A medida que caminhávamos até a rua de minha casa, eu sentia meu coração palpitar mais forte e a ansiedade me tomava. Eu mal conseguia tirar os olhos da frente do terreno e imagino que Lis estava do mesmo jeito. Ela respondia vagamente sobre o café da manhã com Raiko, mas sem maiores questionamentos.
- Tudo bem, deixa para uma próxima. - Dizia com um sorriso tímido enquanto se mantinha com expressão inerte.
Mesmo a visão do laboratório não conseguia nos tirar daquele estado. Era muito... Diferente. Circular pela cidade em que crescemos e não ter nada nos cortava o coração, mas, nada era comparado ao que sentimos quando chegamos ao que devia ser a antiga casa de Lis. Reconhecemos por um buraco onde devia ter um tronco quebrado de uma árvore, provavelmente retirado pelos outros treinadores que acharam que se tratava de uma árvore que quebrou, e não da imprudência de Mirajane treinando um Dragon Tail com a pobre coitada da árvore. Ao chegarmos na frente do terreno vazio, um nó se formou em minha garganta. Pude ouvir Lisanna contar passos.
- Um... Dois... Três... - E prosseguia, enquanto caminhava trêmula. Contou vinte passos e se agachou. Eu não havia entendido de cara, mas não demorou para perceber. Ela sabia que não conseguiria encontrar a cidade do mesmo jeito, e um monte de pedras empilhadas não resistiria a tempestade. Lisanna havia decorada a exata posição de onde havíamos enterrado a vovó. Sem jeito e comovida, ela se agachava para conversar com quem jazia debaixo daquela terra.
- Ei, vovó...Disse e parou. Trêmula. A voz não saia de sua boca e eu observava de longe, até que resolvia me aproximar. Cuidadosamente, eu colocava a mão sob seu ombro direito. A jovem se segurava para não chorar, e, aparentemente, tinha tanto a dizer, tanto o que contar, o que lamentar, mas...
Havia perdido a coragem. Eu entendia bem. Eu me sentia assim quando olhava a foto de Gary em meu pingente durante a noite. Nunca conseguia dar forma as preces que tecia para meu finado irmão. Era preciso coragem para se despedir... E é sempre muito mais fácil falar do que fazer. O nó na garganta não me deixava engolir a saliva, mas eu forcei, e, então, com as palavras fracas, eu comecei o ato, como se encorajasse Lis a fazer o mesmo.
- Ei, vovó... - Saíam tão fracas de minha boca que mal eram audíveis, então, eu recomecei, em um tom melhor, de mais coragem... Algo que pudesse animar minha tão estimada amiga.
- Ei, vovó... Como você ta? Quer dizer... Ah, deixa isso pra lá. - E ria, meio sem graça.
- Sabe... As coisas não tem sido muito fáceis sem você por aqui. Era sempre incrível como você sabia a hora exata de saber o que dizer. Você anda fazendo falta... Mais do que a gente jamais imaginou que você ia fazer. - Parei para respirar enquanto se mantinha de cabeça baixa. As lágrimas queriam sair, e, por um segundo... Eu vacilei, e tudo saiu de mim, fluindo como um rio.
- Eu sei que você dizia que a gente nunca estava ciente do nosso potencial de verdade, sei que sempre acreditou na gente... E eu também acredito. Mas... Tudo tem sido mais difícil do que jamais foi, e nem tudo anda como planejamos. Ainda não aprendi a ser um bom treinador, e ainda tem muito coisa que quero aprender, mas... No fim das contas... - Eu parava para analisar a situação a minha volta. Estava chorando. As lágrimas caíam no meu colo e pude ver que Lisanna estava pior... Chorava de soluçar. Mas, depois de tudo aquilo...
- ... Eu só queria te dizer obrigado. Por ter feito tudo o que fez por mim, e por ter feito de tudo pelos meus amigos. Por ter feito o Elfman confiar em mim. Por ter me ajudado a me tornar um bom amigo pra Lis e pra Mira... - Eu respirava. Secava as lágrimas e levantava, enquanto ainda mantinha o olhar fixo no chão. Eu voltava a sorrir agora, timidamente.
