Pela primeira vez desde que Koji surgiu, o felino azulado decidiu que era seguro sair de perto de Yoshiro. A menina provavelmente teria verbalizado um “auhn” decepcionado por não poder mais levá-lo nos braços, se ainda não estivesse tão desnorteada com tudo que vimos e ouvimos nos últimos minutos. Por sorte, ela escondia bem: não deixou a criança notar a gravidade da situação em que estávamos, e apenas respondeu com um sorriso aos doces dizeres dela, acenando a cabeça em confirmação.
Com a pequena comitiva de busca e resgate formada, o morador do Dreamy Lake fez questão de lembrar-nos que não podíamos continuar ali por mais tempo. Um breve aceno de sua estrela cor-de-rosa foi convite mais que suficiente: logo estávamos todos andando por uma trilha que, admito, não me era tão familiar assim. Provavelmente não viemos desse rumo da primeira vez… ah, mas isso não importa. É impossível nos perdermos com o dono da casa guiando o cortejo, não? Por isso, durante o começo do trajeto, meu único foco foi dar atenção à nossa pequena e risonha acompanhante.
As gotas congeladas caíam sobre o solo, desfazendo-se em pequenos brilhos. Nada grandioso - um juiz de Contest certamente infartaria de desgosto -, porém era suficiente para fazê-la gargalhar em pura alegria e encantamento. Aplaudia-me e pedia para que eu repetisse o truque, e logo outro Ice Beam era lançado aos céus. Brincando, eu fazia uma reverência toda vez que a menina começava a bater palmas, e às vezes me exibia com uma ou outra acrobacia, as quais eram recebidas com igual entusiasmo. Em pouco tempo, eu já estava rindo também, deixei-me levar tanto pelo jeito divertido da criança que quase me esqueci dos arredores.
Até ouvir os humanos mais velhos começando a conversar, alguns metros atrás de nós.
Há três semanas… ela não precisava disso…? Descuidei-me em uma das aterrissagens, minhas patas escorregaram no gelo que eu mesmo tinha formado e isso quase me levou ao chão. Por sorte, consegui recuperar o equilíbrio antes de passar alguma vergonha maior, mas já não era isso que me preocupava. Está me dizendo que há tão pouco tempo essa garotinha conseguia respirar sem as máquinas? Então… como ela piorou assim?
Forcei-me a continuar parecendo descontraído, no entanto, as brincadeiras eram a última coisa na minha mente. Era difícil fingir que as palavras de Koji não me alcançavam os ouvidos. Mais difícil ainda era acreditar nelas. Vez ou outra minhas patas ameaçavam vacilar, e eu tinha que lutar contra o impulso de correr até os adolescentes e garantir que estava ouvindo a história direito. Duas semanas... Isso é tudo o que essa criança tem?
O pesar na voz do menino foi uma confirmação irrefutável. Olhei para Yuki, que ainda ria com todo o entusiasmo que alguém da sua idade pode ter. Ela parecia… feliz. Apesar do desafio que cada passo lhe impunha, apesar de mal conseguir respirar sozinha. Apesar de estar com os dias contados. Parecia-me tão, tão errado pensar que, daqui a alguns míseros dias, aquela risada nunca mais seria ouvida por alguém…
- Eu sinto muito, Koji… - Foi a primeira coisa que ouvi minha humana dizer. Arrisquei um discreto olhar para trás, e vi que Yoshiro estava com a cabeça baixa. Suas mãos, fechadas com força, tremiam, mostrando que também estava tendo dificuldade em aceitar aquela frígida revelação. E se é chocante para nós, que acabamos de conhecê-la… não consigo imaginar como está sendo para aquele humano. - Perdão por ter te dito aquelas coisas… você não merecia ouvir aquilo.
O leãozinho cutucou-me, dizendo que eu não deveria dar atenção àquilo. Era difícil, depois de ter mais uma amostra do quão dura a realidade é, porém fiz meu melhor para continuar entretendo a garotinha. Nesse momento, acho que isso é tudo que posso fazer por ela, não é?
- Eu sempre acreditei nele, sim… mas não consigo entender porque faria uma crueldade dessas. - Balançou a cabeça negativamente, suspirando antes de erguer os olhos ao céu, da mesma forma que Koji havia convidado-a a fazer. Eu não podia olhar a face do rapaz sem me virar mais do que devia, contudo, sua voz denunciava o quão quebrado ele estava. Pela primeira vez, me arrependi por tê-lo tratado mal.
