mas pelo menos a aquática havia sido atraída outra vez para a batalha que já se desenrolava. (Dark Pulse/Taunt)

Uma nova rodada de movimentos era, então, iniciada. Apesar da "piscina" de azar inicial para pelo menos um dos rapazes e o estilo escorregadio e esquivo de batalha da peixinha restante, tudo parecia se encaminhar para um final feliz naquele momento. Diante das novas ordens de Valassa, McBride não quis arriscar que sua anfíbia acabasse sofrendo ferimentos no processo, então não se demorou em ordenar seu recuo para que pudessem também atacar à distância: O primeiro raio gélido infelizmente não foi bem sucedido, entretanto, a energia elétrica invocada por Meo-Mey atingiu em cheio a medrosa aquática - mas não havia sido forte o suficiente para forçar seu nocaute, embora a pequena bolinha já parecesse bem mais que exausta. O fato não a impediu de se jogar mais uma vez na direção da felina, batendo cauda e nadadeiras em seu rosto, como se exigisse um pedido de desculpas: A atitude, porém, resultou diretamente em seu nocaute: Aproveitando-se da distração da investida ousada da aquática, Yuffie tomou a dianteira para um arriscado raio pulsante que até chegou a ameaçar atingir a inicial de Drac, entretanto, felizmente não o fez. (Ice Beam/Thunderbolt/Dark Pulse)


— ...Whow! — Foi a reação imediata da menina. — Demais! — Comemorou. A treinadora até chegou a correr para a margem, tencionando se arremessar nas águas barrentas para perseguir sua esfera flutuante, entretanto, parou antes que pudesse sequer adentrá-las realmente. — ...Será que não tem mais nenhum aí dentro? — Perguntou, receosa, o olhar enfim se voltando para os rapazes. Não parecia muito confortável com a ideia de se deparar com outro espécime daqueles, principalmente após ver a ferrenha batalha que, de certa forma, não foi lá a das mais fáceis...