- ... E por ter acreditado que eu me encontraria de novo. Continue torcendo por mim também, vovó. Dedico minhas preces a você...Foi um péssimo jeito de tentar encorajar alguém? Quer dizer, no fim das contas, eu só havia chorado ali, ao invés de confortar a Lis. Não tinha nada que eu pudesse dizer? Eu deixei o silêncio ecoar, e, quando eu estava perto de dizer algo para Lisanna, ela começou.
- ...Eu não me lembro de quando você me pegou em casa. Você sempre dizia que eu merecia mais do que o dinheiro que papai poderia me dar. - A voz da garota era trêmula. Ela ainda hesitava, mas não tinha mais vergonha. Ela estava com medo de dizer adeus. Mas reconhecia... Que tinha chegado a hora.
- Mamãe morreu quando eu nasci. A Mira nunca parava em casa por conta da jornada, e o Elfman era dedicado aos livros e as suas fantasias. Todo mundo que havia ficado, estava cercado pelos seus hobbies, e tinha algo para se preencher, e quem eu não sabia o que fazia, tinha ido embora. Eu me sentia vazia, abandonada... Mas você sempre fez questão de dizer que não era assim. Vovó, a senhora sempre esteve aqui por mim. Ainda que o mundo faltasse comigo, você me dava amparo, amor e fez de tudo para ser o que sonhava que mamãe seria pra mim. - Ela engolia seco. As lágrimas caíam com mais intensidade que nunca.
- Você me ensinou o valor das palavras, me mostrou que a gente sempre tem mais força do que aparentava, e eu... Eu nunca me senti forte assim. Eu tô sempre vestindo uma carcaça, porque constantemente me falta algo, e, eu... Eu me sinto idiota. Que nunca consegui retribuir o carinho que você tinha por mim a sua altura. Eu nunca fiz por merecer tudo o que fez por mim, mas eu nunca havia sonhado, nem nos meus piores pesadelos, com um mundo em que a senhora fosse embora tão de repente... - Ela parava para praguejar, a expressão de dor suavizava para um sorriso frouxo, as lágrimas ainda incessantes caíam fortemente de seus olhos.
- ... Sua velha escrota. Sempre fazia eu me despedir antes de sair de casa e não me deu nem um abraço de despedida.Um silêncio ecoou. As lágrimas haviam cessado por um breve momento, e... Desse jeito ficavam. Haviam parado.
- ... Mas eu não vim para te xingar. Eu só queria me despedir... De forma adequada. Você sempre disse que nós quatro deveríamos estar juntos, que não teria nada que não pudéssemos fazer enquanto estivéssemos assim... Mas o Elfman, ele... Ele sumiu, vovó. A Mira foi atrás dele, e... Eu não quero perder mais ninguém... Eu não tenho mais força pra isso. Por favor... Me ajuda... - Ela dizia, voltando aos prantos de novo. E, antes, que o silêncio pudesse voltar a nos atormentar, Liz, a Glameow de Lisanna, saía de sua Pokéball. Ela vinha até mim e pedia o meu colar, que eu rapidamente entregava para ela. A felina levava o cordão na boca e deixava no colo de Lisanna, fazendo a menina, por um instante, se questionar o que sua Pokémon estava fazendo. A garota pegou o cordão e abriu o pingente, vendo as fotos que eu carregava comigo.
- ... A gente nunca perde ninguém... - Dizia, hipnotizada pelas fotos.
- ...Enquanto guardamos as pessoas conosco. - Eu completava sua frase. A garota assentiu com a cabeça enquanto devolvia o cordão para sua Pokémon e beijava sua testa. Em seguida, a Glameow me devolvia o cordão e sentava ao lado de Lisanna.
- Eu... Entendi o recado. Nunca vou parar de levar você comigo. Obrigada... Vovó... - Dizia, com um sorriso de canto, enquanto se levantava rapidamente e retornava sua Pokémon para a esfera.
Lisanna veio na minha direção e eu a abracei. Aquilo, nem de longe a confortaria. Nunca seria suficiente, mas... Ao menos... Ela sabia que não estava sozinha. Por agora, para ela, aquilo era suficiente.
- Eu sempre vou estar aqui, ta bom...? - Eu dizia enquanto a abraçava, com uma expressão melancólica enquanto podia sentir ela me abraçar forte e engolir as lágrimas de novo. Assentiu com a cabeça.
...
Não demorou muito para ela se acalmar. Após algum tempo abraçados, nós começávamos a voltar para o acampamento, com Lis um pouco mais na frente de mim e de Raiko.