- Isso é… tão injusto. Eu entendo porque você fez aquilo, Koji… se foi errado ou não, não importa agora. Vamos consertar tudo, e depois ainda realizaremos o desejo dela.- Enquanto falava, a menina esperou que ele descruzasse os braços e segurou gentilmente uma das mãos do rapaz, entrelaçando seus dedos nos dele. - A Yuki é um amor de menina… tenho certeza de que algum gatinho desses vai querer acompanhá-la. Posso ajudá-los a encontrar um. E, depois disso… vamos todos dar a ela o melhor dia que já teve, certo? - Conseguiu forçar um sorriso fraco, e notei que ela estava se incluindo nisso. Talvez não pudéssemos fazer nada demais, contudo, dava para ver que Yoshiro realmente queria ajudar e que não deixaria tudo sobre as costas de Koji. Enquanto esperava alguma resposta do garoto, volveu seus olhos para a criança que ainda se divertia conosco. Alheia à conversa que ocorria tão próxima. Alheia ao seu próprio tempo, o qual vorazmente se esgotava. - É o mínimo que ela merece de nós.
Um outro cutucão do felino foi suficiente para eu notar que já estava encarando demais. Antes que Yuki estranhasse, fingi que estava apenas me preparando para um outro salto: dessa vez, um mortal para trás. Se eu sei fazer algo assim? É claro que não. Mas ela tem seis anos, posso fazer qualquer coisa e fingir que foi um mortal, duvido que vá notar a diferença.
Ao fim da minha pseudo-acrobacia, acabei caindo de frente a um arco coberto por vinhas. Demorei um par de segundos para reconhecê-lo. Ele não era assim antes… nem essas árvores, que agora pendem tão pálidas e murchas. Era um lugar tão bonito, tão… mágico. Agora, é como se a própria magia estivesse enfraquecida pela dor da perda, ainda lamentando por ter tido uma parte de si arrancada.
- Este lugar… - Yoshiro não se deu o trabalho de completar a frase; tão abismada quanto eu. Seu olhar ia de um canto ao outro, inquieto, procurando por qualquer traço de esperança em meio àquele local desolado. Não encontrou nenhum. Mordendo o lábio inferior, ela baixou a cabeça e indicou a Koji e Yuki que deveríamos atravessar o portal. Foi na frente, sem se atrever a erguer os olhos. Hesitei um pouco antes de segui-la. Se o tão belo corredor de antes está assim… eu realmente tenho medo de ver como o resto do lago está.
Com a pequena comitiva de busca e resgate formada, o morador do Dreamy Lake fez questão de lembrar-nos que não podíamos continuar ali por mais tempo. Um breve aceno de sua estrela cor-de-rosa foi convite mais que suficiente: logo estávamos todos andando por uma trilha que, admito, não me era tão familiar assim. Provavelmente não viemos desse rumo da primeira vez… ah, mas isso não importa. É impossível nos perdermos com o dono da casa guiando o cortejo, não? Por isso, durante o começo do trajeto, meu único foco foi dar atenção à nossa pequena e risonha acompanhante.
As gotas congeladas caíam sobre o solo, desfazendo-se em pequenos brilhos. Nada grandioso - um juiz de Contest certamente infartaria de desgosto -, porém era suficiente para fazê-la gargalhar em pura alegria e encantamento. Aplaudia-me e pedia para que eu repetisse o truque, e logo outro Ice Beam era lançado aos céus. Brincando, eu fazia uma reverência toda vez que a menina começava a bater palmas, e às vezes me exibia com uma ou outra acrobacia, as quais eram recebidas com igual entusiasmo. Em pouco tempo, eu já estava rindo também, deixei-me levar tanto pelo jeito divertido da criança que quase me esqueci dos arredores.
Até ouvir os humanos mais velhos começando a conversar, alguns metros atrás de nós.
Há três semanas… ela não precisava disso…? Descuidei-me em uma das aterrissagens, minhas patas escorregaram no gelo que eu mesmo tinha formado e isso quase me levou ao chão. Por sorte, consegui recuperar o equilíbrio antes de passar alguma vergonha maior, mas já não era isso que me preocupava. Está me dizendo que há tão pouco tempo essa garotinha conseguia respirar sem as máquinas? Então… como ela piorou assim?
Forcei-me a continuar parecendo descontraído, no entanto, as brincadeiras eram a última coisa na minha mente. Era difícil fingir que as palavras de Koji não me alcançavam os ouvidos. Mais difícil ainda era acreditar nelas. Vez ou outra minhas patas ameaçavam vacilar, e eu tinha que lutar contra o impulso de correr até os adolescentes e garantir que estava ouvindo a história direito. Duas semanas... Isso é tudo o que essa criança tem?
O pesar na voz do menino foi uma confirmação irrefutável. Olhei para Yuki, que ainda ria com todo o entusiasmo que alguém da sua idade pode ter. Ela parecia… feliz. Apesar do desafio que cada passo lhe impunha, apesar de mal conseguir respirar sozinha. Apesar de estar com os dias contados. Parecia-me tão, tão errado pensar que, daqui a alguns míseros dias, aquela risada nunca mais seria ouvida por alguém…
- Eu sinto muito, Koji… - Foi a primeira coisa que ouvi minha humana dizer. Arrisquei um discreto olhar para trás, e vi que Yoshiro estava com a cabeça baixa. Suas mãos, fechadas com força, tremiam, mostrando que também estava tendo dificuldade em aceitar aquela frígida revelação. E se é chocante para nós, que acabamos de conhecê-la… não consigo imaginar como está sendo para aquele humano. - Perdão por ter te dito aquelas coisas… você não merecia ouvir aquilo.
O leãozinho cutucou-me, dizendo que eu não deveria dar atenção àquilo. Era difícil, depois de ter mais uma amostra do quão dura a realidade é, porém fiz meu melhor para continuar entretendo a garotinha. Nesse momento, acho que isso é tudo que posso fazer por ela, não é?
- Eu sempre acreditei nele, sim… mas não consigo entender porque faria uma crueldade dessas. - Balançou a cabeça negativamente, suspirando antes de erguer os olhos ao céu, da mesma forma que Koji havia convidado-a a fazer. Eu não podia olhar a face do rapaz sem me virar mais do que devia, contudo, sua voz denunciava o quão quebrado ele estava. Pela primeira vez, me arrependi por tê-lo tratado mal.
- Isso é… tão injusto. Eu entendo porque você fez aquilo, Koji… se foi errado ou não, não importa agora. Vamos consertar tudo, e depois ainda realizaremos o desejo dela.- Enquanto falava, a menina esperou que ele descruzasse os braços e segurou gentilmente uma das mãos do rapaz, entrelaçando seus dedos nos dele. - A Yuki é um amor de menina… tenho certeza de que algum gatinho desses vai querer acompanhá-la. Posso ajudá-los a encontrar um. E, depois disso… vamos todos dar a ela o melhor dia que já teve, certo? - Conseguiu forçar um sorriso fraco, e notei que ela estava se incluindo nisso. Talvez não pudéssemos fazer nada demais, contudo, dava para ver que Yoshiro realmente queria ajudar e que não deixaria tudo sobre as costas de Koji. Enquanto esperava alguma resposta do garoto, volveu seus olhos para a criança que ainda se divertia conosco. Alheia à conversa que ocorria tão próxima. Alheia ao seu próprio tempo, o qual vorazmente se esgotava. - É o mínimo que ela merece de nós.
Um outro cutucão do felino foi suficiente para eu notar que já estava encarando demais. Antes que Yuki estranhasse, fingi que estava apenas me preparando para um outro salto: dessa vez, um mortal para trás. Se eu sei fazer algo assim? É claro que não. Mas ela tem seis anos, posso fazer qualquer coisa e fingir que foi um mortal, duvido que vá notar a diferença.
Ao fim da minha pseudo-acrobacia, acabei caindo de frente a um arco coberto por vinhas. Demorei um par de segundos para reconhecê-lo. Ele não era assim antes… nem essas árvores, que agora pendem tão pálidas e murchas. Era um lugar tão bonito, tão… mágico. Agora, é como se a própria magia estivesse enfraquecida pela dor da perda, ainda lamentando por ter tido uma parte de si arrancada.
- Este lugar… - Yoshiro não se deu o trabalho de completar a frase; tão abismada quanto eu. Seu olhar ia de um canto ao outro, inquieto, procurando por qualquer traço de esperança em meio àquele local desolado. Não encontrou nenhum. Mordendo o lábio inferior, ela baixou a cabeça e indicou a Koji e Yuki que deveríamos atravessar o portal. Foi na frente, sem se atrever a erguer os olhos. Hesitei um pouco antes de segui-la. Se o tão belo corredor de antes está assim… eu realmente tenho medo de ver como o resto do lago está.
Última edição por Hanakko em Dom Nov 22 2020, 23:37, editado 1 vez(es)